As fantasias oníricas, para que servem?
Ana Maria Rudge
Resumo: O artigo defende de que a teoria freudiana dos sonhos sofre uma reformulação que tem importantes consequências no trabalho clínico com os sonhos. Os sonhos foram, em 1900, considerados por Freud como fantasias de realização de desejos, tendo como sua causa e motor os desejos inconscientes originários da infância. Argumenta-se que a modificação metapsicológica de 1920, quando o psiquismo é considerado como tendo uma função anterior ao princípio do prazer, implica uma mudança correlativa na concepção dos sonhos, que terão como sua causa primária acontecimentos recentes de cunho traumático.
Unitermos: Sonho, fantasia, desejo, trauma
O trabalho tido por muitos como inaugural da psicanálise, "Interpretação dos Sonhos", por sua riqueza, originalidade e beleza literária, cativa a todos os que o lêem. A importância dos seus dois últimos capítulos para o estabelecimento de eixos centrais da metapsicologia freudiana é fundamental, mesmo que se leve em conta que, ao longo de quase quarenta anos, Freud dedicou-se a reformular continuamente sua teoria. Sabemos que ele preconizava, inclusive, que a atitude em relação ao que já estava estabelecido na teoria, deveria ser a disposição permanente de efetuar quaisquer modificações, a cada vez que a experiência clínica assim o sugerisse.
É indubitável o caráter definitivo desta obra. É nela que Freud dará o passo revolucionário de, confirmando a opinião popular, afirmar que os sonhos têm um sentido que pode ser depreendido pela interpretação, desacreditando a visão dos cientistas da época, que não lhes concediam sentido algum, considerando-os meramente como resultantes dos estímulos sensoriais e somáticos incidindo sobre o sonhador durante o sono. O mesmo método de investigação que havia dado certo nas neuroses, haveria de jogar luz nos sonhos, foi sua aposta...
Por isso mesmo, todos os que se referem à teoria freudiana dos sonhos, tendem a se ater ao que é enunciado na obra de 1900, embora as reformulações que Freud, a partir de então, efetuou em seu modelo metapsicológico tenham sido de tal monta, que seria impossível considerá-las como inócuas, como não tendo efeitos profundos e imprimindo, portanto, novas inflexões à teoria dos sonhos enunciada anteriormente. Algumas destas mudanças serão levantadas aqui.
Levando em conta as modificações na teoria do sonho que foram sugeridas por Freud, em trabalhos posteriores, vamos destacar as que ficaram por serem inferidas a partir das reformulações mais amplas no campo da metapsicologia.
A passagem da primeira à segunda tópica, por exemplo, é uma virada de tal modo fundamental na metapsicologia, que não poderia deixar de atingir e exigir reformulações e torções na teoria de 1900. Não podemos esquecer, aliás, de que ao postular um além do princípio do prazer, em 1920, Freud afirma que o móvel mais premente a exigir essa reformulação da teoria, havia sido justamente o problema dos sonhos traumáticos. Estes, por reconduzirem repetidamente o sonhador à situação de sua vida que lhe tinha sido a mais insuportável, eram o obstáculo mais embaraçoso a que se pudesse considerar a vida psíquica como inteiramente submetida ao princípio do prazer.
Na verdade, no mesmo momento em que descobre, cheio de entusiasmo, a fórmula de que o sonho é uma realização de desejo, Freud já encontra alguns percalços para defendê-la: exatamente os sonhos de angústia. Esses sonhos que costumam levar ao despertar, foram então considerados por Freud como falhas, como fracassos da elaboração onírica em cumprir sua missão básica que é justamente permitir o sono, satisfazer o desejo de dormir.
Para identificar quais as mudanças na teoria formulada em "Interpretação dos Sonhos" que decorrem necessariamente das reformulações metapsicológicas posteriores, vamos começar por uma breve revisão deste primeiro modelo.
Partindo do ponto de vista que o sonho tem sentido, um sentido que pode ser recuperado pela interpretação, Freud vai compará-lo a um texto hieroglífico a ser decifrado. O que o trabalho de decifração do sonho desvela, são os chamados pensamentos oníricos que são pensamentos idênticos ao nosso pensamento de vigília, e que se tornaram inconscientes porque foram imantados pelo desejo inconsciente.
