APELAÇÃO CRIMINAL 32065

CAMPOS NOVOS

 

Trata-se de recurso de ofício, manifestado pelo doutor Juiz de Direito da Primeira Vara da Comarca de Campos Novos da sua decisão que julgou procedente pedido de reabilitação criminal formulado por Z. P. M. e L. C. M.

Entendemos deva ser negado conhecimento ao recurso.

Na verdade, a ordem de devolução, à superior instância, via recurso ex officio não mais se justifica, em razão do aparelhamento sistemático do Ministério Público.





De lembrar, que a Constituição de 1988 reserva ao Ministério Público, com exclusividade, a deflagração da ação penal pública.

Com este dispositivo da Carta Magna, expugnou-se, de vez, aquele resquício do juízo inquisitorial, onde o juiz se erigia à posição de órgão da persecução penal.

Ora, se o órgão do Ministério Público a quo concordou com a decisão do ilustre magistrado de primeiro grau que julgou procedente pedido de reabilitação criminal, não poderia o magistrado cometer o paradoxo de interpor recurso contra a sua própria decisão.

Neste sentido a declaração de voto do Juiz Walter Theodosio, quando do julgamento do Recurso de Ofício nº 807.629/7, da Quarta Câmara (de férias) do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:

" A Constituição Federal vigente colocou a ação penal como monopólio do Ministério Público, como regra, eis que não inviabilizou a ação penal privada, quer sob o toque principal, quer sob feição subsidiária.

Mas , deflui do mandamento constitucional, em harmonia com os princípios que cercam o due process of law , este abrigado na Lei Magna como uma das garantias individuais, que o juiz não mais se erige à posição de órgão da persecução penal.

O juiz deve permanecer à margem do conduzir a acusação e defesa, tarefa que cabe às partes.

O juiz deve reservar-se ao deslinde da quaestio, num patamar de imparcialidade.

Se o juiz é imparcial, não é parte. E se não é parte, não pode manifestar irresignação com sua própria decisão.

O recurso de ofício, venia petita, revela-se resquício do inquisitorialismo, situação que merece ser expungida, de vez, do processo penal brasileiro.

Inviável pretender-se recusar o caráter de recurso à determinação de reexame pela Eg. Instância Superior, por esforço de raciocínio e talento, no sentido de explicar-se a paradoxal situação do juiz que o interpõe, projetando no contexto da decisão, o germe de sua própria destruição [Alcides Mendonça Lima, como deflui do excelente parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça, fls. 125].

Colhe-se da manifestação do Ministério Público de Segunda Instância, sem embargo de sua conclusão em favor da tese da douta Maioria, a lição do renomado processualista, Mendonça Lima, no sentido de não mais se justificar, nos dias atuais, a persistência de instituto dessa ordem, exatamente em razão da criação e aparelhamento sistemático do Ministério Público.

Incabível, concessa venia, a ordem de devolução à Superior Instância, providência imposta na lei, como situação excepcional, diante dos princípios constitucionais invocados, em que se reconhece o monopólio da ação penal pública, nas mãos do bem aparelhado Ministério Público, sob complementação da ação penal privada.

Quer numa hipótese, ação penal pública, quer noutra, ação penal privada, o Judicium fica aperfeiçoado, escoimando o Judex da inadequada tarefa de ocupar, simultaneamente, a presidência do processo e o pólo ativo da relação processual, ainda que, este, por momento fugaz. Fugaz, mas relevante, na interposição do recurso de ofício.

Ao juiz cabe o exame da questão, ainda que de ordem processual, em face do sistema jurídico.

A regra, como se sabe, nem sempre se mostra em determinada norma, mas no contexto do sistema jurídico, que se revela uma unidade, como bem expressa o lúcido pensamento kelseniano.

No caso dos autos, é de ver-se a regra, data venia, é pinçável do contexto constitucional, que, por sua superioridade jurídica, afasta os mandamentos de hierarquia inferior do Código de Processo Penal..."

Por estes motivos, entendemos deva essa Egrégia Câmara negar conhecimento ao recurso de ofício.

Florianópolis, 25 de setembro de 1994.









NÉLSON FERRAZ

PROCURADOR DE JUSTIÇA

 

 

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