APELAÇÃO CRIMINAL 32138

ARARANGUÁ


 
 
 

Inconformado com a respeitável decisão da doutora Juíza de Direito da Comarca de Araranguá, que o condenou a três anos de reclusão, por incurso nas sanções do artigo 129, § 2º, itens II, III, e IV, do Código Penal, JOÃO PEREIRA FELISBERTO, tempestivamente, interpõe o presente recurso.
 

Objetiva o apelante a decretação de sua absolvição, por insuficiência de provas, ou, alternativamente, a desclassificação para lesões corporais graves, com a conseqüente decretação da prescrição retroativa.
 
 

O presente recurso está a ensejar provimento parcial, tão somente com a finalidade de desclassificar o crime para lesões corporais graves.
 

Tanto quanto à autoria do crime como quanto a inexistência de qualquer excludente, seja de injuricidade ou culpabilidade, os autos não ensejam dúvidas.
 

O recorrente fora ao bar da vítima, e se revoltado com a comunicação desta acerca da dissolução da sociedade que ambos tinham, desferiu-lhe um tiro que produziu as lesões descritas nos laudos periciais.
 

A presença do apelante foi constatada pela testemunha Orlando de Souza, que viu quando o mesmo, em companhia da vítima, se dirigiu a uma das dependências do mesmo.

Quanto à natureza das lesões, todavia tem razão o apelante.
 

Realmente, os laudos periciais não concedem a condenação pelo crime de lesões corporais gravíssimas.
 

Todavia, quanto a lesões corporais de natureza grave, os laudos, principalmente o segundo, são categóricos, na modalidade da incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias.
 

A desclassificação, por sua vez, não constitui rompimento do nexo subjetivo, podendo ser operada nesta oportunidade, como, aliás, o pretende o recorrente.
 

A pretendida prescrição retroativa, no entanto, não pode ser concedida.
 
 

É que a publicação da sentença torna-se causa interruptiva do lapso prescricional de quatro anos, necessário na espécie, se operada a pretendida desclassificação.
 
 

Diante de todo o exposto, opinamos pelo provimento parcial do presente recurso, tão somente para desclassificar o crime para lesões corporais de natureza grave, na modalidade de incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias.
 

Florianópolis, 13 de outubro de 1994.
 
 
 

NÉLSON FERRAZ

PROCURADOR DE JUSTIÇA


 
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    TIPO DE PROCESSO ..........................: Apelação criminal
NÚMERO ACÓRDÃO ............................: 32.138
COMARCA ...............................................: Araranguá
DES. RELATOR .....................................: Jorge Mussi
ÓRGÃO JULGADOR .............................: Segunda Câmara Criminal
DATA DECISÃO .....................................: 18 de novembro de 1994
PUBLICADO NO DJESC .....................:

Apelação criminal n. 32.138, de Araranguá.

Relator: Des. Jorge Mussi.

APELAÇÃO CRIMINAL. LESÕES CORPORAIS. AUTORIA COMPROVADA. PERDA DE
UM OLHO. LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA NÃO CARACTERIZADA.

A perda de um olho constitui debilidade permanente de função e não inutilização de
sentido, devendo a lesão ser considerada grave e não gravíssima.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação criminal n. 32.138, da comarca
de Araranguá (Vara de Exceção), em que é apelante João Pereira Felisberto,
sendo apelada a Justiça, por seu Promotor:

ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, à unanimidade, dar provimento parcial ao
recurso.

Custas legais.

Na comarca de Araranguá, foi denunciado JOÃO PEREIRA FELISBERTO, como
incurso no artigo 129, parágrafo 2o, II, III e IV, do Código Penal, sendo ao final
condenado à pena de 3 anos de reclusão, pela prática dos atos delituosos assim
descritos na peça preambular, in verbis:

"Consta das indagações policiais que no dia 7 de março de 1989, por volta das 18
horas, em uma casa localizada na zona de meretrício, Mato Alto, nesta cidade, por
motivos de negócios, o denunciado desferiu um tiro, com um revólver, não
apreendido, contra a vítima José Paulo Teixeira, causando-lhe as lesões corporais
descritas no laudo pericial de fls. 6, e 15-A, do IP".

