Sublimação e idealização e a pós-modernidade

Teresa Pinheiro

Falar sobre sublimação talvez seja uma das tarefas mais difíceis de realizar em psicanálise. Uma situação curiosa, pois se de um lado falta ao conceito uma costura metapsicológica, por outro, parece que todos sabem do que se está falando. Quando isso acontece, geralmente é porque estamos diante de uma grande possibilidade de nos equivocarmos teoricamente. As noções de sublimação dadas por Freud ao longo de sua obra sofreram várias modificações e à medida que essas modificações ocorrem tem-se a impressão de que se trata de um conceito meio "saco de gatos" em que cabe tudo ou quase tudo da ordem do psíquico - tudo diz respeito à sublimação. E se cabe tudo, acaba não sendo nada. No entanto, não é uma noção que possamos dispensar, muito menos para Freud que de alguma maneira nos aponta a sublimação como única saída para a humanidade. Por conseguinte, aquilo que se visa num final de análise seria da ordem da sublimação.

Minha intenção aqui não será discorrer exaustivamente sobre a noção de sublimação. Serão apresentados inicialmente os problemas que me parecem os mais complicados da noção. Dada a pluralidade de aspectos da sublimação procurarei definir o recorte que será privilegiado para depois discutir sobre a questão da idealização e da sublimação no mundo atual.

Algumas questões metapsicológicas

Será usado o termo noção ao invés de conceito de sublimação por não encontrarmos uma definição metapsicológica precisa do termo na obra freudiana. Birman diz que a sublimação na obra freudiana tem o "estatuto de passagem" funcionando sempre como argumento para demonstração de um outro conceito. Ou seja, Freud jamais construiu o conceito de sublimação ou uma teoria da sublimação.

A definição de sublimação dada por Freud em 1914 é a seguinte: "A sublimação é um processo que concerne a libido de objeto e consiste no fato de que a pulsão se dirige para um outro objetivo, distante da satisfação sexual; o que é acentuado aqui é o desvio que distancia do sexual". Nesta frase encontramos alguns problemas. Se a questão da sublimação é se afastar da satisfação sexual, temos aí que a sexualidade é para Freud, ao menos neste momento, algo que diz respeito a uma materialidade corporal, a um prazer de corpo e de fato observável no campo desta superfície corporal. Não pretendo aqui mudar o rumo da proposta de discussão mas convém fazer alguns comentários. Sem dúvida a sexualidade para Freud, durante muito tempo está vinculada à própria genitalidade. Num segundo momento, podemos observar que ela se alarga abrangendo toda a superfície corporal de tal maneira que podemos até mesmo supor que a idéia de sexualidade vem fornecer a Freud a ponte por ele tanto almejada, capaz de estabelecer uma relação entre o somático e o psíquico. Neste sentido a sexualidade não é na psicanálise, durante um bom tempo, um conceito tão abstrato assim; pelo contrário, ele é o articulador necessário de uma dupla face que tem de um lado o corpo, superfície material, ordenação somática etc. e do outro o anímico, o aparelho de representações.

A sublimação, não sendo um prazer percebido nesta superfície corporal, diria respeito exclusivamente ao aparelho de representações. Mas Freud afirma que ela diz respeito à pulsão e em certos momentos usará a expressão paradoxal de uma pulsão dessexualizada. O que seria uma pulsão sexual dessexualizada? Esta parece ser uma costura sempre complicada na metapsicologia da sublimação. Apesar de em 1930 a idéia de sexualidade já ter ganho toda a abstração que conhecemos , lá encontramos a seguinte observação sobre a sublimação : " Neste momento nos limitamos a dizer, de forma figurada, que elas ( as sublimações) nos parecem ‘mais delicadas e mais elevadas’. No entanto, sua intensidade está enfraquecida em relação à que é capaz de saciar as moções pulsionais mais grosseiras e primárias; não mexem com nosso organismo físico" . Ou seja, por estar longe da corporeidade, a sublimação será sempre mais fraca, menos intensa. É curioso que em 1930 , quando Freud parece já ter dado à sexualidade toda a abstração possível, esta apareça com uma referência ainda tão ligada a uma materialidade corporal. Como se para Freud sempre tenha sido claro que a sexualidade diz respeito ao corpo. Os outros prazeres, mais abstratos, seriam fruto de uma "sexualidade dessexualizada". Assim seriam feitos os prazeres do narcisismo e da sublimação. Como vemos, a sublimação tem vários coloridos na obra freudiana e se Freud pensou no tema como um dos capítulos da Metapsicologia que jamais foi publicado, talvez a razão tenha sido as enormes dificuldades com que se deparou na época para a construção do conceito.

