A Comédia Grega Clássica

Aristófanes


Busto de Aristófanes


"As Graças procuravam um altar eterno.

Acharam-no na inteligência de Aristófanes."


Platão


Aristófanes nasceu em Atenas em 457 ac. Quatro anos antes do seu nascimento, em 461 ac, Péricles havia assumido o poder em Atenas. Aristófanes viveu toda a sua juventude sob o esplendor do Século de Péricles. Aristófanes foi testemunha também o início do fim daquela grande Atenas. Ele viu o início da Guerra do Peloponeso, que arruinou a hélade. Ele, da mesma forma, viu de perto o papel nocivo dos demagogos na destruição econômica, militar e cultural de sua cidade-estado. À sua volta, à volta da acrópole de Atenas, florescia a sofística -a arte da persuasão-, que subvertia os conceitos religiosos, políticos, sociais e culturais da sua civilização.

O teatro de Aristófanes, principalmente aquele que integra a sua obra no período da Comédia Antiga, é um contundente e sarcástico manifesto contra os elementos que ele julgava responsáveis pela decadência de Atenas.

Aristófanes foi um homem contraditório. Crítico violento da democracia, utilizava-se de uma retórica tão agressiva que somente em um ambiente de liberdade plena como o democrático permitiria a sua veiculação. Aristófanes vê com desprezo a forma pela qual os cidadãos gregos deixavam-se levar pelos demagogos. Ele detestava também o teatro modernizante de Eurípedes, cheio de sutilezas retóricas, que invocava outros deuses ao invés dos tradicionais membros do Olimpo. Paradoxalmente, este teatro, que negava as inovações na retórica, assimilava-as na prática, a ponto de Cratino, um comediógrafo rival de Aristófanes, qualificar o teatro moderno de sua época como euripidaristofanizante. Aristófanes, todavia, era considerado o maior autor de comédias de seu tempo. Quase todas as suas 11 peças que nos restaram obtiveram sucesso nas Dionísias. Somente As Aves e A Paz obtiveram o segundo lugar, e As Nuvens o terceiro. Para sublinhar mais esta excelência entre os gregos, é bom citar que a comédia As Rãs foi tão bem recebida pelo público que teve a sua reapresentação pedida pela platéia. Na época, a reapresentação de uma peça era privilégio da tragédia.

A primeira comédia de Aristófanes que se tem notícia foi encenada no ano de 427 ac e se chamava Os Babilônios. Esta perdeu-se no tempo. No entanto, sabemos por relatos da época que tratava-se de um ataque cruel a Cleon. Cleon foi sucessor de Péricles. De curtidor de couro, uma profissão humilde, ele foi eleito general de Atenas. Sua política imperialista obteve algum sucesso no início, mas foi desastrosa para Atenas a longo prazo, pois colocou a cidade-estado envolvida em conflitos militares caros que ainda resultaram em derrotas.

Diversamente de Péricles, Cleon foi um dos fomentadores da Guerra do Peloponeso. Ficou famoso por sua venalidade, por perseguir politicamente e judicialmente os cidadãos -principalmente os ricos- que ele considerava seus inimigos. Cleon é acusado por seus contemporâneos de subornar juízes para obter sentenças favoráveis a seus interesses. Em seu governo, os aliados de Atenas foram relegados à condição de colônias, o que provocou descontentamento e deserções.

É contra ele que Aristófanes faz a peça Os Babilônios. Ela foi representada nas Grandes Dionísias Urbanas, diante do General e de seus aliados. É sabido que ele sentiu-se extremamente ofendido com a representação e acusou Aristófanes de difamar as instituições atenienses ao mundo grego.

O dramaturgo, entretanto, não se intimidou com esta crítica. Dois anos depois, no ano de 425 ac, nas Leneanas, Aristófanes apresentou a comédia Os Cavaleiros. Esta peça, felizmente, chegou até nós. Ela representa o mais violento ataque pessoal de Aristófanes a Cleon. Tão agressiva foi considerada que nenhum ator da época teve a coragem de representar o papel de Panflagônio (Cleon). Foi o próprio autor que teve de fazê-lo (desempenho, aliás, considerado medíocre por seus contemporâneos). Para desespero do general, ele foi o vencedor do concurso.

Os Cavaleiros

Nesta peça, Aristófanes caracteriza Cleon como escravo de um senhor. O senhor é o povo. Trata-se de um escravo muito desonesto e desprovido de qualquer caráter. Uma peculiaridade é importantíssima para podermos situar a peça. Cleon estava no auge de sua popularidade no tempo da representação por causa de um sucesso inesperado na Guerra do Peloponeso.

