VERSIONES 14/15

Año del Buey - Junio/Julio - Agosto/Setiembre de 1997


Director, editor y operador: Diego Martínez Lora.
Versiones se elabora desde la ciudad de Vila Nova de Gaia, Portugal


Renato de Caldevilla:
Sinhá Iabá e outros poemas(*)

Versiones divulga el Breve apontamento y tres poemas del nuevo libro de Renato de Caldevilla Sinhá Iabá e outros poemas que aparecerá en los próximos meses en Portugal. Su libro es auspiciado por el Jornal de Matosinhos


Breve apontamento

Não quereria deixar de referir este breve apontamento sobre a obra poética que trago a público, cuja primeira parte do livro, teve origem no meu contacto brasileiro com diversos acontecimentos relacionados à Umbanda e ao Candomblé, a formas religiosas de procedência africana, cujas práticas se dão apenas entre iniciados. Tendo origem nos golfos da Guiné e de Angola, zonas que forneceram escravos ao Brasil, estes cultos reverenciam «ORIXÁS», deuses habitantes do mundo astral e que, quando chamados, auxiliam o homem em seus desígnios.

Como forma espírita de contacto com entidades de outros mundos a consubstancialidade poética encontrada em tais figuras, não só constituiu uma tentação para a transmitir aos leitores, como uma homenagem à abertura do espírito dos nossos irmãos brasileiros à práticas esotéricas da infindável e inacabada procura do homem das fontes do bem e da justificativa do Mal, constantes filosóficas que preocupam uma transfigurada Humanidade, num afastamento cada vez maior dos caminhos que a levam à autodestruição provocada pela falta de uma Fé, cimentada num orgulho belicoso, fruto de inqualificáveis egoísmos.

A vida, o amor, a morte e o ódio, nada mais são do que situaçãoes abrangidas por estas práticas religiosas muito divulgadas no Brasil, constituindo o pano de fundo da primeira parte deste livro de poemas onde, «SINHÁ IABÁ» - «Senhora Mulher», representa uma das principais personagens, nos seus abrangentes cenários naturais, nas suas crenças com as entidades misteriosas e fascinantes desta filosofia afro-brasileira.

Tendo sido Jorge Amado, um dois principais difusores desta cultura, assim como Jorge de Lima, o grande poeta-cantor desta filosofia, tanto um, como outro, foram tocados pela mensagem onde o Bem se procura transmitir, com a ajuda de entidades astrais, numa manifestação poética que não me foi indiferente.

Como a natureza iniciática deste culto, seus segredos, o «eró», só podem ser transmitidos ao adepto pelo seu iniciador, durante longos anos de noviciado, resta-me desejar aos leitores uma viagem onde a benevolência das suas apreciações, seja favorecida pela vontade de se deixarem movimentar por metáforas e a Beleza das situações encontradas.

Os restantes poemas, embora separados estão, alguns deles, ainda priosioneiros da ideia inicial que deu princípio a este livro.

Espero ser perdoado nesta manifestação de liberalismo religioso, sobretudo no tocante a certos termos relacionados com o tema e de mais difícil compreensão mas, julgo que, pela sua abrangência e pelo sentido, eles possam traduzir-se numa jornada luso-brasileira a convergir na Beleza, pretexto que um poeta pretende transmitir.

Outrossim estou em tempo de agradecer ao «Jornal de Matosinhos» o ter oferecido esta edição, num gesto raro de incentivo cultural que me apraz registar:

O Autor.


MANDINGA

Por infinitos sons Ogum me chama através de atabaques percutidos as mãos morenas e nervosas de alma a esvanecer-se em lânguido quebranto pela chegada do irmão caboclo viajante do tempo sem ter horas embora dando real valor ao tempo pois nele tudo nos existe em tudo Convite formulado de uma prece ausente lume numa chama fria embranquecendo haurida aparição solene irmão caboclo de bangué com novas de Oxalá vivendo o Bem esfuziante em fumo de charuto impondo mãos às fontes doloridas Serena a noite encobre-nos Exus mandinga preto-velho a dar conselhos enquanto Saci pula de contente girando na tabanca a negra dança pelo chão espalhados os manjares e a cachaça enquanto pomba-gira não sei se negra ou índia se mulher mandinga-me o amor nunca alcançado


INDIA

Num surdo som escuto em água livre a cachoeira pelas pedras da memória trazer-me o vulto dessa Índia nua ebúrnea natural raio de sol cantando a natureza com os pássaros Se me adormece a consciência julgo-a cada vez mais em comunhão comigo buscando os peixes do ribeiro manso ante o espanto de vorazes sáurios e a devoção de a admirar de perto no mais pequeno gesto a estremecer-me Filtra-se em cores do arco-íris brando voga no ar como se pena fosse e dança nos terreiros leve e breve irmanando-se a espíritos de luz a Índia indo como Deusa indo Incompreendido estremeço e solto todo o desejo de voltar ao verde à cachoeira da memória em vão Restam-me ramos de apagado fogo


CABROCHA

Cabrocha linda distracção do corpo você me entende no seu meio sangue de índio e negra na maloca escusa tão natural no rir como no sexo tão fresca como o vento na sanzala batendo na brancura de seus dentes e remexendo em frevo as suas ancas os olhos prenhes de promessas quentes a esperança de ver o céu cair tão cansado de mortos sobre a terra cumprindo profecias de orixás pedaço de amazona e de azagaia perdidos na floresta tropical quem sabe se em meu corpo vos achei

V


(*)Renato de Caldevilla, poeta e jornalista português. Mora no Porto.