Mas as questões metapsicológicas da sublimação não param por aí. Temos que a sublimação é um dos destinos possíveis das pulsões parciais e que estas podem tomar também ou o rumo da perversão ou o do recalque, na neurose. Assim, segundo Baas, a lógica da sublimação se apresenta como uma espécie de curto circuito do recalque e portanto da rede associativa e simbólica que constitui a mediação habitual para a descarga pulsional. E é desta forma, segundo este autor, que o conceito analítico de sublimação é uma metáfora rigorosa do processo químico da sublimação: esta consiste na passagem direta ao estado gasoso, saltando a etapa líquida; no caso da noção psicanalítica, ela designa o movimento da pulsão que salta a etapa intermediária do recalque para se elevar a um objetivo "superior", como diz Freud, em direção a uma realização mais "alta".

Em outra passagem do Mal estar na civilização Freud dirá que : " A sublimação das pulsões constitui um dos traços que mais sobressaem do desenvolvimento cultural; é ela que permite as atividades psíquicas elevadas, científicas, artísticas ou ideológicas, desempenhando um papel bastante importante na vida dos seres civilizados."

É a partir desta definição generalizada de sublimação que queremos estabelecer um recorte aqui. Independentemente dos problemas que sua costura metapsicológica apresenta, parece ser consenso entre os estudiosos da psicanálise esta definição de que entende-se pelo termo, a capacidade do sujeito de investir nas atividades que Freud chamava de superiores: atividades artísticas, intelectuais, científicas ou ideológicas". Elemento fundamental da civilização pois estabelece e fortalece os laços sociais e emprega energias que do contrário inviabilizariam a vida em sociedade. O que Freud nos aponta em Mal estar na civilização (1930) é que o homem é um ser prematuro e desamparado e por esta razão torna-se um ser gregário. No entanto, tem um equipamento psíquico , pulsional, incompatível com a vida em sociedade. Pulsão de morte e princípio do prazer e o egoísmo próprio do narcisismo seriam elementos fatais ao próprio sujeito que, sem alguns dispositivos como o recalque e a sublimação, não seria capaz de sobreviver e muito menos de manter uma vida em sociedade. É baseado nesta afirmação, na constatação das exigências imediatas do principio do prazer e da agressividade como o avesso do narcisismo, exigências estas que são constitutivas do aparelho psíquico concebido pela psicanálise, que Freud vislumbra a sublimação como a única saída para a humanidade e entrevê que sem ela a barbárie se instalaria.

A idealização

Neste artigo quero discutir a noção de sublimação juntamente com a de idealização. Como vimos em Introdução ao narcisismo, Freud, ao definir as instâncias ideais, propõe uma distinção entre sublimação e idealização: ressaltando que a sublimação diz respeito à pulsão e a idealização ao objeto e por esta razão os dois conceitos devem manter-se separados. E o argumento continua assim:

"A formação do ideal do eu é freqüentemente confundida com a sublimação das pulsões, em detrimento de uma clara compreensão. Que alguém tenha trocado seu narcisismo pela veneração de um elevado ideal do eu não implica que esta alguém tenha conseguido a sublimação de suas pulsões libidinais.É verdade que o ideal do eu requer esta sublimação mas não pode obtê-la pela força; a sublimação permanece um processo particular; o ideal pode incitá-la mas sua realização é completamente independente de uma tal incitação."

