Eclosão dos vínculos genealógicos e transmissão psíquica

Olga B.R. Correa

 

Publicado na Pulsional Revista de Psicanálise, nº 114, outubro de 1998, Editora Escuta, São Paulo.

Neste final de século marcado por uma série de violências de toda ordem, se demarcam temas prioritários de pesquisa ou reflexão em cada campo do conhecimento. Na área da psicanálise emerge com vigor, depois de alguns anos, a questão da transmissão psíquica transgeracional –também marcada pela violência da alienação do sujeito que ela comporta –, assim como a patologia vincular intersubjetiva em relação aos traumatismos acumulativos.

Quando fazemos referência aos traumatismos acumulativos estamos apontando para uma situação de perda ou limitação dos elementos que são denominados garantes sociais e metapsíquicos estreitamente vinculados às novas expressões do que Freud chamou de "mal-estar na cultura". Poderíamos reunir em três grupos os sintomas do sofrimento psíquico que caracterizam a psicopatologia contemporânea, os quais encontramos, em geral, vinculados a diversas patologias da transmissão psíquica geracional.

Um grupo está referido aos defeitos ou falhas na estruturação dos sustentos ou apoios da vida pulsional. Neste nível, observamos que o sujeito desenvolve formações psíquicas clivadas pouco favoráveis aos processos de constituição dos objetos internos estáveis, nos quais é possível depositar sua confiança.

Um segundo agrupamento está vinculado à formação das identificações e contratos intersubjetivos que são garantes de um espaço do desenvolvimento da subjetividade. Neste nível incluímos o contrato narcisista descrito por P. Aulagnier (1975) como aquele que assegura a continuidade do investimento libidinal de autoconservação para cada sujeito e o conjunto (grupo-social) do qual faz parte. O pacto denegativo é descrito por Kaës como aquele que solicita o trabalho do inconsciente como necessário à formação do vínculo intersubjetivo no contexto do recalque ou denegação nos sujeitos.

O terceiro grupo está integrado pela problemática que envolve os processos das representações, ou seja, a construção de sentido. Nestes casos o trabalho de simbolização é atingido e está vinculado especificamente aos traumatismos acumulativos e aos lutos patológicos.

Os trabalhos de Abraham e Torok no início dos anos 70, em torno dos conceitos de cripta e fantasma, marcam o interesse pelo tema da alienação da subjetividade a partir da qual o sujeito é conduzido a simbolizar em relação a um outro, presente em si como objeto psíquico interno, sendo parasitada, assim, sua própria vida pulsional.

Todos nós somos portadores de uma herança genealógica que constitui o fundamento de nossa vida psíquica e que se processa a nível inconsciente.

Em todas as etapas da vida se impõe, ao sujeito, a questão da herança genealógica (como gerenciá-la) e sua pertinência a uma filiação. O espaço por excelência deste processo é o grupo familiar onde se articulam diversos mecanismos de identificação, lugar de circulação da transmissão psíquica.

A palavra transmissão evoca uma representação de um começo e fim irreversíveis, espaço de passagem, da repetição, da transformação, de um devir que nos escapa. Nossa filiação à teoria psicanalítica nos remete a Freud, ancestral genial que nomeia o inconsciente ferramenta intangível de nosso trabalho de escuta e interpretação.

Em relação ao tema da transmissão da vida psíquica, Freud utiliza três modelos de referência (derivados da área médica): um é o modelo da transmissão da energia nervosa (1895). Outro é o modelo médico social de epidemia e imunidade e, finalmente, aquele que mais nos interessa: o modelo de contágio mental (Le Bon, Psicologia das multidões) vinculado às questões da hipnose e sugestão, assim como aos mecanismos de identificação e transferência.

Mencionamos dois textos de Freud nos quais ele faz uma análise do processo da transmissão psíquica. Em "Totem e tabu" (1912-13) considera o mito do parricídio (a horda primitiva e o assassinato do pai originário pelos irmãos) e a transmissão do tabu na organização social e na realidade psíquica.