Os desejos originários da infância, "caminhos que podem sempre ser atravessados desde que uma quantidade de excitação os utilize" (Freud, 1900, p.577), indestrutíveis e sempre em atividade, só podem exercer efeitos ligando-se a pensamentos normais, de vigília, e transferindo a eles sua carga. Portanto, nada podemos saber desses desejos da vida infantil, mas apenas de sua manifestação através da tranferência (1) para experiências atuais e das formações substitutivas resultantes.
A necessidade de transferência é o que fundamenta o papel dos restos diurnos na elaboração de qualquer sonho, como um componente absolutamente necessário. Embora os elementos recentes, dos dias anteriores, estejam invariavelmente presentes, esses restos diurnos são tidos como em si mesmo indiferentes, mero material para que o desejo infantil possa se fazer representar e obter uma realização onírica. A ênfase fica colocada no passado, no desejo da primeira infância como motor do sonho.
A formação do sonho requer a utilização de pensamentos oníricos pertencentes ao Pré-consciente aos quais o desejo terá que se articular, mas a força responsável por sua produção é um desejo do sistema Inconsciente. Essa idéia é ilustrada com a sugestiva e conhecida metáfora que designa o desejo inconsciente como o "capitalista do sonho", por ser ele aquele que provê a quantidade, a energia psíquica, indispensável à sua formação.
Os pensamentos oníricos aos quais o desejo inconsciente emprestou sua carga têm a estrutura de pensamentos intermediários ou transicionais. Ou seja, eles são formações absolutamente idênticas em estrutura aos pensamentos pré-conscientes, mas são inconscientes qualitativamente por serem imantados pelo desejo inconsciente (2). São, portanto, intermediários entre os dois sistemas da primeira tópica
O conteúdo latente do sonho, que é visado pela interpretação, é constituído exatamente pelos pensamentos oníricos. Se o trabalho do sonho transformou esses pensamentos no conteúdo manifesto do sonho, substituindo-os por uma cena predominantemente visual, assim como os censurou, cifrando-os através dos mecanismos de deslocamento e condensação, a interpretação busca refazer o trabalho do sonho em sentido inverso, do conteúdo manifesto ao latente. A formulação de que trabalho do sonho e interpretação trilham o mesmo caminho, só que em sentidos inversos, tem um valor didático mas recai no vício da simplificação. Já em 1900 Freud qualifica melhor essa formulação, indicando que a interpretação trilha caminho inéditos que entrarão "em contato com os pensamentos intermediários e pensamentos do sonho em um ponto ou outro"(Freud, 1900, p. 532), apontando para o desejo onírico.
A formação dos pensamentos transicionais inconscientes, que constituem o objetivo do trabalho interpretativo, depende do fato de que o desejo inconsciente só pode exercer efeitos conectando-se e transferindo sua intensidade para pensamentos perfeitamente estruturados. Vejamos: "No ponto em que chegamos, sou levado a considerar o sonho como uma espécie de substituto para os processos de pensamento, cheios de significado e emoção, a que cheguei após completar a análise"(Freud, 1900, p. 640).
É importante notar que, quando Freud fala dos "desejos do sonho" no texto de 1900, é já a esses pensamentos oníricos que se refere, e não ao desejo inconsciente em sua forma fundamental. Há uma oposição entre os desejos do sonho, expressos nos pensamentos transicionais e que podem ser apreendidos pela interpretação, e o desejo inconsciente que, como tal, é incognoscível.
Em 1917, Freud precisa que o impulso carregado de desejo, que representa uma exigência pulsional inconsciente, deve forjar-se como uma fantasia que satisfaz o desejo. O desejo onírico está sempre formulado em uma fantasia, que expressa o impulso inconsciente utilizando o material dos resíduos pré-conscientes do dia. É nessa medida que Freud pode caracterizar a fantasia como uma embreagem, como o que articula os registros psíquicos inconsciente e pré-consciente (3).
A exigência pulsional de 1917 corresponde ao que, em 1900, eram os desejos inconscientes originários da infância, inerradicáveis e permanentemente ativos. Lacan refere-se a eles como uma memória que Freud "considera como o objeto de uma questão que ficou em aberto, naquilo em que condiciona a indestrutibilidade de certos desejos"(Lacan, 1966, p. 575).
Embora sejam, como tais, inapreensíveis, são eles que fornecem, como capitalistas do sonho, o reforço pulsional para a elaboração do sonho, tomando dos restos diurnos e pensamentos pré-conscientes uma possibilidade de expressão. Essa representação é uma fantasia, inextricavelmente ligada à dinâmica pulsional.
