A Escola de
Minas muda a dinâmica dos Silva Guimarães: Gorceix e Ferrand, Calógeras e
Medrado
por Maria Fernanda Alves Guimarães
(*)
Entre
maio de 1871 a março de 1872, d. Pedro
II foi a Europa. Como membro estrangeiro da Academia de Ciências de Paris,
solicitou ao naturalista e mineralogista Auguste Daubrée
uma pequena «Notícia
sobre o modo de chegar ao conhecimento mais completo do solo do Brasil e de
desenvolver a exploração de suas Riquesas Minerais». Além desse estudo, o
Imperador pediu a Auguste Daubrée que viesse especialmente ao Brasil. Como
diretor do Museu de Escola Natural, o sábio não pôde vir, mas prometeu de
arranjar para d. Pedro II “um mineralogista e um geólogo para organizar o
ensino da mineralogia” no Brasil. Dois
anos depois, Daubrée indicou Claude-Henri
Gorceix. A vinda de Gorceix
(pronuncia-se Gorrrcéx) e a abertura da Escola
de Minas de Ouro Preto mudaria profundamente os rumos da família Silva
Guimarães.
Monsieur
Gorceix — dizia Daubrée a dom
Pedro II, em carta datada do início de 1874 —
não é apenas um sábio possuindo conhecimentos gerais muito sólidos.
Possui ele o gosto pelas viagens e sabe viajar. Aliás, já mostrou em várias
circunstâncias energia e intrepidez. Suas qualidades pessoais, principalmente sua
retidão, lhe proporcionaram a estima de seus antigos mestres. Além disso, o
ardor que põe em suas pesquisas científicas se traduz externamente por uma
grande vivacidade».
Alguns
dias mais tarde, Claude-Henri Gorceix era apresentado ao Visconde de Itajubá, conselheiro Marcos Antônio de Araújo, enviado
extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil na França, assinando
um contrato provisório, em 1874 comprometendo-se a ir ao Rio de Janeiro a
serviço do Governo Imperial, para aí organizar o ensino da Mineralogia e da
Geologia, com vencimentos de 8:000$000 anuais (oito mil contos).
GORCEIX
não se demorou em optar por Ouro Preto, não apenas por se tratar da capital da
Província, mas após as considerações sobre as vantagens por ela
apresentadas: «Em muito pequena extensão de terreno pode-se acompanhar a série
quase completa das rochas metamórficas que constituem grande parte do território
brasileiro e todos os arredores da cidade se prestam a excursões mineralógicas
proveitosas e interessantes. A este respeito considero a cidade de Ouro Preto como
apresentando notáveis vantagens sobre as outras e se achando em uma situação
relativamente favorável ao estabelecimento da Escola de Minas.»
Essa escolha de Gorceix e os 17
anos em que ele viveu no Brasil iriam alterar profundamente a vida de
Ouro Preto, a dele própria e a da família Silva Guimarães.
Bernardo
Guimarães contava entre seus irmãos Joaquim Caetano
da Silva Guimarães, ministro do Supremo Tribunal Federal, cujo apelido
familiar era Joaquim Careta. O desembargador e sua
esposa, Maria, tiveram um único filho varão,
Luiz Caetano da Silva Guimarães, e sete filhas:
-
Constança
da Silva Guimarães, Iá
(Essa Constança não pode ser confundida
com Constancinha, filha de BG, que
foi noiva de Alphonsus de Guimaraens), daí a
importância dos apelidos familiares.
-
Fanny
da Silva Guimarães
-
Maria
Canuta da Silva Guimarães, que como escritora assinava-se Paula Nelle
-
Elisa
da Silva Guimarães, Sinhoca
-
Eleonora
da Silva Guimarães, Nurica
-
Anna
da Silva Guimarães, Niquita
-
Júlia
da Silva Guimarães, Julica
A
notícia de abertura de uma escola de engenharia na própria
Ouro Preto com certeza entusiasmou as sete mocinhas.
E
elas não estavam erradas!
Constança,
chamada por Iá, iria se casar com Claude-Henri
Gorceix em 25 de junho de 1885, tendo este um dos motivos que o fez
ficar no Brasil mais um tempo, conforme atesta carta para o Imperador datada de
abril de 1884. Deixaram descendência, que vive hoje na França.
Maria Canuta, a sobrinha preferida de B.G.,
casou-se com o geólogo francês Paul Ferrand, aluno brilhante da Escola de
Minas de Paris, contratado por Gorceix como professor da Escola, em 1882,
sob os auspícios do Imperador.
Fanny casou-se com Alcides Medrado, que era parente de Archias E. da
Rocha Medrado, professor de Matemática contratado por Gorceix e depois seu
sucessor como diretor da Escola.
Elisa,
Sinhoca, casou-se com João Pandiá Calógeras,
aluno de Gorceix, e depois Ministro da Agricultura, Comércio e Indústria no
Governo Venceslau Brás quando pioneiramente estuda a substituição da gasolina
pelo álcool; Ministro da Fazenda e Minisitro da Guerra no governo Epitácio
Pessoa, quando institui o Código de Organização Judiciária e do Processo
Militar, organiza as esquadrilhas de aviões de observação, bombardeio e caça e
intensifica a construção de quartéis pelo país.Foi o único ministro da Guerra
Civil em toda a história republicana do Brasil. Não deixaram descendentes.
Eleonora,
Nurica e Anna, Niquita nunca se casaram. Júlia, Julica
casou-se com seu primo Afonso da Silva Guimarães,
tamém escritor, autor de Ossa mea e Os Borrachos, filho de
Bernardo, mas não tiveram filhos.
