Coração Valente


Artur Araujo


Entrevista publicada em 18 de novembro de 1996 no jornal Diário do Povo (Campinas / São Paulo / Brasil)



Nesta quarta-feira (20/11/96), Campinas vai receber um Prêmio Nobel da Paz: o militante pacifista José Ramos Horta, que obteve a nomeação justamente este ano por sua luta pela independência de seu país, Timor Leste. Junto com ele, foi também agraciado seu compatriota, o arcebispo Dom Carlos Ximenes Belo, pela mesma causa.

Timor Leste é uma minúscula nação que fala português e que ocupa metade de uma pequena ilha do outro lado do mundo, próxima à Austrália. Este pequeno país obteve a independência de Portugal em 28 de novembro de 1975, e foi ocupado pela Indonésia, o país vizinho, nove dias após se ver livre do domínio português, em 7 de dezembro.

José Ramos Horta vem ao Brasil justamente para defender a sua causa, procurando sensibilizar a opinião pública brasileira para o drama de seu país ocupado. Em entrevista exclusiva ao Diário por telefone, o Nobel, que estava em Nova Iorque, falou do drama de seu povo, de sua história e de suas expectativas em relação a um apoio do Brasil à causa da independência de seu país. Ele também falou um pouco de sua amizade com o filósofo e filólogo norte-americano Noam Chomsky, uma das principais personalidades do mundo a defender a causa timorense e que visita o País na mesma ocasião - ambos devem se encontrar quarta-feira (20/11/96) em São Paulo.

A seguir, os melhores trechos da entrevista.

Pergunta - Qual o objetivo da sua visita ao Brasil?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Trata-se de uma visita programada há muito tempo, bem antes do Prêmio Nobel da Paz. Estarei em São Paulo e Brasília realizando palestras, procurando assim sensibilizar a opinião pública brasileira e lideranças políticas sobre o papel que o Brasil pode desempenhar na busca de uma solução pacífica para o problema de Timor Leste. Devo encontrar também o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.

Pergunta - O senhor já esteve aqui antes?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Estive no Brasil pela primeira vez em 1989, em uma visita de trabalho no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Voltei em dezembro de 94 no Rio de Janeiro por somente dois dias em um congresso sobre a língua portuguesa.

Pergunta - É verdade que o senhor acusa o Brasil de vender armas para a Indonésia?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Eu nunca disse isso. Nem tenho como fazer essa acusação até porque não sei se o Brasil vende armas para a Indonésia. O que sei é que o Brasil tem relações comerciais com a Indonésia, mas muitos outros países têm relações comerciais com a Indonésia, e eu não vejo problema algum nisso.

Pergunta - Qual o tipo de ação que o senhor acha que o presidente Fernando Henrique pode fazer em relação à Timor Leste?
JOSÉ RAMOS HORTA
- O Brasil é a décima economia do mundo, é um dos maiores países do planeta e tem um peso considerável na política internacional. Se o presidente Fernando Henrique Cardoso adotar a causa de Timor leste com convicção e paixão, como se fosse uma causa pessoal, eu creio que ele poderia ser o nosso grande embaixador junto a líderes políticos mundiais como Clinton Jacques Chirac, John Major e Kohl. Esta é a nossa intenção.

Pergunta - O senhor já conheceu pessoalmente o presidente Fernando Henrique?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Eu o encontrei muito rapidamente na solenidade de inauguração da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Conheço entretanto seu trabalho há muito tempo como sociólogo e como combatente pela democratização do Brasil. Ouvi falar muito também de sua esposa e de sua grande dedicação pelos pobres.

Pergunta - O que os timorenses sabem sobre o País?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Conhecemos quase tudo sobre o Brasil, a sua história, a música, a política brasileira. Conhecemos desde os grandes artistas até os jogadores de futebol, os nomes de Pelé, Teixeirinha, Sônia Braga e Jorge Amado são muito conhecidos por nós. O timorense é sempre muito curioso sobre o seu País. O Brasil, entretanto, não conhece Timor.

Pergunta - O senhor tem família? Alguma vez recebeu ameaças de morte?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Já e continuo recebendo. Três irmãos meus e uma irmã já foram mortos. Eles já mataram metade dos meus irmãos

Pergunta - O senhor é casado?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Atualmente, não, mas tenho um filho de 18 anos.

Pergunta - Ele vive em Timor?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Ele vive em Moçambique, com a mãe.

Pergunta - Onde o senhor vive atualmente?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Na Austrália.