Um porto, o porto de Pilos, que era de fundamental importância econômica e militar para a cidade-estado de Esparta, havia sido tomado por Atenas por um general chamado Demóstenes -homônimo do orador famoso-. Os espartanos, visando retomá-lo, tomaram posição numa ilha perto de Pilos (Esfactéria). A armada ateniense, no entanto, cercou a ilha. Os espartanos então tentaram assinar a paz. Cleon desejava, todavia, uma vitória total para humilhar Esparta e ganhar prestígio como líder em Atenas. O cerco à ilha, se por um lado havia isolado os espartanos, por outro, não havia decidido a batalha. O cerco continuava e a indecisão também. Cleon exigia a vitória e acusou os demais generais atenienses de incompetência. Seu rival, Nícias, é o comandante da frota. Para constranger o líder, Nícias renuncia em favor de seu rival. Surpreendido, Cleon assume o comando dos exércitos. Ao encontrar-se com o general Demóstenes, este lhe apresenta um plano de ataque cuidadosamente elaborado pelo estado-maior de Nícias. De posse daquele planejamento, Cleon supervisiona o ataque à ilha, comandado por Demóstenes. Atenas vence e captura vários nobres espartanos. Cleon foi recebido como herói na cidade.

É neste ano que Aristófanes lhe dedica a peça Os Cavaleiros. O nome da peça provém de uma divisão militar de origem aristocráticas na qual Aristófanes põe as esperanças de desmoralizar Cleon. A peça se resume à luta entre Panflagônio (Cleon) e um salsicheiro que, segundo os oráculos, seria o sucessor do demagogo no poder de Atenas. No agón entre o salsicheiro e Panflagônio, desenvolve-se uma corrosiva crítica aos sistema democrático de escolha dos governantes. Críticas, aliás, à democracia é que não faltam n´Os Cavaleiros. Aristófanes denuncia o oportunismo de Cleon no episódio do ataque à ilha e o oportunismo dos políticos em geral. Um exemplo disto é o diálogo travado entre um escravo -uma caricatura do general Demóstenes- e o salsicheiro. No diálogo, o escravo tenta convencer o salsicheiros de que este pode e deve entrar na política para enfrentar Panflagônio .


Salsicheiro
Mas, diga-me uma coisa: como é que eu, um salsicheiro, vou me tornar um político, um líder?

Primeiro Escravo (general Demóstenes)
Mas é precisamente nisso que está a sua grandeza: em você ser um canalha, um vagabundo, um ser inferior!

Salsicheiro
Pois eu não me julgo digno de tamanho poder!

Primeiro Escravo (general Demóstenes)
Ai, ai, ai, ai, ai, ai! O que é que te faz dizer que não te achas digno? Está parecendo para mim que tens alguma coisa de bom a pesar-te na consciência. Serás tu filho de boa família?

Salsicheiro
Nem de sombra! De patifes, mais nada!

Primeiro Escravo (general Demóstenes)
Homem ditoso! Que sorte a sua! Tens todas as qualidades para a vida pública!

Salsicheiro
Mas, meu caro amigo, instrução não tenho nenhuma. Conheço as primeiras letras e, mesmo estas, mal e porcamente!

Primeiro Escravo (general Demóstenes)
Isso não é problema! Que as conheças mal e porcamente! A política não é assunto para gente culta e de bons princípios: é para ignorantes e velhacos!


É interesante o paroxismo desta peça. Foi eleita pelo povo como a melhor comédia, o mesmo povo que reelegeu Cleon.

As Nuvens: Contra Sócrates




Trecho da comédia "As nuvens", em reconstituição do grupo Atrion Musicae

Aristófanes foi um autor essencialmente político. A comédia As Nuvens versa, no entanto, sobre outro tema. As Nuvens foi encenada no ano de 423 ac. De todas as peças de Aristófanes que chegaram até nós, esta foi a de pior colocação. Ela obteve o terceiro lugar, fato que desgostou o autor por muito tempo. A peça tinha como objetivo atacar o filósofo Sócrates.

Sócrates tinha 47 anos quanto esta comédia foi encenada. Aristófanes retrata-o na peça como um sofista. Em As Nuvens, Sócrates se mostra um corruptor da juventude. Ele toma aos seus cuidados Fídipes, filho de um rico fazendeiro, e ensina-o a ser corrupto. Já na entrada do fronstistério (colégio) de Sócrates, Fídipes é apresentado a duas formas de raciocínio, o justo e o injusto. Depois de um agitado agón, o raciocínio injusto vence a contenda e passa a ser o mestre de Fídipes.

O próprio título da peça é uma ironia. Aristófanes acusa os modernizantes de sua época de estarem abandonando o culto aos verdadeiros deuses e introduzindo o ateísmo ou culto de divindades estranhas como o éter, o ar, a persuasão. Isso pode ser constatado no diálogo entre o pai de fídipes e Sócrates no momento em que o primeiro invoca o nome dos deuses.


Sócrates
Jura pelos deuses?!... Quais deuses?... Para já, "deuses" é moeda que não usamos aqui na casa!

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Introdução.
Origens e formação da comédia grega.
O fim da comédia antiga.
A comédia intermediária.
A nova comédia.
Menandro.
Bibliografia.
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