Freud aponta neste texto o quanto a questão dos ideais nos obriga a pensar tanto a sublimação quanto a idealização, mas adverte também que a distinção entre os dois termos é fundamental. A sublimação, nos afirma ele, diz respeito à pulsão, mas a uma pulsão que se desviou de seu objetivo, ou ainda, a uma pulsão inibida quanto ao seu objetivo, dessexualizada. A idealização, por sua vez, diz respeito ao objeto e portanto está referida diretamente à sexualidade. E se o ideal do eu pressupõe o mecanismo de idealização o mesmo não se pode afirmar com relação à sublimação. Os mecanismos são independentes, afirma Freud, e não são necessariamente acoplados.

No parágrafo seguinte ao reproduzido acima Freud afirma que o objeto da paixão é idealizado na medida em que ele será super valorizado nos seus atributos. O exemplo da idealização, neste caso, recai sobre o objeto da paixão. Já no texto da Psicologia das massas, recai sobre o líder, o hipnotizador. Em Psicologia das massas Freud diz que do estado de estar amando à hipnose é apenas um curto passo.

Gostaria aqui de pensar a idealização de objetos que se constituirão como peças fundamentais das instâncias ideais propostas por Freud. Se essas instâncias, entre outras coisas, têm por função medir o eu do presente com os "eus" idealizados do passado e do futuro, esta função apontaria de um lado para um passado perdido de felicidade e um futuro de felicidade a ser alcançado. Se tomarmos somente o ideal do eu , ou seja a dimensão de futuro dessas instâncias, teremos na obra freudiana que o ideal do eu contêm todo o corolário dos modelos de escolha objetal apresentada em Introdução ao narcisismo. Tanto do modelo narcísico - aquilo que fui ( eu ideal) , o que gostaria de ser ( ideal do eu); como do modelo por apoio ou anaclítico - aquela que me nutriu ( figuras parentais) e aquele que me protegeu ( figuras parentais) . Ora, aquilo que fui, o eu ideal, segundo Freud é a projeção do narcisismo dos pais sobre Sua Majestade o bebê, contém portanto também as figuras parentais. Aquilo que gostaria de ser também inclui a fórmula paradoxal que Freud aponta em O Eu e o isso : "O supereu não é simplesmente um resíduo das primeiras escolhas objetais do isso, mas ele significa também uma enérgica formação reativa contra elas. Sua relação com o eu não se esgota no preceito : seja assim ( como o pai), ela compreende também a interdição: você não tem o direito de ser assim ( como o pai)"

A construção das instâncias ideais estará sempre necessariamente recheada dos modelos da pré-história do sujeito. Serão modelos ideais os pais e os adultos que se ocuparam dessa criança, mas esses modelos serão metabolizados no caldo fantasmático de cada um tendo sem dúvida um caráter de imagem e uma consistência atribuída, seja ela verdadeira ou não.

Na idealização encontramos atributos no objeto idealizado que são o resultado de uma fantasia capaz, pelo mistério que comporta, pelo jogo de ocultar e revelar de uma imagem, de dar ou não a ela consistência. Estou chamando de consistência ou ausência de consistência a diferença entre uma imagem puramente visual que surge como fixa e uma imagem com consistência de atributos, que pressupõe uma subjetividade, valores intelectuais, éticos, que fogem à mera fixidez imagética. Quando uma imagem não possui consistência, a idealizaç;ão surge como uma imagem fixa. Vejamos o exemplo da relação entre Freud e Fliess. Freud atribui uma consistência teórica, um saber , um valor intelectual a Fliess que este esteve sempre longe de possuir. Essa imagem foi projetada nele. Podemos então dizer que esses valores atribuídos a Fliess são na verdade valores ideais de Freud , resultados dos modelos ideais da sua pré-história que além das qualidades de imagem apontavam para uma consistência que seria da ordem da sublimação. O que quero enfatizar aqui é que a idealização tanto pode apontar para uma pura imagem como para uma imagem à qual se atribui consistência. Parece que essa é justamente a distinção que Freud propôs entre idealização e sublimação, quando afirma que a idealização pode conter uma sublimação ou não.