A fórmula freudiana é que o sonho é realização de desejo (Wunscherfüllung), representação do desejo como realizado e, portanto, fantasia. Sabemos que, para Freud, toda a fantasia é realização de desejo. Seja a fantasia diurna (os devaneios), a fantasia inconsciente ou a fantasia onírica, é lá, numa cena fantasmática, onde se realiza o desejo. A dramatização onírica supõe a montagem da cena, com seus protagonistas e uma intriga. Jacobsen mostra a importância da identificação implicada nesse aspecto teatral da fantasia onírica, já que, como indicou Freud e destacaram Laplanche e Pontalis, no teatro da fantasia o sujeito está tanto em primeira pessoa, quanto em qualquer dos personagens.
A importância das reformulações que ocorreram na teoria freudiana a partir de 1920 tiveram como seu móvel principal os casos de repetição que não puderam ser adequadamente abarcados pelo princípio do prazer. Como já mencionamos, o sonhos traumáticos foram considerados, justamente, como os casos mais gritantes a exigir a teorização da compulsão de repetição como independente do princípio do prazer e podendo sobrepujá-lo. É inteiramente conflitante com a teoria do sonho como realização - mesmo deformada - de desejo, a observação de que os sonhos tendem a reconduzir o sonhador exatamente para a situação que gerou a neurose traumática. Face a essa evidência, o recurso que restou a Freud para preservar sua teoria foi restringir seu âmbito, considerando que, no caso da neurose traumática, a função do sonho fora perturbada e desviada em relação a seu objetivo habitual (4). A teoria encontraria nesses sonhos uma exceção.
Freud conclui que os sonhos traumáticos obedecem ao propósito de obter uma ligação psíquica da impressão traumática, função primordial para o restabelecimento do princípio do prazer, que havia sido colocado fora de ação pelo trauma. O objetivo de realização de desejo do sonho não é desmentido, mas deve dividir o terreno com o de obter o controle e a ligação do processo primário. O alcance desta reformulação no manejo dos sonhos na clínica é grande. A própria fonte ou causa do sonho, passa a estar, em muitos casos, referida a um acontecimento traumático.
A definição do trauma formulada em 1920 é econômica, e sua conhecida representação é a efração da camada protetora contra o excesso de excitação que envolve o organismo vivo. Essa representação é simplificadora, já que se um acontecimento redunda em um transtorno econômico, é claro que isso ocorre não apenas pela intensidade do acontecimento, mas pela impossibilidade de responder a ele, que é relativa à propria organização psíquica daquela pessoa.
A falta de recursos para lidar com o acontecimento, que tem seu protótipo no desamparo infantil, será enfatizada a partir de 1926 (5) na definição do trauma. Este deixará, então, de estar vinculado especialmente à neurose traumática, assumindo um papel mais genérico e articulado à função da angústia.
Estando sujeitos a golpes dolorosos do destino, a doenças, perdas e traições, Freud se pergunta como escapamos de uma expectativa ansiosa permanente e de uma grave injúria ao narcisismo. É o cunho de impessoalidade do destino, como algo remoto e indiferente a nós, que dá conta da angustia "sem sentido"(Freud, 1927, p.17). Isso leva o homem a tentar humanizá-lo, na busca de uma romper com esse nível de desamparo e de conseguir lidar com os acontecimentos mal vindos com seus recursos psíquicos. O vazio de razões, a falta de preparação, a impossibilidade de dar qualquer sentido para um acontecimento doloroso, nos remete a uma posição de impotência para responder a ele, caracterizando-o como traumático.
A elaboração psíquica do traumático assume papel tão importante, que podemos concluir que a função de realização de desejo no sonho, colocada em precedência em "Interpretação dos Sonhos", desloca-se para um segundo plano, subordinada à função de domínio e ligação através da simbolização. Quanto aos sonhos, essa é a principal conseqüência a ser extraída da concepção metapsicológica de que é preciso que haja uma ligação do psíquico como condição para que o princípio do prazer possa vigorar. Uma conseqüência que envolve repercussões imediatas e importantes no tratamento dado aos sonhos na clínica psicanalítica. Efetivamente, algumas vezes nos deparamos com sonhos repetitivos que se caracterizam claramente como traumáticos, e que devem ser entendidos como uma tentativa de domínio de uma impressão. Estes sonhos são, as vezes, conseqüência da perda inesperada, para a qual não houve qualquer preparação, de alguém muito importante; as pequenas modificações que vão surgindo entre um sonho e outro apontam para o trabalho de luto, para o qual o sonho oferece um espaço privilegiado.
