Página Inicial

Crônica

Biografia

Músicas

Poesias

Escritos

Discussão

Clique aqui para ouvirFLAUSINO tocando "Batuque"GRAVAÇÃO de 1924

Composições de Flausino Vale

 

FLAUSINO VALE

Escritor

 

Belo Horizonte de Flausino (em 1936) e cinqüenta anos depois. Ao fundo, a 'Serra do Curral'

ACAIACA era a revista da vida cultural e artística de Belo Horizonte nos anos 50, não um mero "guia" de programações e eventos, mas um órgão de divulgação do pensamento de intelectuais mineiros, poetas, músicos, artistas plásticos, professores e cientistas. Celso Brant foi o diretor de ACAIACA juntamente com Ramiro Lage, Sebastião Noronha e Newton Rossi. Entre seus colaboradores, além de Flausino Vale, destacaram-se Abílio Barreto, Artur Versiani Veloso, Edgard Godoy da Mata Machado, Godofredo Rangel, Jair Silva, José Maria de Alkmin, Juscelino Kubitscheck, Milton Amado, Milton Campos, Nansen Araújo, Olegário Mariano, Otacílio Negrão de Lima, Oscar Dias Corrêa e muitos outros.

No texto de Flausino Vale, publicado em ACAIACA de junho de 1950, é lembrado o Maestro FRANCISCO NUNES, nascido em 1875.

 

 

 

Capa da Revista

O Maestro Francisco Nunes, hoje homenageado em Belo Horizonte pelo Teatro Francisco Nunes, no Parque Municipal, carinhosamente chamado de "Chico Nunes" pelos belorizontinos.

Desenho de Huascar.

Abaixo, o texto de Flausino.

O texto, publicado na revista ACAIACA (junho de 1950), preserva o estilo e a ortografia da época.

 

FRANCISCO NUNES

Flausino R. Valle

A 14 de maio do corrente ano, 1950, o maestro Francisco Nunes, se fôsse vivo, teria completado 75 anos. Nasceu em Diamantina, em 1875, sendo filho do compositor Francisco Nunes Neto Leão, que lhe ministrou os rudimentos da arte que elegeram.

Residindo desde criança na Capital do País, aí cursou o Instituto Nacional de Música, pelo qual se diplomou, sendo laureado com um primeiro prêmio. Tendo-se dedicado à pedagogia musical, lecionou no Ginásio de Petrópolis e, graciosamente, no Liceu de Artes e Ofícios do Rio. Depois ingressou no Instituto Nacional de Música como professor catedrático de clarineta.

Regente de orquestra de rara competência, foi encarregado pelo dr. Antônio Olinto dos Santos Pires, de organizar a grande orquestra da Exposição Nacional de 1908, o que realizou com tôda a proficiência.

Regeu no Rio a ópera Cármen, de Bizet, representada em português.

Tem êle a glória de ter fundado, em 1912, a Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro, em pleno fastigio até hoje, da qual foi o primeiro mentor, alternando a regência com o Maestro Francisco Braga durante vários anos, tendo êstes concertos marcado época nos anais musicais da Capital Federal.

Antes dessa, fundou, também, no Rio, a Sociedade de Concertos Sinfônicos "Leopoldo Miguez".

Além de exímio virtuose, Francisco Nunes ordena-se entre os nossos mais festejados composistas.

Entre suas obras, destaca-se PRELÚDIO CORAL E FUGA, que mereceu a honra de ser executada pela Orquestra Sinfônica de Viena, quando estêve no Rio, sob a direção de Weingartner, considerado, na ocasião, o maior regente do mundo.

Outros trabalhos seus : GRANDE MARCHA SINFûNICA, dedicada ao Rei da Bélgica, que fêz ao autor especiais elogios; um mimoso MINUETE, vazado no mais puro estilo clássico ; GRANDE VALSA DE CONCERTO; uma GAVOTA e uma POLONESA, muito apreciadas; MELODIA SINFÔNICA, etc.

Musicou BODAS DE LIA, representada com grande êxito no 'Teatro da Natureza, então existente no Campo de Sant'Ana, no Rio.

Francisco Nunes tem um valor mais alto do que à primeira vista parece. Podemos, mesmo, asseverar que até os dias de hoje, é êle o músico de maior projeção nascido nas plagas mineiras. Compositor, virtuose, regente, dotado de um vero dinamismo construtor, além da Sociedade de Concertos Sinfônicos do Rio de Janeiro, foi, igualmente, o criador da Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo Horizonte, tendo-se verificado o primeiro concêrto, a 21 de dezembro de 1925, e de cuja orquestra fiz parte, sendo que o Mtro. Nunes ainda foi o organizador de seus estatutos e regulamento interno, o que deu à orquestra corpo sólido e definitivo, bem como existência jurídica.

