APELAÇÃO CRIMINAL 32540

TIJUCAS



Inconformado com a respeitável decisão do doutor Juiz de Direito da Comarca de Tijucas, que o condenou a seis meses de detenção -- pena suspensa --, por incurso nas sanções do artigo 16 da Lei de Tóxicos, S. M. P., tempestivamente, interpõe o presente recurso.

Objetiva o apelante o reconhecimento da prescrição, ou, alternativamente, a decretação da sua absolvição, argumentando que a maconha não causaria dependência, razão pela qual o fato deveria ser considerado atípico.













A nulidade da respeitável sentença impugnada deve ser decretada, por não ter a mesma esgotado a prestação jurisdicional.

Isto porque, tratando-se de condenação a pena não superior a seis meses, não poderia a decisão ter omitido a análise da concessão, ou não, da multa substitutiva, a teor do § 2º do artigo 60, em combinação com o item IV do artigo 59 do Código Penal.

A sentença que omite esta obrigatória etapa da aplicação da pena, sem dúvida, padece do vício da nulidade, por citra petita.







Questão que está a exigir alguma consideração é no tocante à aplicação das regras de aplicação da pena no tocante à Lei de Tóxicos. A resposta deve ser afirmativa:

Esclarece Celso Delmanto:

"Em um único crime da Lei de Tóxicos a sanção cominada permitiria a aplacação de multa substitutiva. É o art. 16 da Lei 6.368/76, que pune o porte ou guarda de drogas para uso próprio com 'detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 20 a 50 dias-multa'. Embora sejam respeitáveis algumas opiniões que há em contrário, entendemos ser cabível a multa substitutiva nesse crime, quando a pena privativa de liberdade aplicada for a mínima (seis meses) e estiverem presentes os demais requisitos da substituição. Então, essa pena será substituída por duas multas cumuladas (a substitutiva e a original). Em nossa opinião, formal ou teleológicamente, nada há na Lei de Tóxicos que inviabilize a troca. A Lei nº 6.368/76 não dispõe em contrário e suas penas privativas de liberdade (as únicas substituíveis) são idênticas às do CP." (in CÓDIGO PENAL COMENTADO, Renovar, 5ª edição, 1991, pág. 94)



Na realidade, a incompatibilidade por alguns aventada entre a multa cumulativa do tipo com a multa em substituição à pena privativa de liberdade não pode ser aceita.





Isto porque ao aplicador é vedado criar distinções onde a Lei não distingue. De ter presente que se está em sede de direito material, onde as regras de interpretação do Código Penal são aplicáveis.



O impedimento em efetuar a substituição, na verdade inexiste. Em primeiro lugar, cumpre observar que a multa do tipo tem os seus critérios estabelecidos pelo artigo 38 e seus parágrafos da Lei de Tóxicos, enquanto que a multa substitutiva aplicável à espécie vem regulada pelas disposições do Código Penal.



Em qualquer caso, quer se trate de crime previsto na Lei de Tóxicos ou de crime previsto no Código Penal, inexiste o impedimento de cumulação de multas.






Consoante o demonstramos em artigo publicado na Revista dos Tribunais(1), a multa substitutiva é uma cominação autônoma, que não se confunde com a multa que integra os tipos penais:



"3.1. Análise motivada na sentença.

Mas, uma vez concretizada a pena em quantidade de até seis meses e não sendo o réu reincidente, deve o juiz examinar a viabilidade de substituí-la por multa, na forma dos arts. 60, § 2º, e 58, parágrafo único. E fá-lo-á em decisão motivada, onde serão analisadas as circunstâncias judiciais especificadas no art. 44, III.

Cabe observado que a multa substitutiva é uma cominação autônoma, que não se confunde com a multa que integra os tipos legais.

Na verdade, o art. 58 e seu parágrafo cuidam de estabelecer precisamente esta distinção.



3.2. Coexistência de duas penas de multa.

Na prática, situações podem se apresentar, onde, na resposta penal a um mesmo caso, coexistam duas penas de multa, sem que se possa falar em bis in idem, dado que os fatos geradores de ambas são distintos.







