VERSIONES 18
Año del Tigre - Febrero/Marzo de 1998
Director, editor y operador: Diego Martínez Lora.
Versiones se elabora desde la ciudad de Vila Nova de Gaia, Portugal
A possível agressão
Se Tonho, o meu irmão mais velho, me explicasse convenientemente a trajectória de uma bala que lhe entrasse lateralmente pelo braço, por altura do músculo bíceps e voltasse a sair para se cravar no tronco de árvore do jardim; se ele fosse capaz de mimicar, em trejeitos de face, a dor que porventura sentiria com tal experiência, procurando suster o palavrão, a náusea, o irritante sentido de não ser real uma provação daquelas; se logo a seguir eu pudesse acompanhá-lo ao hospital, sentado a seu lado no banco da ambulância e explicar aos médicos da urgência, como premira o gatilho do revólver de nosso pai, com toda a frieza de um profissional pago para atingir alguém; se acabasse por dizer ao polícia a registar os casos de agressões e de plantão em qualquer hospital que ele não me poderia prender por eu ser menor, irmão da vítima e que tudo só tinha ocorrido daquela maneira porque vira na televisão um actor gordo fazer aquilo a um bandido que lhe assaltara a casa, sendo a cena virtual, como a minha audácia para atirar no Tonho; se acrescentasse à minha informação que amava o agredido e apenas esperava dele uma explicação sobre a dor que a bala provocaria ao atravessar-lhe o braço, local por mim escolhido por saber não ser letalmente perigoso, apenas deixando uma ligeira cicatriz quem mais tarde serviria de tema para conversas idiotas; se dissesse a meu pai que não se irritasse por ter deixado o revolver num local acessível, que eu tivera o cuidado de tudo realizar com premeditação, é certo, mas com a certeza de que a minha vítima não correria perigo de maior, tomando eu posteriormente um arrependimento cheio de remorsos, mas de curiosidade satisfeita o que é natural numa criança; se, a pesar de tudo isso, suportasse um exemplar castigo do autor dos meus dias e o aceitasse como uma justa reacção numa circunstância daquelas, admirando-me de ele não ter agido, quando jovem, da mesma forma com o meu tio que eu detestava por ser muito convencido conquanto superficial, além de inveterado noctívago frequentador de casinos; se, como castigo me internassem num reformatório, junto de outras crianças muito mais vividas e perversas, prováveis correios de droga, donde sairia mais tarde, marcado por vícios que jamais imaginara possíveis; se no meio de tudo aquilo tivesse por parte de minha irmã Dulcineia, uma atitude de compreensão e apoio quando me viesse visitar ao reformatório, levando-me as revistas de banda desenhada mais do meu agrado e uns rebuçados também; se a minha mãe me amaldiçoasse, porquanto tenho a convicção de que gosta muito mais do Tonho do que de mim e deixasse de me falar, votando-me a um isolamento deprimente e aborrecedor, incomun nem apropriado para uma mãe que se preze; se eventualmente viesse a formar no futuro uma quadrilha com os meus colegas do reformatório, fundando um banco ou uma companhia de seguros, as melhores opções para podermos roubar toda a gente com uma impunidade garantida; se nessa altura viesse a convidar o Tonho para administrador-delegado de uma dessas instituições, fazendo-lhe ver não existir qualquer espécie de ressentimento e provando à nossa mãe se ela ainda fosse viva, como eu gostava do Tonho e lhe oferecia toda aquela confiança para gerir o dinheiro dos outros; se arranjasse também um lugar para a minha irmã, provavelmente em ligação com o estrangeiro, por saber falar e escrever correctamente o inglês e o alemão, além de um pouco de castelhano, língua tão usual como o fora há muitos anos atrás quando ainda pertencíamos ao reino de Leão e esboçávamos uma independência, tão contrária aos nossos interesses doutrora; se o nosso sucesso fosse de tal ordem que suscitasse a cobiça dos enormes grupos financeiros do resto do mundo, a tentar comprar-nos acções que lhes dessem o domínio das nossas empresas; se todo este jogo de monopólio viesse a transformar-se num império internacional, com vantagens múltiplas nos Estados Unidos da América e Japão o que decerto me obrigaria a receber lições de língua nipónica, assim como de toda a etiqueta e salamaleques necessários para se lidar com tal gente; se o nosso futuro poderio viesse a prejudicar-me, levando-me de novo a utilizar uma arma, uma intriga, uma espúria mentira a prejudicar alguém sem que por mim passasse uma nobre ideia de tudo isso abjurar, lembrando a dor que impusera ao Tonho quando lhe disparara o revólver no braço; se tudo isso se concretizasse, haveria bons motivos para se viver num sentido de expressão mais lata.
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Depois de verificar o carregado tambor do revólver, sobre a minha carteira de estudo, olho pela janela o meu irmão, entretido a ler uma revista Playboy. Remexo na arma, estico o braço, fecho um dos olhos impondo a visão do outro sobre a alma da mira.
Sinto, contudo, a vertigem da minha imaginação, efectuar um ligeiro recuo.
Acabo por guardar na gaveta de onde a tirei aquela arma, procurando colocá-la no coldre, por forma que o meu pai não venha a dar por nada.V
(*)Renato de Caldevilla, jornalista e poeta português. Mora no Porto
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