Pergunta - O senhor é filho de um português que lutou contra a ditadura de Salazar. O senhor nasceu em Timor? Como foi o relacionamento com seu pai?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Eu nasci em Timor. Minha mãe é timorense e meu pai era sargento da Marinha portuguesa. Ele participou de um famoso motim, chamado Motim dos barcos do Tejo, em 1936...

Pergunta - ... que é inclusive citado no livro "O ano da morte de Ricardo Reis", de José Saramago...
JOSÉ RAMOS HORTA
- Sim. Ele tentou levar dois barcos para a Espanha, dois navios de guerra, para combater ao lado dos republicanos contra o general Francisco Franco. A intentona falhou, meu pai foi preso e mandado para o exílio em Timor.

Pergunta - Qual a influência de seu pai em sua opção pela carreira política?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Meu pai era uma pessoa muito reservada. Ele não falava muito. Eu e meus irmãos não tinham grande contato com ele. Falávamos muito mais com a nossa mãe. Ele era um homem digno, sério, mas também muito discreto. Minha mãe, por sua vez, era uma mulher muito corajosa. Ela sobreviveu à 2ª Guerra Mundial, quando os japoneses invadiram Timor Leste. Na invasão promovida pela Indonésia, ela também estava lá, nas montanhas.

Pergunta - Como o senhor ficou sabendo que havia recebido o Nobel?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Estava em casa, esperando notícias. Tinha informações de que, este ano, Dom Ximenes Belo tinham chances de conseguir. Mas, em relação a mim, foi uma surpresa muito grande.

Pergunta - Quando será a cerimônia de premiação?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Será no dia 10 de dezembro.

Pergunta - O que o senhor e Dom Ximenes Belo pretendem fazer com o dinheiro recebido pelo prêmio, que será de US$ 1,1 milhão?
JOSÉ RAMOS HORTA
- A parte que cabe a Dom Ximenes Belo será destinada à Comissão de Justiça e Paz da Igreja de Timor Leste. A parte que me cabe será toda investida em uma fundação chamada Paz e Democracia Dom Martinho da Costa Lopes. Dom Martinho foi arcebispo de Timor, o antecessor de Dom Ximenes Belo, e morreu em pobreza em Portugal há alguns anos atrás. Ele também era muito meu amigo e vou fazer este pequeno gesto como forma de honrar esse meu velho amigo.

Pergunta - Segundo organizações não-governamentais, cerca de 250 mil timorenses já foram massacrados pelo regime militar indonésio. Como está a situação dos direitos humanos na ilha atualmente?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Há um grande recrudescimento da situação contra o nosso povo. A situação em Timor Leste agravou-se nos últimos dois anos e há grande tensão na ilha.

Pergunta - É verdade que o português é uma língua proibida na ilha atualmente?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Sim. O português está proibido há muitos anos. Mas a igreja católica continua a ensinar o idioma em escolas à revelia da determinação.

Pergunta - Timor Leste viveu somente um pouco mais de uma semana de independência, e o senhor teve um papel importante neste rápido governo. Gostaria que o senhor falasse um pouco deste curto período e onde o senhor estava quando houve a invasão.
JOSÉ RAMOS HORTA
- Neste curto período, fui nomeado chanceler e parti para Nova Iorque, dirigindo uma delegação junto ao Conselho de Segurança da ONU para tratar da questão de Timor Leste - fui aliás a pessoa mais jovem a falar no Conselho de Segurança-. Quando houve a invasão, a ONU adotou uma resolução condenando-a e apoiando o direito à determinação de nosso país.

Pergunta - O que reivindica atualmente a Fretilin (Frente Timorense de Libertação Nacional) junto ao governo indonésio? Há algum tipo de diálogo entre as duas partes?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Há um diálogo indireto, através do secretário-geral da ONU, que está negociando o problema de Timor Leste. Reivindicamos nosso direito à autodeterminação, e consideramos esse direito inalienável.

Pergunta - O filósofo Noam Chomsky estará no Brasil no mesmo período que o senhor, como o senhor vê o apoio dele à causa de Timor?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Ele é um grande amigo meu. Quando soube que ele iria também ao Brasil, marquei um encontro na quarta-feira (20/11/96) em São Paulo.

Pergunta - Como o senhor avalia o futuro de Timor agora com esse Nobel?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Tenho uma enorme esperança que, com o Nobel, chegue também a paz e a independência do meu país.

Pergunta - O senhor acredita que, mesmo com o general Suharto, ainda há chance de diálogo ou isso somente será possível com a reimplantação da democracia na Indonésia?
JOSÉ RAMOS HORTA
- Acredito que há chances de diálogo com Suharto, mas precisamos também preparar o futuro de nossa relação com a nova geração da Indonésia.



Independência durou só nove dias.

Nossa língua continua mal cotada.

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