Podemos portanto dizer que as instâncias ideais podem ou não conter ou apontar para a sublimação. É bom acrescentar que o suporte sublimatório dos ideais dependerá do modo fantasmático que estiver por trás dessa operação. O modelo fantasmático, artesão dos ideais, será o divisor de águas. Se tivermos um modelo fantasmático tecido num tear da histeria teremos um modo fantasmático que aponta para o movimento, o mistério das singularidades, e portanto pode ter como suporte a sublimação. Mas se o modelo fantasmático apontar para uma imagem parada, que não pressupõe nenhum movimento, onde nada a antecede e nada pressupõe uma conseqüência, então a idealização parece dizer respeito a uma pura imagem, fixa, anônima, sem consistência subjetiva. Temos aí o modelo da melancolia, que toma o eu ideal, a imagem parada de Sua Majestade o bebê, e a reedita no ideal do eu.

Somente assim podemos compreender a busca incessante de alguém por um modelo corporal, por exemplo. Tomemos os casos dos travestis ou determinadas mulheres que fazem, muito jovens, um número enorme de cirurgias plásticas em busca de um corpo ideal. Essas pessoas são capazes de passar pelos piores sofrimentos físicos para alcançar um modelo corporal, uma imagem corporal que funciona como um ideal que não pressupõe necessariamente nenhuma consistência. A imagem parece poder dizer tudo, ela é por si só uma totalidade, um êxtase. No mundo de hoje temos a através dos avanços tecnológicos velocidade das informações, dos deslocamentos, dos serviços que num tempo bastante curto são capazes de nos atender prontamente. A idéia de que o futuro é construído aos poucos para lá na frente usufruirmos daquilo que traçamos como percurso tornou—se quase obsoleta. Se constrói hoje para usufruir no máximo amanhã, e a expectativa é de fortes gozos. O tempo tem horizonte curto. Tomando o exemplo já citado dos travestis e de certo tipo de cirurgias plásticas, gostaria de pensar a questão da sublimação no mundo de hoje.

A sublimação na pós-modernidade

O mundo pós - moderno é um mundo onde as questões dos ideais parecem sempre presentes. O mundo das histéricas de Freud, do final do século passado e do início deste século, era um mundo de referências externas estáveis e que pareciam permanentes. As mulheres de então dispunham de referências claras sobre o que era ser uma boa mulher, uma boa filha, uma boa mãe e etc. e os homens, por sua vez, também tinham à disposição deles o que era ser um bom pai, um bom filho, um bom marido. As instituições, o estado, e as famílias forneciam esse rol de crenças onde todos podiam se apoiar. Não quero com isso dizer que não havia problemas, as histéricas de Freud estão aí para comprovar o contrário. Mas essas referências não precisavam ser construídas dia após dia, como atualmente. O advento da pílula forneceu gás ao movimento feminista, dando condições para uma verdadeira revolução nesse referencial externo que parecia óbvio no início do século . Desconstruíndo esse rol de crenças sobre a mulher e o homem, o movimento feminista junto com o advento da pílula opera uma inversão na estabilidade dessas referências que de externas passam a ser puramente internas e não necessariamente estáveis. A pílula dá à sexualidade da mulher um estatuto de prazer e deixa de ter uma função meramente de reprodução. Quebra-se a imagem da mulher que nasceu para ser mãe e para quem o lugar mais nobre a alcançar na sociedade era o de boa esposa e de boa mãe, entendendo-se por boa esposa aquela que cuida do marido como se ele fosse seu filho. As transformações dos papéis de homem e de mulher neste século obrigam à criação de uma nova imagem da mulher e do homem na sociedade.

Constrói-se a partir do feminismo um modelo de mulher moderna que trabalha, é independente, tem direito à sexualidade fora da função reprodutora. O modelo de homem moderno é bem mais frágil, construído e operado pelo movimento feminista , o homem ficou preso ao jargão do machismo e sem modelo próprio. O resultado disso é que as subjetividades modernas têm que construir permanentemente seus referenciais internos, suas crenças , seus valores, seus modelos como suas imagens providas ou desprovidas de consistência. Não quero dizer que no inicio do século não existiam esses referenciais internos. Claro que sim, que existiam. Mas os referenciais internos encontravam referências externas que endossavam os internos ou a eles se contrapunham. Hoje quase se recai na obrigação de criar internamente as referências de identidade sem poder contar com os referenciais externos que se tornaram frágeis , instáveis e cada vez menos consistentes.