O
único varão de Joaquim Caetano, Luiz, casou-se com Maria Evangelina
Teixeira de Magalhães e deixou grande descendência pelos filhos Jaques,
Maurício e Djalma.
Djalma
Guimarães seguiu os passos de Gorceix, o tio por afinidade. Formado pela Escola
de Minas de Ouro Preto, turma de 1.919, é reconhecido como um dos maiores
geocientistas do Brasil. Descobriu uma variedade de microlita uranífera
denominada mais tarde a djalmaíta, em sua homenagem. Existe um museu
de minerologia com o nome dele, em Belo Horizonte.
Os
dois grandes Museus de Mineralogia do Brasil, o Henri Gorceix, de Ouro Preto, e o
Djalma Guimarães, de Belo Horizonte, estão profundamente ligados à família de
Bernardo Guimarães, que tem entre suas obras mais populares justamente O
Garimpeiro.
Claude-Henri Gorceix, um francês
que se destacou no Brasil
Claude-Henru
Gorceix (foto) nasceu em 19 de outubro de 1842 em ST. Denis Des Murs, França,
filho de Antoine Gorceix e Cécile-Valérie Beaurel La Mareille. Sua vida
intelectual sempre se destacou por realizações.
Seu avô parteno, Jean-Baptiste Gorceix, fora
casado, em segundas núpcias, com a irmã do célebre físico e
químico Joseph Gay-Lussac.
Aos 12 anos, ingressou como bolsista no Liceu de
Limoges, onde, durante os 5 anos em que lá esteve, tinha seu nome
constantemente afixado no quadro de honra. Em 1863 entra na Escola Normal Superior
de Paris, seção de Ciências, concluindo em 1866 o curso de Ciências Físicas e
Matemáticas.
Professor de Ciências Físicas e Naturais no Liceu
de Angoulême em outubro de 1866, tem no ano seguinte sua nomeação na
Escola Normal Superior de Paris, como agregé-préparateur para
Mineralogia, Geologia e Botânica, por proposta do famoso cientista
Achile Délesse, que mais tarde contribuiria com seu saber para a serviços
prestados à Escola de Minas de Ouro Preto.
Em 1º de junho de 1869 é nomeado professor do Curso de Ciências da Escola
Francesa de Atenas. Esta escola que tradicionalmente só acolhia
normaliens literatos, teve em Claude Henri Gorceix como seu único
membro cientista.
Voluntariamente se alista no exército Francês ,
na guerra franco-prussiana (1870) como sous-lieutenant
(subtenente) do 9º Regimento de Artilharia. Firmada a paz, volta à Grécia e
realiza numerosas excursões científicas, concentrando mais sua atenção nos
estudos de fenômenos decorrentes de erupções vulcânicas.
Como Delegado da Academia de Ciências, continua
suas pesquisas nas ilhas, então turcas, de Kos e Nysirus, no Mar Egeu, e depois
segue para a Itália estudar o Vesúvio.
Volta a Paris no início de 1874 para retomar
suas funções na Escola Normal Superior. Tinha a idéia de se à carreira
universitária na França. Porém, mal reassume seu post, recebe
o convite do Imperador D. Pedro II, através de Daubrée, para fundar
uma Escola de Minas no Brasil. Tinha 31 anos e 9 meses de idade.
Dotado de rigorosa consciência cultural, de
dedicação ao trabalho científico e de profunda ética intelectual,
enfrenta já no Brasil muitos percalços para o funcionamento da
escola. Essas dificuldades iam da burocracia nos Ministérios ao
desinteresse de alunos, passando pela crônica falta de recursos e pelas
tentativas de ingerência dos políticos locais no destino da escola
superior. Nada muito diferente do que acontece na Universidade até mesmo
neste início do século XXI.
Gorceix, entretanto, contava com um grande aliado
na superação dessas dificuldades: o próprio Pedro II. A obra D. Pedro II e
Gorceix, da historiadora Margarida Rosa de Lima aponta rica e farta
correspondência entre o monarca e o cientista francês, que muitas vezes reclama
mesmo a Pedro II dos entraves que encontra à frente.
A intimidade entre Gorceix e Pedro II era tal que
em abril de 1884 o cientista praticamente pede a
bênção do Imperador para se casar com "a sobrinha de Bernardo
Guimarães".
Em 25 de junho de 1885,
Claude-Henri Gorceix dá conhecimento ao monarca do seu casamento.
Em dezembro de 1886,
Gorceix comunica ao Imperador o nascimento de sua filha, Thérèse Pierrete
Cécile Valery (1886-1974), nascida em 27 de novembro, e convida Pedro II e
a Imperatriz Teresa Cristina para padrinhos. E o casal imperial realmente aceitou-se
como padrinhos da menina, tendo sido seus procuradores os avós, Joaquim Caetano e
Maria da Silva Guimarães.
(*) Maria Fernanda Alves
Guimarães é jornalista, pesquisadora de História e de Genealogia, com base na
obra D. Pedro II e Gorceix, de Margarida Rosa de Lima.
Fonte:
LIMA, Margarida Rosa de “D. Pedro II e Gorceix — a Fundação da Escola
de Minas de Ouro Preto”,
dissertação de Mestrado da Universidade de Poitiers, França, 1972 –
obra publicada pela Fundação Gorceix em 1977, como Edição Comemorativa
do Primeiro Centenário da Escola de Minas de Ouro Preto, hoje Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP)
Excertos
da obra publicados (em
verde) e
transcrição da correspondência citada na obra com concordância da
autora Margarida Rosa de Lima. As grafias da época foram mantidas nas
transcrições, quer em francês, quer em português. |