Irresignado com o teor da sentença condenatória, o acusado recorreu, colimando a
absolvição, por insuficiência de provas; alternativamente, a desclassificação do delito
de lesões corporais gravíssimas para lesões de natureza grave, com a conseqüente
declaração da prescrição retroativa da pretensão punitiva.

Contra-arrazoado o recurso, os autos subiram a esta Superior Instância, tendo a
douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Nélson Ferraz,
opinado pelo seu conhecimento e provimento parcial, "para desclassificar o crime para
lesões corporais de natureza grave, na modalidade de incapacidade para as ocupações
habituais por mais de trinta dias" (fls. 93/94).

É o relatório.

Pelo elenco probatório trazido aos autos, tem-se que o apelante e a vítima eram
sócios no comércio de compra e venda de semijóias, e que esta tinha pedido a
dissolução de dita sociedade, sendo que, no dia dos fatos, ambos encontravam-se no
quarto dela, que ficava no bar de sua propriedade, "acertando as contas" (fls. 40), e,
durante a conversa, o réu sacou de sua arma, desferindo-lhe um tiro, acertando a
vítima na narina esquerda.

A prova testemunhal é toda no sentido de que o apelante estava sozinho no quarto
com a vítima e, após um disparo de arma de fogo, esta foi encontrada ferida, tendo o
réu se evadido do local.

A circunstância de não haver testemunhas presenciais do crime não elide a
condenação, posto que os indícios de autoria obtidos pela prova testemunhal, aliados
ao depoimento da vítima, que afirma ter sido o apelante o autor do delito, são
suficientes para a prolação do decreto condenatório.

O fato de a vítima não ter visto o instante em que o réu sacou da arma e efetuou o
disparo, não enfraquece o seu depoimento, uma vez que, no momento da prática
criminosa, encontravam-se apenas os dois no quarto.

Por outro vértice, merece acolhida o pedido de desclassificação para lesão corporal de
natureza grave, isso porque não restou caracterizada a lesão gravíssima.

Do ferimento produzido resultou paralisia da musculatura do globo ocular esquerdo,
conforme laudo pericial de fls. 19, ocasionando assim uma debilidade permanente de
função (art. 129, III), e não a inutilização de sentido, enfermidade incurável e
deformidade permanente, como consta na sentença.

A inutilização de sentido (artigo 129, parágrafo 2o, III, do CP), somente ocorre
quando a vítima o perde totalmente. No caso, uma das vistas continuou perfeita,
havendo, assim, apenas uma debilidade permanente, e não a perda total da visão.

É da jurisprudência:

"A lesão de um olho, de um ouvido, de um testículo, de um ovário, de um rim,
mantido o outro íntegro, debilitada mas não abolida a função respectiva, deve ser
catalogada, não como gravíssima, mas sim grave" (JUTACRIM 43/236).

"No mesmo sentido: RT 504/382 e JUTACRIM 40/196.

Também nesse norte é o entendimento do nosso Tribunal:

"A perda de um olho, mantido o outro íntegro, importa em debilidade e não em
abolição da função e, assim, a lesão deve ser considerada grave e não gravíssima"
(Ap. crim. n. 20.557, de Rio do Sul, rel. Des. Aloysio de Almeida Gonçalves).

Da mesma forma, inocorreu enfermidade incurável, posto que esta somente se
caracteriza quando há uma alteração permanente da saúde. Pressupõe aquela, sempre
um processo patológico que afeta a saúde em geral, o que inocorreu no presente
caso.