3.3. A multa do art. 58, caput.

A pena de multa do art. 58, caput, será aplicada nas hipóteses em que determinado tipo penal ou contravencional admitir a multa como única pena cabível, ou alternativamente, ou ainda como reprimenda complementar à pena corporal.



3.4. A multa do § 2º do art. 60

Já a multa substitutiva do § 2º do art. 60 tem fato gerador distinto: a própria pena corporal de até seis meses, de cominação autônoma, conforme disciplinam o parágrafo único do art. 58 e itens 47 e 48 da Exposição de Motivos.



3.5. Exemplo da coexistência de duas penas de multa.

Exemplifiquemos com o crime de difamação, que exige a imposição de pena corporal cumulada com pena de multa: a pena corporal, se dosada em até seis meses, é passível de substituição por multa (arts. 60, § 2º e 58, parágrafo único), tendo por fato gerador do benefício a quantidade da pena corporal. Já a pena de multa inserta no tipo penal difamação tem por fato gerador situação diversa, isto é, a obrigatoriedade decorrente de sua inserção no art. 139." (RT 605/433)








Em respaldo à nossa argumentação, permitimo-nos trazer à colação o Venerando Acórdão do Superior Tribunal de Justiça, com a transcrição, na íntegra, do paradigma RECURSO ESPECIAL N. 40.940-3 (93.032476-4) - SÃO PAULO, julgado em 14 de março de 1994, Sexta Turma, Relator Ministro Adhemar Maciel (DJU 11.4.94, pág. 7663).





RECURSO ESPECIAL N. 40.940 (93.032476-4) -SÃO PAULO

RELATOR : O EXMO. SR. MINISTRO ADHEMAR MACIEL.

RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

RECORRIDO : JOSÉ PAULO DE SOUZA FARIAS

EMENTA



PENAL. CRIME HEDIONDO. USO DE TÓXICO (LEI N. 6.368/76, ART. 16). SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MULTA (CP, ART. 60, § 2º). LEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO ENTRE O CÓDIGO E AS LEIS EXTRAVAGANTES (LICC, ART. 2º, § 2º). RUMOS TRACEJADOS PELA EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI N. 7.209/84: EVITAR QUE O CONDENADO À PENA PEQUENA (SEIS MESES DE RECLUSÃO) SE MISTURE COM OS OUTROS PRESOS. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. I - Juiz de primeiro grau condenou o recorrido, usuário de substância entorpecente, a seis meses de detenção (Lei n. 6.368/76, art. 16). Inconformado, o réu apelou. O tribunal a quo, com fulcro no § 2º do art. 60 do CP, convolou a pena privativa de liberdade em multa. Insatisfeito, o Ministério Público interpôs recurso especial. Alegou que não se pode cumular duas penas de multa (a original e a convolada). Por outro lado, a Lei de Crimes Hediondos, por se tratar de lex specialis, não é alcançada pela regra do § 2º do art. 60 do CP, que lhe é anterior. II - No caso concreto bem agiu o tribunal recorrido, que nada mais fez do que se orientar pelos rumos tracejados pela Lei n. 7.209/84, que alterou o CP (art. 60, § 2º): evitar o convívio de condenado à pena pequena com outros presos. As duas leis extravagantes (Lei de Tóxicos e de Crimes Hediondos) não se chocam com o CP no particular (LICC, art. 2º, § 2º), com ele convivendo pacificamente. III - Recurso especial não conhecido.







ACÓRDÃO



Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas. Decide a SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe negar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Votaram de acordo os Srs. Ministros Anselmo Santiago e José Cândido de Carvalho Filho. Ausentes, por motivo justificado, os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro e Pedro Acioli. Custas, como de lei. Brasília, DF, 14 de março de 1994 (data do julgamento) MINISTRO ADHEMAR MACIEL PRESIDENTE E RELATOR RELATÓRIO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO ADHEMAR MACIEL: O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO interpõe recurso especial com arrimo no art. 105, II, c, da CF, contra acórdão proferido pelo TJSP.

