Equilíbrio perfeito com a Natureza
Artur Araujo
Entrevista publicada em 4 de agosto de 1989 no jornal Última Hora (Rio de Janeiro/ Brasil)
É Com muita vitalidade e com a cabeça cheia de projetos que Roberto Burle Marx (1909/1994) está comemorando hoje seus 80 anos de vida. Ele, que revolucionou a noção de paisagismo, tornou-se um nome respeitado internacionalmente por suas idéias e realizações nas artes plásticas e na arquitetura de jardins.
Burle Marx foi o responsável, no Rio, pelos projetos do Parque do Aterro do Flamengo, dos jardins da Praça Salgado Filhoo em frente ao aeroporto Santos Dumont, dos jardins da UFRJ e do Palácio da Cultura. Suas obras estão também espalhadas pelo Brasil e no mundo. Por exemplo, os jardins do Centro Cultural Georges Pompidou e os da Unesco, ambos em Paris.
Roberto Burle Marx é um apaixonado defensor da flora brasileira. Em seus trabalhos, a tão devastada vegetação brasileira é soberana. Suas pesquisas em botânica fizeram-no descobrir diversas espécies que levaram o seu nome, como a Begonia burle-marxii.
Recentemente, o paisagista doou à União seu sítio em Barra de Guaratiba, no Rio de Janeiro, —uma área de 800 m² que ele transformou por conta própria em reserva ecológica..
Ás vésperas de seu 80º aniversário, o paisagista deu uma entrevista exclusiva ao Última Hora em sua bela casa, localizada no sítio. Uma casa de artista, onde quadros e esculturas de sua autoria convivem caoticamente com esculturas populares do Nordeste, santos barrocos, quadros de Volpi, livros de arte e obras de Portinari, que podem ser vistas espalhadas pela sala e até mesmo no chão. Burle Marx falou sobre seus projetos, vida e opiniões estéticas e políticas. Fez questão de mostrar um de seus mais recentes trabalhos, uma grande escultura que ficará no centro da futura praça Bastos Tigre, que o filho do saudoso poeta e publicitário está erguendo na Barra da Tijuca. “A vida só é boa se você atua, quando você não faz nada, você está morto”, assegura o artista plástico e paisagista.
Pergunta - Seu nome nas artes plásticas e no paisagismo é conhecido e respeitado internacionalmente. Apesar disto, sua biografia é pouco conhecida do grande público...
ROBERTO BURLE MARX - Tive o que poderia ser chamada de infância dourada. Nasci em São Paulo, em 4 de agosto de 1909 e vim morar no Rio em 1913. Bem moço, eu já demonstrava interesse pela arte, estimulado por meus pais. Fui para Berlim em 1928, decidido a me tornar artista. Na ocasião, não sabia se seria músico ou pintor. Desde menino, gostava de plantas e, na Alemanha, descobri, nas grandes estufas do Jardim Botânico de lá, diversas espécies de plantas brasileiras que desconhecia. Na ocasião, perguntei-me por que estas espécies não eram divulgadas por aqui. Fiquei um ano na Alemanha estudando pintura numa escola que, apesar de acadêmica, era mais desenvolvida. Quando voltei, em 1929, foi morar na rua em que vivia o Lúcio Costa. Já era amigo dele na época: conheci-o aos 9 anos. Isto para você ver que é uma amizade de 71 anos. Morávamos na rua que tem hoje o nome de General Ribeiro da Costa. Lúcio Costa é um homem estupendo, uma grande cultura e um bom amigo. O meu primeiro jardim projetado foi feito por causa dele, em 1932. Na ocasião, o Lúcio havia feito o projeto arquitetônico de uma casa e me convidou para projetar o jardim. Eu hesitei, mas acabei aceitando. Quando concluída, a casa foi exposta. Algum tempo depois, em 1934, foi convidado para trabalhar com a Diretoria de Parques e Jardins e, a partir de então, comecei a fazer diversos projetos...
Pergunta - Foram ao todo quantos projetos paisagísticos?
ROBERTO BURLE MARX - Mais de 3 mil, mas nem todos realizados.
Pergunta - Uma parte deles no exterior...
ROBERTO BURLE MARX - Uma parte pequena. Fiz uma parte dos jardins do prédio da Unesco em Paris, os jardins do Centro Cultural Georges Pompidou em Paris também. Os jardins do Parque Del Este na Venezuela e mais algumas coisas. Atualmente, estou projetando um jardim em Miami, EUA.
Pergunta - Os seus projetos realizados no Brasil tem sido preservados?
ROBERTO BURLE MARX - A situação no Brasil é muito difícil. Hoje em dia, tenho me empenhado mais neste sítio, que doei à União. O Sítio Burle Marx é o resultado de um trabalho de anos que venho desenvolvendo, coletando, juntamente com meus amigos, espécies da flora do Brasil e do mundo.
Pergunta - Há quanto tempo o senhor comprou este sítio?
ROBERTO BURLE MARX - Adquiri este sítio com meu irmão em 1949, mas vinha coletando espécies desde 1929, quando retornei da Alemanha.
Pergunta - E como tem sido o trabalho junto á União no sítio?
ROBERTO BURLE MARX - É um absurdo total! Se você tem um empregado que não é suficientemente bom, você deve substituí-lo, o que pela Pró-Memória você não pode fazer. De maneira que eu tenho muitas vezes de aceitar a escória, a porcaria, por causa disso. Só há possibilidades de se chegar a um resultado se houver seleção. Precisamos de gente para atuar, de forma que toda esta coleção não se perca, essa coleção que é o resultado de uma vida inteira. Se tivesse vendido este terreno, estaria numa situação ótima. No entanto, preferi doar ao Estado, e agora me vejo lutando para manter essa coleção. Se a gente tiver esse espírito burocrático, não se chega a lugar algum.