Mas não são apenas a esses sonhos traumáticos típicos que me refiro. Dessa descoberta freudiana, pode-se generalizar a idéia de que a fantasia de realização de desejo é um meio pelo qual o psiquismo busca se apropriar de algum acontecimento recente, que significa uma ferida narcísica, através da simbolização. Essa seria, em alguns casos, a forma de aceitar suas conseqüências e fazer o luto necessário.
Um sonho de angústia de Freud é um bom exemplo da repercussão dessa nova perspectiva teórica na interpretação dos sonhos. Em 1927, o autor retoma um sonho seu, que analisara em 1900, e o interpreta como uma forma de lidar com o desamparo através de uma fantasia de realização de desejo. Considera que o sonho foi causado pelo cansaço e por uma sensação de fraqueza nas pernas que sentira durante o dia, e que lhe evocaram seu envelhecimento, trazendo o angustiante pressentimento de que o momento de sua morte não estava longe. A elaboração onírica se encarrega de transformar esse pressentimento angustiante em uma cena de realização de desejo, na qual Freud se encontra em um túmulo etrusco, que visitara em Orvieto, feliz por satisfazer seu interesse na arqueologia. Apesar do sucesso do trabalho onírico em transformar o pensamento que convocava a ameaça de desamparo em uma realização de desejo, Freud acordou tomado pela angústia.
Esse mesmo sonho havia sido relatado em 1900, ocasião em que sua análise é mais detalhada e em que Freud, diferentemente do que faz no texto de 1927, relata que foi ele mesmo o sonhador. Curiosamente, a interpretação desse sonho nos dois textos, de épocas tão afastadas, é, em linhas gerais, a mesma. Como é muito freqüente no texto freudiano, as análises de sintomas, sonhos e atos falhos específicos adiantam em muito o estágio em que está a construção metapsicológica.
Há várias análises de sonhos apresentados em "Interpretação dos Sonhos" que também apontam para a precedência, no sonho, da função da simbolização como forma de dominar a angústia de castração sobre a de realização dos desejos. Ultrapassam, assim, o modelo metapsicológico apresentado no mesmo texto, em que a verdadeira causa de um sonho seria o desejo inconsciente, que, apossando-se de restos de pensamentos diurnos, serve-se deles para a montagem de uma representação do desejo. Os repetidos sonhos em que se reconcilia com um amigo (provavelmente Fliess), por exemplo, são considerados como tendo sido incitados por certos fatos que indicavam a necessidade de se desligar definitivamente do amigo, que não deveria mais merecer a sua confiança. Sua análise geralmente desemboca na recordação de alguma experiência, algum acontecimento que deveria tê-lo levado à conclusão de que o antigo amigo deveria ser tratado como um estranho ou como um inimigo.
A surpresa é que o móvel, a fonte do sonho não é mais um desejo infantil lutando por realização, mas a impressão causada por um acontecimento, e um acontecimento mal vindo. O desejo encobre e sinaliza um fato, um significante vindo do real, que desconcerta, que ameaça, e que, entretanto, insiste exigindo trabalho. A causa do sonho não é mais, portanto, o desejo. Este é o instrumento com que se busca dar conta do desamparo em que algum fato recente precipitou o sonhador, para recolocar o princípio do prazer em funcionamento.
Freud, possivelmente, aproxima-se dessas implicações de sua segunda tópica para a teoria e a interpretação dos sonhos, quando previne o leitor contra o risco de se superestimar as conclusões que se tira de um sonho corretamente interpretado: "Tenho a impressão de que a prática analítica nem sempre evitou erros e avaliações exageradas nesse ponto, o que se deve parcialmente a um respeito exagerado ao misterioso inconsciente. É excessivamente fácil esquecer que o sonho é, via de regra, um pensamento como outro qualquer..."(Freud, 1923, p 112) (6).
A teoria dos sonhos deverá reconhecer que o sonho não se forja a partir das "profundezas" ou do passado remoto, o que sabemos há muito pelo papel que o dia a dia da transferência assume na elaboração dos sonhos.
Em um interessante desenvolvimento, compatível com esta perspectiva sobre o sonho, Weill considera como a causa do sonho um significante, qualificado como "siderante", que vem do real e para o qual não se tem resposta, com o qual o saber já adquirido não tem como se haver, e que introduz, portanto, um momento de desubjetivação. O sonho, transformando a impossibilidade de responder em uma resposta produzida pelo desejo inconsciente, tem o efeito de recolocar em cena o sujeito, driblando o desamparo pela atuação do princípio do prazer. Mas a resposta propiciada pelo sonho ainda representa uma evasão desse significante, ao mesmo tempo em que o apresenta metaforicamente, na busca de dar conta dele.