Freud explicita que o tabu é o código não-escrito mais antigo da humanidade, estando vinculado àquilo que é desejado e ao mesmo tempo proibido; é transmitido pela autoridade patriarcal e social: a proibição de matar o animal totêmico enquanto representante do pai. Neste aspecto, Kaës salienta a impossibilidade de não transmitir psiquicamente e os diversos níveis do recalque implícitos neste processo.

Para Freud, uma via de transmissão são a cultura e a tradição. Porém, a transmissão direta por esta última não dá uma resposta à questão da continuidade da vida psíquica. Para que esta seja viável, as disposições psíquicas herdadas deverão ser estimuladas por alguns acontecimentos da vida individual, ou seja, que a criança venha ao mundo com estruturas potenciais que serão ativadas nos vínculos intersubjetivos do meio familiar.

Em "Introdução ao narcisismo", Freud (1914) assinala a continuidade da vida psíquica entre as gerações e os diversos mecanismos de identificação, em princípio ligados ao sintoma. Nesse texto, Freud destaca que o indivíduo é a si mesmo seu próprio fim e que ele está assujeitado a uma corrente geracional como elo da transmissão, sendo beneficiário e herdeiro do conjunto intersubjetivo, é esta a articulação percebida por P. Aulagnier que sustenta o conceito do "contrato narcisista" já descrito.

Nos últimos anos, na clínica psicanalítica observamos, com atenção particular na patologia da transmissão, os mecanismos de denegação e forclusão, ou seja, aquilo que permanece oculto e não transformado; estes aspectos estão presentes nos estados fronteiriços ou borderline, isto é, nas patologias narcisistas e nos diversos tipos de perversão. No campo da terapia familiar psicanalítica observamos diversas disfunções ligadas a esta problemática, as quais têm como base comum os lutos não elaborados e situações que evocam diversos graus de violência ou traumatismos ao nível intra, inter e transubjetivo. Isto significa uma interferência na capacidade de organizar representações e simbolizações do aparelho psíquico singular e do grupo familiar.

Estes espaços psíquicos (inter, intra e transujetivo) fazem parte de uma conceitualização de J. Puget para indicar a capacidade de representação do aparelho psíquico em torno da distribuição dos diversos vínculos e sua incidência na realidade externa. O modelo da estrutura familiar inconsciente é a base para considerar o espaço intersubjetivo no qual a angústia subjacente é a fusão narcisista e, como conseqüência, a impossível inscrição na genealogia familiar.

No espaço psíquico intrasubjetivo fica à mostra o mundo fantasmático e o imaginário de cada sujeito, o vínculo perderia, neste nível, uma de suas qualidades que é o de ser bidirecional. Este espaço é constituído pelas representações do eu corporal e dos vínculos inter e transubjetivos na ausência de percepções externas. No espaço transubjetivo situam-se as representações do mundo externo real (social e físico) que o eu adquire desde o originário assim como pela mediação do S.Ego e objetos parentais.

Aspectos da Transmissão Psíquica Geracional

Lembramos que na transmissão psíquica existe um apoio sobre a geração precedente. Freud, em "Introdução ao narcisismo", designa a criança como a "herdeira dos sonhos e desejos irrealizados dos pais" assinalando, assim, o fato que o sujeito emerge e é então submerso na palavra e desejo das gerações que o precederam. Isto faz parte da tecelagem grupal do envelope genealógico familiar que será mobilizado no processo psicoterapêutico psicanalítico no nível da transferência contratransferência.

Distinguimos dois tipos de transmissão ambas interligadas:

a) Intergeracional, esta inclui um espaço de metabolização do material psíquico transmitido pela geração mais próxima e que, transformado, passará à seguinte.

b) Transgeracional, referida a um material psíquico da herança genealógica não-transformada e não- simbolizada que apresenta lacunas e vazios na transmissão, o significado aponta ao fato psíquico inconsciente que atravessa diversas gerações.

A função de contenção e de elaboração do grupo familiar é comprometido nas diversas situações de violência: – intrafamiliar (em grau extremo: agressões sexuais e de ordem diversa), – violência político-social (guerras, genocídios, ditadura, miséria). A eclosão dos diversos vínculos traz, como conseqüência, uma série de traumatismos acumulativos detonando variadas patologias a nível da transmissão geracional e seu substrato narcisista.