Pergunta - O senhor descobriu uma série de plantas...
ROBERTO BURLE MARX - Descobri, assim como meus amigos, em excursões. Agora mesmo tivemos uma botânica que esteve aqui, Helen Kenedy, que veio ao Brasil com um interesse muito grande em amarantáceas. Na nossa coleção, ela encontrou cinco espécies novas. Constantemente convidamos botânicos e especialistas para nos ajudar na classificação das plantas do sítio. Tenho um amigo, Patrick Watson, que está saindo da África do Sul e, provavelmente, vai trazer algumas espécies novas para nós. Como você pode ver, a coleção cresce independentemente das dificuldades que temos tido. Aliás, nossa grande dificuldade é manter essa coleção.
Pergunta - Como o senhor vê a questão do desmatamento?
ROBERTO BURLE MARX - A destruição da floresta brasileira tem ocorrido daqui até a Amazônia. Se não houver vontade de proteger esse legado, que é patrimônio de todo o Brasil, aqueles que vierem depois vão encontrar somente uma terra devastada, como o Estado de Alagoas, que hoje é um imenso canavial. O que se destruiu de planta é coisa de louco. Chegamos da Alemanha recentemente. Estive com um sócio e vimos como os parques são bem tratados lá, uma maravilha. O Jardim Botânico deles é uma coisa de se cair para trás diante da quantidade de espécies reunidas do mundo inteiro.
Pergunta - Mudou muito o Brasil de sua juventude em relação ao de agora?
ROBERTO BURLE MARX - Hoje em dia se rouba impunemente. Na minha época, você saía na rua e não tinha dessas coisas. Uma vez, levei minha mãe para ver o nascer do sol no Pico da Tijuca. Hoje em dia, isto seria impossível. Antigamente, havia mais respeito. Há pouco tempo, um amigo meu teve o carro arrombado. Ele foi comprar o próprio rádio que havia sido roubado numa feira em que todo mundo sabe que se compra material roubado.
Pergunta - A robauto de Acari?
ROBERTO BURLE MARX - Pois é, todo mundo sabe, até vocês, e todos aceitam como fato consumado. É a loucura. Os ladrões devem ser punidos. Mas é preciso punir também aqueles que estão em altas esferas e que a gente sabe que roubam. Se o governo desse o exemplo de sobriedade e de probidade, essas coisas não aconteceriam. Essa gente não é punida... É preciso mudar essa mentalidade, é preciso severidade. Veja o Rio, a cidade é emporcalhada. Não há quase casa alguma que não seja grafitada. O que é isso? Ou os pais aceitam como fato consumado ou então é uma juventude desesperada que precisa fazer alguma coisa e não sabe o que fazer. No caso dos grafites, quem deveria ser punido são os pais que aceitam e, se o fazem, é porque são coniventes com os filhos. Em outro lugar do mundo, você seria obrigado a limpar a parede que sujou.
Pergunta - Como o senhor vê a questão da preservação do patrimônio paisagístico do Brasil?
ROBERTO BURLE MARX - Os jardins estão tomados por uma sujeira inominável. Falta uma coisa aqui: continuidade. Veja só o caso do Jardim Botânico, que foi um dos mais importantes do mundo. Na época de D. João VI, era também o maior, mas com o tempo foi sendo truncado. Uma parte dele havia sido legada a uma fábrica de tecido e, depois de 99 anos, teria de ser devolvido à União. Aquilo foi vendido e virou casa de granfinos. Como conseguiram, eu não sei explicar, mas a verdade é que pertencia ao Jardim Botânico. O último roubo do Jardim Botânico foi o Jockey Club, aquela área toda pertencia ao Horto. Parafraseando Manuel Bandeira: “os cavalinhos correndo e os cavalões comendo”. Outro escândalo são as administrações do Jardim Botânico. eu vi diretor do Jardim Botânico que tinha sido antes diretor de presídio. É um absurdo você assumir um cargo sem conhecimento algum do assunto, somente porque pertence a um determinado partido político.
Pergunta - Quais são as suas principais preocupações estéticas nas artes plásticas e no paisagismo?
ROBERTO BURLE MARX - Eu acredito que o jardim é a natureza ordenada e organizada pelo homem e para o homem. No momento em que vou combinar plantas, estou pensando em cor, volume e ritmo. Se eu penso —”bom, aqui eu quero três árvores amarelas e contra essa forma amarela vou querer formas azuis, ou em composição ou em harmonia” —. Uso princípios que também norteiam a música e a poesia. Minha prioridade no paisagismo é utillizar plantas nacionais. A flora brasileira é riquíssima, no entanto, é pouco utilizada nos jardins nacionais.
Pergunta - E nas artes plásticas?
ROBERTO BURLE MARX - Todas as minhas obras refletem as mesmas preocupações estéticas, não sou como Fernando Pessoa e seus heterônimos. Dentro da minha maneira de ser, procuro o equilíbrio.
Pergunta - Há algum projeto seu em andamento na cidade?
ROBERTO BURLE MARX - Estão montando uma escultura minha no que vai ser a praça Bastos Tigre. Se a Prefeitura não intervir, vou ajardinar a praça, utilizando a flora daqui mesmo, da restinga. Quero provar que é possível fazer um jardim com plantas desta região. Essa é a primeira grande escultura que estou fazendo.
Pergunta - Na sua opinião, como é o nível dos jardineiros do Brasil?
ROBERTO BURLE MARX - O Brasil tem poucas escolas de jardinagem. Você tem obreiros, muitos até com qualidades, mas não são jardineiros que estudaram a profissão.
Outro site interssante sobre Burle Marx.
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