Com a Palavra
Fernando Giuffrida

artigo publicado originalmente no Boletim Informativo da SBPSP Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo - Junho 1999 VOL. VII número 4

Acompanhando uma tendência global de adotar meios de comunicação mais ágeis e de menor custo financeiro, a S.B.P.S.P. vem implementando, por meio da Internet, tanto a sua divulgação através da Home Page (que, entre outras de informações, já possibilita a consulta on line a alguns setores da Biblioteca), assim como os Fóruns Científicos e de Discussão Sobre Formação no Instituto.

Esta experiência, além de propiciar um espaço contínuo de diálogo para membros e candidatos, tem possibilitado, através da troca de e-mails a partir do nosso site na Internet, que pessoas não pertencentes à Sociedade esclareçam algumas de suas dúvidas sobre questões gerais relacionadas à psicanálise e à formação psicanalítica.

Entretanto, a exemplo de outras formas de comunicação para as quais poderíamos adotá-la como alegoria, a comunicação pela Internet não tem se caracterizado apenas como uma via rápida e eficaz de troca de informações, pois, a modo de outras inovações tecnológicas que têm influenciado nossa maneira de pensar e de viver, abre uma discussão de interesse da psicanálise sobre as conseqüências de um fenômeno de massa nas relações do ser humano consigo mesmo e com o meio em que vive.

Além da inquietante perda de privacidade e das questões éticas que envolve (somando-se à ação invasiva e perversa dos vírus e dos hackers, recentemente soube-se que a nova versão de um conhecido processador de computador envia, através da Internet, informações sobre seu usuário, sem que ele saiba), parece necessário nos indagarmos até que ponto a comunicação pela Internet estimula e facilita o nosso relacionamento interpessoal e institucional e o quanto ela pode interferir na individualidade e livre arbítrio das pessoas.

Para equacionar estas questões de um ponto de vista psicanalítico, em primeiro lugar, parece necessário considerar a comunicação como uma capacidade humana que não pode ser reduzida à mera troca ou ao processamento de informações, pois, implica um contato real do indivíduo consigo mesmo e com o grupo, do qual fazem parte a expressão verbal, o gestual, o olhar, a tonalidade da voz e tantos outros sinais que a nossa sensibilidade pode registrar e transformar em emoções e idéias.

Além do mais, a psicanálise usualmente procura considerar como mais relevantes os processos inconscientes que participam, geralmente de maneira recôndita e silenciosa, da formação das idéias e sentimentos que vivemos e que, eventualmente, transmitimos às outras pessoas, não se atendo, portanto, exclusivamente aos aspectos formais da comunicação.

Entretanto, a psicanálise também têm observado que a nossa psique se dirige continuamente para a busca de um estado mental, permeado pelo prazer ou pela dor, no qual o pensamento crítico e introspectivo é reduzido ao mínimo necessário para a sobrevivência física "livre" de frustrações.

Se examinada do vértice psicossocial, esta tendência faz com que atravessemos certos períodos, já ocorridos em outras épocas da história da civilização, em que o desenvolvimento integrado da personalidade é relegado em favor da sobrevalorização do raciocínio lógico e do processamento de informações, cujo objetivo é, em última instância, a tomada de decisões rápidas e eficazes do ponto de vista prático e material.

Atualmente, esta predisposição pode ser observada, por exemplo, tanto em relação ao estímulo para que crianças em fase precoce de desenvolvimento substituam o contato humano pelo uso da máquina, assim como pela crescente difusão das psicoterapias feitas através de trocas de e-mail entre terapeuta e cliente, em que o contato pessoal é sumariamente abolido.

Estas evidências parecem indicar que a tendência para confundirmos acúmulo de informação com desenvolvimento tende a se manter ou até mesmo se acentuar, pois é comum que usuários da Internet passem horas diante de um computador, numa espécie de voyeurismo compulsivo, transmitindo ou colecionando uma grande quantidade de dados cujo efeito é marcadamente tranqüilizante para as angústias próprias da existência humana, mas que pouco contribuem para o desenvolvimento do pensamento genuinamente simbólico e das relações interpessoais.

O espaço virtual, paradigma da comunicação pela Internet, por si só, nos alerta para o fato de não estarmos diante de algo real mas, sim, de estímulos visuais e sonoros que, se de um lado, facilitam a tendência do ser humano de evitar o desconforto inerente à consciência de si mesmo e do mundo em que vive, de outro, se constitui em um instrumento extremamente útil, porém, limitado à mera troca de informações.

Neste sentido, também na comunicação pela Internet, assim como parece ocorrer com a maioria dos artefatos criados pelo homem, a intencionalidade e o uso acabam por determinar a sua função.

Fernando Giuffrida
giuffrid@mandic.com.br


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