A interpretação do sonho é que permite encontrar, sob a fantasia de realização de desejo, o significante incitador do sonho, e extrair dele as conseqüências devidas, num processo de simbolização.
O sonho, nesse caso, é uma resposta. Entretanto, nem sempre existe uma possibilidade de resposta ao significante vindo do real que consiga recolocar em jogo o princípio do prazer. A possibilidade de resposta pode ser correlacionada ao funcionamento da angústia como sinal, uma angústia em estado reduzido e que sinaliza um perigo para o eu, permitindo uma preparação. Mas Freud mantém a angústia econômica como um limite, admitindo a possibilidade, para sempre aberta, de um desenvolvimento de angústia que não sirva à preparação, mas que, ao contrário, aponte para algo de que o saber anterior não poderia dar conta de forma alguma. Algo que podemos caracterizar como traumático e desorganizador, vindo do real, e que só pode ser vivido em uma perspectiva de passividade. Nesse caso, o sonho falha em sua função de manter o sono e é interrompido por uma crise de angústia. Isso quando ainda é possível dormir...
O infantil tem restringida sua importância como causa do sonho, a partir das reformulações metapsicológicas de 1920. O papel da infância é fundamentalmente o de dar conta da constituição de um psiquismo, em sua singularidade, que se mantém permanentemente em interação e sensível a todas as ocorrências e relações atuais. O sonho passa a ter como seu móvel acontecimentos do presente, em oposição à formulação de 1900, em que os fatos recentes, como restos diurnos, eram apenas a matéria prima indiferente de que o desejo, originário da infância, lançava mão para forjar uma fantasia de realização. Em vez do passado, é o presente com as surpresas e os acontecimentos imprevisíveis que nos apresenta, que toma a precedência na formação onírica. O real assume um papel decisivo na psicanálise, recolocando sem cessar a necessidade da elaboração psíquica. Fazer face ao que de inesperado pode vir da natureza, do próprio corpo, ou das outras pessoas, algumas vezes constituindo um perigo para a sobrevivência psíquica, é uma tarefa permanente do psiquismo, e o sonho está a serviço desta tarefa.
NOTAS
Vale notar que Freud usa, em 1900, tanto o termo deslocamento, dentro de uma linguagem econômica, quanto o de transferência, o que já indica o papel da situação analítica como estruturante da mensagem em que se atualiza a memória.
Essa idéia já prenuncia a dificuldade teórica, que resultará no abandono da primeira tópica: a qualidade de preconsciente nem sempre coincide com um tipo de processo psíquico, o pensamento estruturado verbalmente, organizado.
ver Freud, S.(1915) The Unconscious
ver Freud, S. (1920) Beyond the pleasure principle, p. 13 e 14
ver Freud, S. ((192691925), Inhibitions, symptoms and anxiety
ver Freud, S.1923)"Remarks on dream-interpretation, p. 112
BIBLIOGRAFIA
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Didier-Weill, A. O inconsciente freudiano e a transmissão da psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988
Freud, S. The Standard Edition of The Complete Psychologycal Works of Sigmund Freud (S.E.), London: The Hogarth Press, 24 vols., 1975
Freud, S.(1900) The Interpretation of Dreams, S.E. vol. V
Freud, S.(1915) "The Unconscious", S.E. vol.XVI.
Freud, S.(1917) "A Metapsychological Supplement to the Theory of Dreams", S.E. vol. XIV.
Freud, S. (1920) "Beyond the pleasure principle", S.E. vol. XVIII
Freud, S. (1923), "Remarks on dream-interpretation" S.E. XIX
Freud, S. (1926 [1925]) "Inhibitions, symptoms and anxiety", S.E. vol. XX
Freud, S.(1927) "The future of an illusion", S.E. vol. XXI
Lacan, J. "Du traitement possible de la psychose, Écrits, Seuil, Paris, 1966
Laplanche, J & e Pontalis, J.-B. Fantasia originária, fantasia das origens, origens da fantasia, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988
Roudinesco, E.; Plon, M. Dicionário de Psicanálise, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998
Valabrega, J. P. "El problema antropologico del fantasma" en El deseo y la perversión
Buenos Aires: Edit. Sulamericana, 1984
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