A sociedade de consumo nos oferece uma profusão de imagens como modelos de ideais de eu , imagens sem nenhuma consistência : se tivermos o carro tal, usarmos a roupa tal, então entraremos no reino da felicidade. A felicidade que consiste na esperança e na aposta depositada no ideal do eu torna-se um mero punhado de coisas, de imagens estáticas sem nenhum valor social embutido nelas. Nos modelos do inicio do século, os referenciais incluíam valores como pessoa de bem, solidariedade, princípios morais etc. havia nas imagens referenciais éticos e de valores subentendidos , apontados, ou rigorosamente descritos. Não quero de maneira nenhuma dar a entender que valorizo o modelo de referências externas, elas eram na maior parte das vezes fruto de uma manipulação ideológica cujos objetivos nada tinham de louváveis. O que quero ressaltar porém é que elas davam margem a que fosse possível o acoplamento da sublimação na formação dos ideais, o que não parece óbvio na sociedade de consumo atual. Na sociedade de consumo os objetos são oferecidos como ornamentos fundamentais para a construção da imagem de ideal, este deixa de ser um modelo de como o sujeito deseja ser no futuro para passar a ser o que ele precisa ter para ser uma imagem. A composição do ideal do eu deixa de ser uma imagem que contém uma subjetividade, que contém valores, para passar a ser um mero ícone.

Recentemente foi veiculado na televisão um programa sobre o trafico de drogas no Rio de Janeiro e nele foi perguntado a um menino que trabalha com venda de drogas por que ele fazia aquilo, ao que respondeu - para ganhar dinheiro. Perguntaram então o que ele queria fazer com o dinheiro e ele respondeu: com esse dinheiro eu compro um tênis Nike e roupa na Toulon e viro gente. Ser gente portanto é uma imagem que precisa de complementos como o tênis e a roupa da grife tal. É uma pura imagem. O que pensar , os princípios , as questões existenciais do sujeito que tem esses objetos não está em questão. Como se a imagem com esses emblemas falasse por si só. O ter esses objetos é ser alguma coisa que não precisa de predicados.

O que pretendo pensar aqui é a sociedade pós-moderna com as mudanças trazidas pelo feminismo e pela pílula anticoncepcional e também os fenômenos da sociedade de consumo, da globalização e da hegemonia do neo-liberalismo. Temos uma sociedade que não produz lideranças políticas ou movimentos políticos que mobilizem a população, sobretudo os jovens - oferecendo para constituição do ideal do eu somente a possibilidade de idealizações que não trazem consigo nenhuma necessidade sublimatória. Podemos pensar que as idealizações tenham processos distintos como têm as identificações. As identificações que Freud pensou a partir das histéricas eram as identificações por traços , em que o objeto era interpretado e dele o sujeito recolhia um traço para identificação. É através deste modelo que podemos pensar o ego como um precipitado de identificações. Este processo de identificação pressupõe, por sua vez, uma possibilidade fantasmática. Só posso me identificar no modelo por traços se puder me colocar no lugar do outro, achar que desta forma posso ter acesso à sua subjetividade a ponto de interpretá-la. Essa forma fantasmática visa desvendar a subjetividade do outro mas aceita o engano, a dúvida, e sobretudo aceita que algo pode escapar desta apropriação.

Se tomarmos o modelo melancólico, a identificação é feita por apropriação do objeto como um todo, de uma imagem total, miméticamente. O objeto torna-se um posseiro, como na célebre frase de Freud - a sombra do objeto caiu sobre o ego. O eu deixa de ser um precipitado de identificações, enriquecido de introjeções como acontece na proposta ferencziana para se tornar uma cópia do objeto. Teríamos aí um modelo fantasmático totalmente diverso do modelo histérico e muito mais próximo do terceiro movimento da fantasia de Bate-se numa criança.

As idealizações que constituem o ideal do eu podem perfeitamente ter sua origem num modelo identificatório histérico ou num modelo identificatório melancólico.

O resultado diante deste último é o vazio, a depressão, para a qual a indústria farmacêutica vem rapidamente oferecer um outro objeto , os Prozac e etc que virão em socorro do sujeito, prometendo todo o alívio e felicidade.

Teresa Pinheiro
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