Quanto à deformidade permanente, esta não restou devidamente provada, o que é
condição inafastável para sua aplicação. Além disso, a deformidade permanente
precisa ser considerada dentro de uma objetividade que reúna dois pontos
importantes: o físico e o social. Sem uma conclusão pericial positiva que indique a
extensão do mal causado, inclusive com ilustração fotográfica da parte deformada,
não se pode acolher essa forma mais grave da violatio corporis. Neste sentido: RT
406/229.

Assim também as seguintes decisões:

"O conceito jurídico-penal de deformidade permanente deve ser apreciado sob os
aspectos objetivo e subjetivo. E não é qualquer deturpação ou vício de forma que a
configura. Daí a necessidade de vir o laudo pericial fundamentado e instruído com
fotografias da vítima" (TJSP - Ac. Rel. Des. Álvaro Cury - RT 588/322).

"Face à natureza material do dano, é indispensável ao reconhecimento da deformidade
permanente, inarredável grau de certeza quanto a seu típico corpus delicti. Assim, não
há reconhecer a qualificadora quando parcos são os esclarecimentos médicos a
respeito das características da lesão sofrida pelo ofendido" (JUTACRIM 29/305).

Verifica-se, outrossim, que o laudo pericial, de fls. 19, é pouco esclarecedor acerca da
extensão da lesão, uma vez que se cinge a responder "sim" ao quesito número dois,
não especificando quais dos efeitos enumerados a ofensa provocou na vítima, sendo,
portanto, inválido para caracterizar a lesão corporal gravíssima.

Em face do exposto, deve ser desclassificado o delito de lesão corporal gravíssima
para grave, na modalidade de incapacidade para as ocupações habituais por mais de
trinta dias e debilidade permanente de função (artigo 129, parágrafo 1°, incisos I e
III, do CP).

Na análise das circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, verifica-se que, com
exceção dos antecedentes, as demais são favoráveis ao acusado, posto que integram
o tipo, não podendo ser consideradas como desabonadoras.

A culpabilidade do réu foi normal à espécie; possui antecedentes criminais; sua
conduta social e personalidade aparentam ser normais; o motivo foi fútil, deixando-se
porém para analisá-lo na segunda fase; circunstâncias e conseqüências normais ao
tipo; a vítima em nada contribuiu para a prática delitiva.

Assim, aplica-se a pena-base em 1 ano e 3 meses de reclusão, em decorrência dos
maus antecedentes do acusado.

Presente a circunstância agravante do motivo fútil (artigo 61, II, letra a ), aumenta-se
a reprimenda em 3 meses, totalizando-a em 1 ano e seis meses de reclusão,
tornando-se definitiva neste quantum, em regime aberto, ante a inexistência de outras
causas modificadoras da pena.

Quanto ao pedido de extinção da punibilidade pela prescrição, este não pode ser
deferido, posto que não transcorreu o lapso prescricional exigido pela lei, o qual, pela
pena aplicada (um ano e seis meses), ocorreria em quatro anos, ex vi do inciso V do
art. 109 do CP.

Vê-se que a denúncia foi recebida em 12.6.1989, sendo que a sentença foi publicada
em 8.2.1993, interrompendo assim o prazo para a prescrição, que somente ocorreria
em 12.6.1993.

Deixa-se de conceder o sursis, em razão dos péssimos antecedentes criminais do
acusado (Certidão de fls. 27 e 28).

Ante o exposto, a Câmara conhece do recurso, dando-lhe provimento parcial para
desclassificar o delito de lesões corporais gravíssimas (artigo 129, parágrafo 2o, II, III
e IV, do CP), para o de lesão corporal de natureza grave (artigo 129, parágrafo 1°, I e
III, do CP), fixando ao recorrente a pena de 1 ano e 6 meses de reclusão, em regime
aberto.

Participou do julgamento, com voto vencedor, o Exmo. Sr. Des. Rogério Lemos.

Florianópolis, 18 de novembro de 1994.

                                    José Roberge

                               PRESIDENTE COM VOTO

                                     Jorge Mussi

                                      RELATOR