2. JOSÉ PAULO DE SOUZA FARIAS foi condenado em primeiro grau à pena de 6 meses de detenção, suspensa por dois anos e pagamento de 20 dias-multa, no valor mínimo, por infração ao art. 16 da Lei n. 6.368/76. Irresignado, apelou, objetivando converter a pena privativa de liberdade em multa. O TJSP deu provimento parcial à apelação. Converteu a pena detentiva em 10 dias-multa, no mínimo legal (art. 60, § 2º, do CP) 3. O ora recorrente especial traz para confronto pretoriano acórdãos paradigmas do TJMG (ACRI n. 20.234/MG) e do TACRISP (ACRI n. 588.155-9/SP). Tais acórdãos, ao contrário do que decidiu o acórdão recorrido, entenderam que só se converterá a pena de detenção em multa, quando ela não for cumulativa. Assim, como o artigo 16 da Lei 6.368/76 comina pena privativa de liberdade cumulada com a de multa, não pode haver a substituição da pena de detenção por multa. 4. Decisão de admissibilidade, fls. 223/225. 5. O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso especial. Sustentou que o art. 16 da Lei n. 6.368/76 previa a cominação de pena detentiva e pena pecuniária. A sanção é cumulativa, logo não pode haver substituição nos termos do art. 6º, § 2º, do CP. a lei em regência é especial, prevalece sobre a norma genérica. É o relatório. VOTO O EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO ADHEMAR MACIEL (RELATOR): Dispõe o art. 16 da Lei de Tóxicos: "Adquirir, guardar ou trazer consigo, para uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de 20 (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa".

O § 2º do art. 60 do CP., por sua vez, com a reforma introduzida pela Lei n. 7.209/84, fala: "A pena privativa de liberdade, não superior a seis meses, pode ser substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do artigo 44 deste código".

Como se vê, esse dispositivo, que foi inserido na parte geral do CP depois do advento da Lei de Tóxicos, não exige, para a substituição da pena privativa de liberdade pela de multa, seja a multa a única imposta. A própria Exposição de motivos da Lei n. 7.209/84 dá sua razão política, pois se preocupa com a ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade de pequena monta. A propósito Júlio Mirabete argumenta: "A pena de multa, largamente empregada no direito penal contemporâneo, originou-se da composição do direito germânico. Aponta-se como maior vantagem da pena pecuniária, em confronto com a pena privativa de liberdade, não ser levado o criminoso à prisão por prazo de curta duração, privando-o do convívio com a família e de suas ocupações, mesmo porque não seria suficiente para a recuperação do sentenciado e apenas o corromperia e aviltaria. Assinala-se, também, que a pena de multa não acarreta despesas ao Estado e que é útil no contra-impulso ao crime nas hipóteses de crimes praticados por cupidez, já que ele atinge o núcleo da motivação do ato criminoso" (Manual de D. Penal, I-269, Atlas, 7a ed.).

Poder-se-ia contra-argumentar que a Lei de Tóxicos, por ser 'lei especial', não é atingida por lei geral (Lei n. 7.209/84). Data venia, tal argumento seria falaz. Ao comentar o § 2º do art. 2º da LICC, ensina Oscar Tenório: "A aparição de uma lei não importa, necessariamente, em modificação ou revogação da anterior." .................................................................. "As disposições anteriores, sejam gerais, sejam especiais, não perdem a vida quando são compatíveis com a lei posterior. Freqüentemente, a norma geral nova é incompatível com a norma geral precedente. Dá-se a revogação, desde que tal incompatibilidade se verifique" ("Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro", Borsoi, 2a ed., p. 90).