O Mtro. Nunes aqui aportou em 1924. O dr. Mário Brant, secretário do Govêrno Melo Viana, de tão fecundas realizações, foi quem, como bom diamantinense, à guisa de hábil garimpeiro, descobriu o Mtro. Nunes, então prof. de Clarineta do Instituto Na-cional de Música do Rio, que para aqui veio afim de organizar o Conservatório, inaugurado em 1925, e do qual foi diretor até o fim da vida, 1934, ano em que nos deixou para sempre.

Antes do Conservatório Mineiro de Música e da Sociedade de Concertos Sinfônicos de Belo Horizonte, podemos asseverar, com grande pejo, não havia música em Minas Gerais, no sentido exato e rigoroso do vocábulo, salvo a música sacra que, no entanto, vai decaindo, devido ao prestígio sempre crescente da arte leiga.

Francisco Nunes foi, pois, o embaixador da música em nosso Estado e, artisticamente considerando, exclusivamente a êle somos devedores do feliz êxito que coroou, a um só tempo, a Sinfônica e o Conservatório.

O impulso que lhes imprimiu jamais se deterá, por isso que maravilhosa cidade de Belo Horizonte, "êste sonho louco tornado em realidade", caminha na estrada larga do progresso, com uma vertiginosidade incrível, para um futuro, próximo, de inimaginável deslumbramento.

E, por um imperativo sociológico, o progresso da música há de ser lhe paralelo, acompanhando-a nesse evoluir incessante e rápido, embalando-a com seus hinos e seus carmes.

E no meio de tôda esta harmonia o bendito nome de Francisco Nunes, indelèvelmente ligado à arte de Orfeu nestas paragens, será sempre lembrado como o de um pai amantíssimo, que herdou a êstes seus diletos filhos a Sinfônica e o Conservatório, o melhor de sua alma, a flor de seu gênio, o máximo de seus esforços, tornandose imortal, perpetuado nêles.

Se o acervo de suas composições não é maior, é porque o dinamismo de sua vida não o permitiu.

Quem conhecia de perto o Mtro. Nunes, via logo que estava em presença de um autêntico artista, tal o seu temperamento tão diferente do comum dos homens, misto de bondade e boêmia, incapaz da mais pequenina ofensa, nem mesmo em retribuição, e sentindo, no íntimo, que o mundo não lhe pertencesse, para reparti-lo em pedaços com os necessitados.

O artista possui, de feito, uma psicologia tôda especial; dá a impressão de que nunca nasce integralmente; só a metade de sua alma fica chumbada ao corpo; a outra metade paira em mundos mais elevados, de estrutura tôda outra; dai ser o artista, em linha de regra, tido e havido como excêntrico e anormal.

O Mtro. Nunes era de uma religião pouco conhecida, chamada Nova Jerusalém, que conta muitos adeptos no Rio de Janeiro; entre os jerusalemitas há vários músicos ilustrados.

Comprazia-se p maestro em ler as obras do célebre místico sueco Swedenborg, as quais só por si formam uma biblioteca variada e maciça, e que, apesar de rarissimas, possuía êle uma estante cheia delas. São alentados volumes e nem todos se dão ao trabalho de lê-los.

Pata aquilatar-se do valor dêsse monumento literário, bem como de seu autor, é bastante ponderar que Emerson, em seu livro "Super-Homens" coloca Swedenborg ao lado de Platão, Montaigne, Shakespeare, Napoleão e Goethe.

Diz Emerson : "Os escritos de Swedenborg constituem uma biblioteca suficiente para um trabalhador solitário e atlético; e a "Economia do Reino Animal" é um dêsses livros que, pela dignidade do pensamento, são uma honra para o gênero humano".

Nesse livro citado por Emerson, o sábio místico via a natureza "enrolar-se em tôrno de uma espiral eterna, com rodas que nunca param e eixos que jamais rangem".

São, ainda, palavras de Emerson : "A intuição moral de Swedenborg, o modo por que corrige os erros do povo, a exposição de leis eticas, põem-no fora de comparação com qualquer escritor moderno, e lhes dão direito a um lugar, vago desde há séculos, entre os legis1adores da humanidade".

Basta isso para depreender se que ler o célebre filósofo escandinavo, é enriquecer de incomputáveis tesouros a arca santa dos conhecimentos, e forrar de veludo e seda o coração, como aconteceu com o saudoso maestro Francisco Nunes, que, regamos, de lá do outro lado da vida, faça jorrar sôbre nossas almas torrentes e torrentes de inspiração e harmonia, para que possamos glorificá-lo tanto quanto merece.

Abençoados aquêles que em sua passagem pela crosta terrestre lançam raízes vivazes, que se prolongam indefinidamente pelos tempos além.

ç VOLTAR

OUTROS ESCRITOSè

Página Inicial

Crônica

Biografia

Músicas

Poesias

Escritos

Discussão

Clique aqui para ouvirFLAUSINO tocando "Batuque"GRAVAÇÃO de 1924

Composições de Flausino Vale