O silêncio da violência ou ruptura dos diversos vínculos geracionais são o denominador comum que percorre a falta de inscrição do sujeito na sucessão das gerações e no tecido grupal comunitário, limitando ou impedindo o acesso aos processos de simbolização que organizam uma cadeia de significantes. Um exemplo significativo são as vítimas ou parentes dos desaparecidos na Argentina ou do holocausto judeu no período nazista.

A urgência de gerenciar a fratura destes vínculos geracionais e sociais leva a defesas específicas do tipo denegação, clivagem, projeção, ou seja, mecanismos que tendem a minimizar ou eliminar o elemento traumático. Observamos na clínica que é nesta articulação onde se constroem formações do tipo segredo, ficando como herança para as futuras gerações. Por outro lado, o psiquismo individual e a continuidade geracional podem estar apoiados naquilo que é defeituoso: o deficiente na transmissão assim como nos desgarramentos do tecido da filiação, nos restos de uma herança psíquica geracional proibida, esquecida, ou mantida em segredo, à medida que esta herança não tem sido assumida.

A teoria das pulsões legada por Freud nos tem possibilitado a compreensão dos mecanismos de formação dos sintomas, porém só em forma limitada enquanto nível de intensidade das marcas emocionais e das fixações derivadas dos conflitos psíquicos e das experiências reais definidas como responsáveis pelos sintomas.

Traumatismo Acumulativo

A noção de traumatismo acumulativo me parece uma hipótese significativa como pano de fundo da patologia transgeracional, ligada na sua origem à eclosão de vínculos intra, inter e transubjetivos originados em diversas situações de violência.

A palavra trauma, assim como traumatismo, têm sido utilizadas originariamente em medicina e cirurgia. O termo retomado por Freud está referido na psicanálise como um choque violento ou um acontecimento intenso na vida do sujeito, pelo qual o mesmo é incapaz de reagir de forma adequada, produzindo um desborde emocional que provoca efeitos patógenos duráveis na organização psíquica. Ficou definido o acento na dimensão econômica do fluxo de excitação excessiva em relação à capacidade de tolerância do aparelho psíquico.

Se consideramos o traumatismo como uma vivência acumulativa não-metabolizada, devemos considerar os diversos mecanismos defensivos que a transformam em impensável, à medida que envolvem uma dimensão de transgressão às regras fundamentais e fundadoras do grupo ou da sociedade. Uma referência são as violências sexuais, tais como incesto, ou sociais as quais mencionamos anteriormente. A angústia, derivada de um excesso de excitação provocada pelo acontecimento traumático e a incapacidade de contê-lo transformando-o em experiência metabolizada, provocará necessariamente desorganizações secundárias, efração dos envelopes individuais e grupais, aumentando a violência nos diversos espaços psíquicos.

A importância do campo da realidade do objeto na situação traumática tem sido um fato evidente na minha experiência clínica com pacientes em análise e grupos terapêuticos de famílias migradas em situações de violência social. Esta problemática tem sido objeto de uma ampla produção de trabalhos teórico-clínicos, por numerosos colegas argentinos, e está sendo sempre redimensionada considerando os trabalhos de Abraham e Torok até os mais recentes de Tisseron e Nachin, entre outros.

Esta aproximação ao campo da realidade do objeto nos leva a considerar dois critérios que definem o acontecimento traumático:

a) ataque ao narcisismo;

b) perigo de saturação ou desborde do aparelho psíquico na sua capacidade de representação ou, como já foi assinalado, na sua possibilidade de vetorizar um sentido.

O acento está, então, colocado tanto nos conteúdos fantasmáticos quanto na capacidade de contenção ou quebra do aparelho psíquico com patologias que envolvem a clivagem e o encriptamento. Em conseqüência toda a psicanálise contemporânea está confrontada a esta problemática das condições de simbolização.

