HOMEOPATIA E PSICANÁLISE

Clínica do Semelhante e Clínica da Palavra

Durval Checchinato

 

Por uma série de contingências da vida, há 15 anos, tive um encontro inesperado, quase contrariado, com a homeopatia. Confesso que foi mais que isso, quase uma trombada. Professor assistente na Faculdade de Medicina da Unicamp, fui vendo meus pré-conceitos ruírem fragorosamente. O testemunho dessa aventura eu o consignei neste livro que ora sai do prelo.

É impressionante os pontos de encontro entre a homeopatia e a psicanálise. Cansado da brutalidade da psiquiatria e sobretudo da maneira como ela tira a dignidade do sujeito, encontrei na homeopatia uma saída dignificante. Nenhuma ciência dá conta do sujeito, embora a psicanálise, sem dúvida alguma, seja a que é mais apta para lograr tal fim. Quantas vezes em situações de impasse a ajuda simultânea da homeopatia se comprovou de grande utilidade. Imagine o leitor: a homeopatia move o inconsciente! Em minhas primeiras experiências perguntei-me se não estava delirando. Mas o tempo e a clínica se encarregaram de acumular provas.

O sintoma para a homeopatia como para a psicanálise é algo precioso. Nem uma nem outra prática se propõe a combatê-lo, exatamente ao contrário do que nos sugerem Galeno e a alopatia atual.

O sintoma é o caminho para chegarmos ao sujeito, mas o sintoma é a melhor saída encontrada por ele para poder sobreviver psiquicamente a uma invasão demasiadamente forte do real. Não se suprime o sintoma, todo sintoma supresso fará infalivelmente sua reaparição e, muitas vezes, mais grave.

O sintoma é animado pela força vital, pulsão dizemos nós psicanalistas. Seria tal afirmação justificável do ponto de vista da ciência? Que ciência mantém o arco da homeopatia e o da psicanálise? Em ambos os casos uma ciência sui generis, mas uma ciência não a ciência oficial, positivista, mas uma ciência capaz de sustentar uma teoria e uma prática clínica. Assim, é lamentável que ainda não dominemos o que se passa na diluição do medicamento homeopático, mas daí negar o fato clínico e a eficácia de sua ação seria um non-sense.

Nada fácil escrever para homeoatas que não conhecem a psicanálise e para psicanalistas que ignoram a homeopatia. De todo modo, a tentativa foi realizada. O retorno da crítica será luz para rever tópicos quiçá demasiadamente psicanalíticos ou homeopáticos, ou talvez frágil senão erradamente sustentados.

Psicanálise e homeopatia, clínica da palavra, da fala e homeopatia, clínica do semelhante ... Uma ciência da fala, da escuta, do sujeito. Incrível, mas não se trata de uma ciência da língua ou da escrita. Trata-se de uma ciência a ser sempre e infindamente criada no vivo da clínica. Por isso, entre outras coisas, falamos em interpretação e não em hermenêutica. "Você se deixa ser demasiadamente levado pelas suas fantasias", dizia a Freud o colega Dr. Königstein. Mas a convicção de Freud a respeito do que descobrira deu no que deu! ...

"Homeopatia, essas gotinhas nada têm de científico" ... E no entanto ambas essas práticas atravessam o século com pleno vigor. A experiência que comprovamos é que psicanálise e homeopatia podem se conjugar em benefício do paciente, mas, e somente, se cada uma permanecer estritamente dentro de sua respectiva episteme. O médico que ousasse se aventurar numa mistura de epistemes certamente correria o risco de um fracasso clínico. E, o pior, é sempre o paciente que paga por esse desrespeito dos limites epistêmicos. Trabalhar dentro de uma dessas epistemes é tanto labor que uma vida certamente é curta demais.

Hahnemann tinha convicção total dessa verdade. Em sua carta de Leipzig, três anos antes de sua morte, denuncia de maneira contundente os "homeopatas híbridos". Trata-se daqueles médicos que praticam uma homeopatia mesclada de outras práticas médicas, como, em nossos dias, a prescrição simultânea de antibióticos ou florais.

A homeopatia verdadeira é unicista e trabalha com remédio de fundo. Nas publicações da medicina homeopática encontramos de tudo: deslizes para a psicologia, para concepções filosóficas ou mitológicas ... Mas isso denuncia mais a ignorância de certos homeopatas híbridos que qualquer proposta séria. A homeopatia, porém, é científica segundo seu método de pesquisa e sua clínica. Trata-se de uma prática clínica, séria, única. Não compartimenta o ser humano. Encara-o e o trata como sujeito. Sua cura vai além das soluções das queixas sintomáticas. Trata-se de um resgate do sujeito, de sua libertação para a sublimação, a criatividade.

A homeopatia, como toda prática clínica, tem seu rigor ético. Agir fora da clínica do semelhante é incorrer num ato terapêutico descoberto de aval ético. Por isso, não basta encarar a homeopatia como uma especialização médica. Trata-se antes de se inteirar de uma medicina distinta da medicina alopática. Conseqüência disso é que a informação homeopática é de pouco valor para a prática da homeopatia. O médico homeopata é aquele que passou por uma verdadeira "conversão", como é o caso do psicanalista. Ora, só a formação homeopática pode lhe dar essa convicção epistêmica própria à medicina homeopática.

Apenas uma convicção: ao sujeito verdadeiramente científico uma única saída: a humildade. A verdade pulula de todos os lados. Infelizmente nossas convicções imaginárias nos retêm no contra-pé delas.

Estes pensamentos encontram-se desenvolvidos em: Checchinato, Durval, Homeopatia e Psicanálise Clínica do Semelhante e Clínica da Palavra. Campinas, Editora Papirus, 1999.

Durval Checchinato
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