Ora, no caso concreto as duas leis não são incompatíveis. A lex specialis só prevaleceria se dissesse, expressamente, que não se poderia substituir a pena privativa de liberdade por multa. Celso Delmanto, a propósito, leciona: "O que o art. 60, § 2º manda substituir é a 'pena privativa de liberdade' e não a eventual multa. Além disso, não é estranha à sistemática do CP a cumulação de duas penas da mesma espécie. Expressamente, ela é determinada no art. 44, parágrafo único, com relação a penas restritivas de direito." "EM PORTE DE TÓXICOS: Em um único crime da Lei de Tóxicos a sanção cominada permitiria a aplicação da multa substitutiva. É o art. 16 da Lei 6.368/76, que pune o porte ou guarda de drogas para uso próprio com detenção, de seis meses a dois anos, e pagamento de 20 a 50 dias-multa. Embora sejam respeitáveis algumas opiniões que há em contrário, entendemos ser cabível a multa substitutiva nesse crime, quando a pena privativa de liberdade for a mínima (seis meses) e estiverem presentes os demais requisitos da substituição. Então essa pena será substituída por duas multas cumuladas (a substituta e a original). Em nossa opinião, formal ou teleologicamente, nada há na Lei de Tóxicos que inviablilize a troca. A lei n. 6.368/76 não dispõe em contrário e suas penas privativas de liberdade (as únicas substituíveis) são idênticas às do CP" ("Cód. Penal Comentado", Renovar, 5a ed., p. 94).

Por estas razões, conheço do recurso para negar-lhe provimento. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEXTA TURMA Nro. Registro: 93/0032476-4 RESP 00040940-3/SP MATÉRIA CRIMINAL PAUTA: 08/O3/1994 Relator: Exmo. Sr. Min. ADHEMAR MACIEL Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Min. ADHEMAR MACIEL Subprocurador Geral da República: Exmo. Sr. Dr. WAGNER NATAL BATISTA Secretário (a): NOEL CARVALHO DE ANDRADE FILHO AUTUAÇÃO RCTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO RCDO: JOSÉ PAULO DE SOUZA FARIAS CERTIDÃO Certifico que a Egrégia SEXTA TURMA ao apreciar o processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso e lhe negou provimento nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram os Srs. Ministro Anselmo Santiago e José Cândido de Carvalho Filho. Ausentes, por motivo justificado, os Srs. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro e Pedro Acioli. O referido é verdade. Dou fé. Brasília, 14 de março de 1994. ( Ass. ) SECRETÁRIO ( A )

O paradigma do Superior Tribunal de Justiça entendeu inexistir qualquer óbice à aplicação da multa substitutiva disciplinada no § 2º do artigo 60 do Código Penal às penas privativas de liberdade não superiores a seis meses, aplicadas nas condenações da Lei de Tóxicos.

Com referência a este dispositivo, disse especificamente:

"O § 2º do art. 60 do CP., por sua vez, com a reforma introduzida pela Lei n. 7.209/84, fala: "A pena privativa de liberdade, não superior a seis meses, pode ser substituída pela de multa, observados os critérios dos incisos II e III do artigo 44 deste código".

Como se vê, esse dispositivo, que foi inserido na parte geral do CP depois do advento da Lei de Tóxicos, não exige, para a substituição da pena privativa de liberdade pela de multa, seja a multa a única imposta.

A própria Exposição de motivos da Lei n. 7.209/84 dá sua razão política, pois se preocupa com a ressocialização do condenado à pena privativa de liberdade de pequena monta. A propósito Júlio Mirabete argumenta: "A pena de multa, largamente empregada no direito penal contemporâneo, originou-se da composição do direito germânico. Aponta-se como maior vantagem da pena pecuniária, em confronto com a pena privativa de liberdade, não ser levado o criminoso à prisão por prazo de curta duração, privando-o do convívio com a família e de suas ocupações, mesmo porque não seria suficiente para a recuperação do sentenciado e apenas o corromperia e aviltaria. Assinala-se, também, que a pena de multa não acarreta despesas ao Estado e que é útil no contra-impulso ao crime nas hipóteses de crimes praticados por cupidez, já que ele atinge o núcleo da motivação do ato criminoso" (Manual de D. Penal, I-269, Atlas, 7a ed.).

























Diante de todo o exposto, entendemos deva a respeitável sentença ser anulada, para que outra seja prolatada no juízo a quo, com a análise fundamentada da substituição, ou não, da pena privativa de liberdade.

Florianópolis, 20 de dezembro de 1994.







NÉLSON FERRAZ

PROCURADOR DE JUSTIÇA

1. - Revista dos Tribunais 605/427, itens 3.1 a 3.5.