A questão do duplo olhar para a realidade do espaço transubjetivo e os espaços intra e intersubjetivos anula uma dimensão alienante que existiu na clínica na escuta e interpretação exclusiva do mundo intrapsíquico. Podemos mencionar alguns traumatismos vinculados à história coletiva, tais como o da Shoah, os extermínios na Bósnia Hazegovina, os desaparecidos no período da ditadura argentina ou chilena, onde cada sujeito ou grupo familiar que vivenciou estas experiências, assim como seus descendentes no nível trans ou intergeracional deverão gerenciar ainda uma tentativa de elaboração dos diversos traumatismos. Quando isto não é possível, observamos os mecanismos de clivagem derivados destas experiências para evitar a dor e sofrimento em si próprios nas pessoas significativas, isto dá origem a diversos pactos denegativos. Nestes casos fica evidente a alienação do sujeito a partir de diversas situações nas quais se incluem o segredo familiar (como organização patológica) e a cripta, descrita por Abraham e Torok, como sintomas da patologia da transmissão psíquica. A cripta está constituída por uma configuração psíquica na qual um sujeito é induzido a simbolizar em relação a um outro, presente nele, na forma de um objeto psíquico interno à custa de sua vida psíquica pulsional. Encontramos nestes casos dificuldades ou limitações de uma introjeção harmoniosa como conseqüência de um acontecimento traumático.

O ponto central não é só o trauma, senão sua possibilidade ou limitação de elaboração.

Quando o acontecimento é convertido em segredo Abraham e Torok fazem referência a um tipo de recalque conservador.

Estes aspectos nos impõem mais uma ferida narcisista, salienta Kaës, pelo fato de ter que reconhecer que parte de nosso funcionamento mental excede a biologia e se estende aos problemas não resolvidos pelos nossos ancestrais. Hoje é impossível pensar a metapsicologia em termos de um "puro teatro interior".

Laplanche tem se referido à presença do outro em cada sujeito desde as origens da psique, aspecto desenvolvido na sua teoria da sedução originária. Nesta linha de pensamento Freud já tinha assinalado a presença do Superego dos pais na construção do Superego de cada sujeito.

Transmissão Geracional e Terapia Familiar Psicanalítica

Lembramos que o grupo familiar tem características específicas em relação aos outros grupos, naquele se entrelaçam e interagem vínculos de aliança e de filiação, assim como de consangüinidade, atravessados pelo envelope genealógico grupal familiar e sua estrutura inconsciente. Estes vínculos organizam uma importante dimensão fantasmática. Esta organização complexa e variada integra níveis psíquicos diferenciados, singulares e plurais, articulados em função de pactos e alianças inconscientes que são organizadoras da vida psíquica do grupo familiar.

A especificidade e complexidade dos processos associativos do grupo familiar se devem, em particular, à presença de formações e manifestações vinculadas à transmissão psíquica.

A TFA (terapia familiar psicanalítica), a partir de seu enquadre ou dispositivo, cria um espaço de depositação ou retomada de elementos derivados de um tempo genealógico esquecido, silenciado ou perdido. Os aspectos da transmissão psíquica genealógica que não puderam ter a transformação necessária, ou serem integrados numa corrente de sentido pelos processos de simbolização, assim como os fragmentos de uma história impensável poderão ter um lugar de inscrição no tecido associativo grupal dentro do processo terapêutico.

A transmissão organizada a partir do negativo, ou seja, daquilo que falta ou é defeituoso já foi também assinalado por Freud, em 1914, em "Introdução ao narcisismo"

O que é transmitido? Tudo aquilo que concerne às vivências psíquicas ou representações na ordem geracional, algumas delas inconscientes, poderiam ser elaboradas na forma de mitos familiares ou culturais, outras são proibidas ou encriptadas.

Cabe perguntarmos como um sujeito pode ser atingido pela história que pertence a um outro? E ao mesmo tempo, desde uma perspectiva clínica, como este fantasma se transforma em uma espécie de organizador do psiquismo do paciente? Os diversos mecanismos de identificação estão na base deste processo, com um forte investimento libidinal.

Na TFA temos encontrado com freqüência no grupo familiar de pacientes com distúrbios psicóticos, um processo de identificação particular, denominado por H. Faimberg "telescopagem geracional". O mesmo tem como característica a de ser silencioso, sendo um processo recuperável na história secreta do paciente ficando em evidencia só no processo transferencial.

Este aspecto da telescopagem ou superposição de uma geração sobre outra, sem nenhum espaço de diferenciação, é uma figura que ilustra a falta de espaço psíquico para que a criança desenvolva sua identidade, liberando-se, assim, do poder alienante do narcisismo de seus pais.

Este processo de identificação patológica envolve três gerações, ou pelo menos duas, e observamos que o psiquismo está fixado em um "sempre" que é característico do inconsciente. O processo da análise possibilita restituir a trama secreta na medida que pertence ao passado, possibilitando a liberação do desejo do paciente envolvido na história.

Este processo de telescopagem coloca em primeiro plano um tempo circular, repetitivo. A diferença entre as gerações, pelo contrário, está vinculada à marcha inevitável do tempo, aquele que marca a distribuição das gerações como algo irreversível.

Um caso acompanhado em terapia familiar e esboçado de forma sintética ilustra alguns dos aspectos desenvolvidos em torno dos avatares da transmissão psíquica transgeracional. Nancy, paciente de 28 anos, é hospitalizada por um surto psicótico. Com idéias paranóides, sente-se maltratada pela família, pelos pais em particular, com os quais tem violentas discussões (se queixa de uma falta de amparo afetivo e econômico), idem no trabalho, motivo pelo qual foi despedida, o psiquiatra que acompanha o caso tem solicitado intervenção psicoterapêutica com o grupo familiar.

Os pais de Nancy estão separados, de fato, há 5 anos, fazem uma denegação inicial na reconstrução da história familiar sobre os diversos conflitos que se perfilam posteriormente pelo fato de serem ambos provenientes de famílias católica (mãe) e judaica (pai) praticantes nas respectivas famílias de origem. A culpabilidade, como sentimento importante, é o motor da participação do pai nas sessões, além das duas irmãs e da mãe.

No decorrer do processo psicoterapêutico, o pai teve um espaço para expressar a dor e legitimar o sofrimento, reprimido durante anos, de ter perdido os pais e duas irmãs em sucessivos fatos traumáticos da perseguição nazista na Europa (com parentes espalhados pelo mundo sem entrar nunca em contato); este fato não tinha sido explicitado e permanecia como algo misterioso e secreto. A mãe de Nancy comenta na ocasião, e pela primeira vez no grupo familiar, as circunstâncias de um penoso acidente que motivaram o deceso de seu irmão mais velho pouco antes de ficar noiva de seu futuro esposo.

Nancy tem seu nome muito parecido com o de uma tia paterna desaparecida na Shoah, e ligada afetivamente com o pai, e com a qual ela tem se identificado desde pequena (a partir de fotos e traços da história pessoal da mesma) sem conhecer maiores detalhes da história familiar. Um dado importante é que o pai ficou utilizando, desde 1943, o nome da família da mãe, originários da Itália, para camuflar o nome paterno de clara origem judaica. Esta problemática da filiação e sua indiscriminação é inconscientemente assumida pela paciente. Contratransferencialmente sentíamos em diversas ocasiões com o co-terapeuta, que estávamos confusos em um emaranhado de dados e sentimentos de toda ordem. À medida que isto foi sendo devolvido e retrabalhado com a família ficou mais definida a forma de transmissão dos pais como um dizer e não-dizer ambíguo, visando mais a forma que o conteúdo sem discriminação geracional ou temporal. A família materna "discriminou" as netas e sua mãe (visitando-as pouco) pelo fato de não praticarem a religião católica, (Nancy tem as duas irmãs com três anos de diferença cada uma). A paciente começa a ficar com maiores problemas, segundo a mãe, coincidentemente quando a irmã mais nova inicia seus estudos numa escola religiosa católica. Não entramos, neste caso, nas diversas patologias individuais senão nas linhas gerais do tecido grupal e envelope genealógico familiar com suas falhas como continente do processo de filiação e subjetivação de duas gerações desta família marcada por traumatismos acumulativos de diversa ordem. Não se trata de uma linearidade, e sim de uma circularidade dialética na qual a patologia grupal familiar, e os distúrbios psíquicos de um de seus membros está vinculada a elementos fantasmáticos de uma transmissão psíquica transgeracional não- metabolizada e esburacada que adquire sentido no processo terapêutico.

Olga B. R. Correa
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