TECNOLOGIA: Existe um fenómeno mundial ?
O final da IIª Guerra Mundial, na década de quarenta, fez acelerar a tendência que já então se começava a fazer sentir. O avanço tecnológico não tem país !
Para melhor se entender a situação de então, necessitamos de citar dois factos de índole científica que então se destacavam. Por um lado, o desenvolvimento da energia nuclear a partir da Europa, que levou, no final da guerra, a uma verdadeira "caça às cabeças ", nomeadamente às cabeças alemãs e judaicas, quer pelos russos quer pelos americanos, e mais tarde, em 1948, a descoberta do efeito transístor que iniciou a época, que se tem desenvolvido cada vez mais, da miniaturização dos aparelhos que utilizamos todos os dias.
Mas recuemos uns tempos. Há alguns anos atrás, num seminário em que tive possibilidade de participar, foi apresentado por alguém, de que infelizmente não guardo o nome, um esquema que relacionava a evolução temporal das grandes descobertas, através de uma escala que comparava a idade da terra com a duração actual de um dos nossos anos. E a imagem era espantosa. Começando a escala, isto é o ano, com o aparecimento do homem na terra, a escrita só surgia em Outubro, se a memória não me atraiçoa, e toda a sucessão de acontecimentos importantes que marcam a nossa era, na área das descobertas científicas, sucediam-se nas últimas horas do ano. Com isto pretendia o autor salientar o acumular cronológico dos acontecimentos. Mostrava desta maneira o correr do tempo cada vez mais rápido.
Compartilho a opinião perante a qual os acontecimentos tecnológicos, talvez mais do que as descobertas científicas, surgem numa escala exponencial. Isto é, como num carrossel em que o movimento puxa o movimento, também o desenvolvimento tecnológico faz-se de um modo tal que se verifica uma espécie de vertigem que impede distinguir os factos uns dos outros. Esquecemos rapidamente a situação que se vivia ontem perante a situação que se vive hoje. Tome-se por exemplo o desenvolvimento das comunicações telefónicas móveis. Há dez anos atrás surgiram os primeiros telefónicos móveis, pesados, de relativamente grandes dimensões, que eram utilizados exclusivamente em automóveis. Posteriormente as suas dimensões diminuíram, transformando-se então em utensílios transportáveis, apesar de um peso relativamente elevado. E a evolução continuou até hoje, em que as suas dimensões não diferem muito das de um envelope, o seu peso fica-se pelas poucas gramas e a sua autonomia permite, através da ligação a satélites, a sua utilização em qualquer parte do globo terrestre. E isto é a situação hoje, já que ninguém arrisca vaticinar sobre o que se vai passar amanhã.
Mas para além destas questões temporais do desenvolvimento científico e tecnológico, que originam que pessoas menos preparadas continuem a não acreditar em muitos dos factos que nos são apresentados ( como exemplo, bastará ouvir as opiniões de muitos portugueses que continuam, hoje, a afirmar que o homem nunca foi à lua ), outra questão que julgo tão pertinente como a anterior coloca-se no que se refere à expansão geográfica da tecnologia. Isto é, qual a influência do desenvolvimento tecnológico nas diferentes regiões da Terra e se existe e qual é o contributo desse desenvolvimento na melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes.
O rápido desenvolvimento daquilo que se transformou um lugar comum designar por sociedade da informação, origina que noticias que há pouco tempo atrás levavam muitas das vezes anos(não estou a exagerar) a chegar ao nosso conhecimento, hoje estejam disponíveis praticamente no momento em que ocorrem. E a questão não se coloca apenas na rapidez da divulgação mas também e essencialmente na disponibilização do conhecimento e na sua partilha. É que esta veloz disseminação não implica uma maior democraticidade no seu acesso e diversos problemas se colocam. Apenas abordarei, aqui, alguns deles.
Uma primeira questão a colocar é a de saber qual a percentagem daqueles para quem pode ser relevante a rapidez do conhecimento da inovação tecnológica.
Um relatório recente sobre o Desenvolvimento Humano de 1999, divulgado pelo programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, acentua que e o mesmo relatório acrescenta " mesmo que os sistemas de telecomunicações estejam instalados e acessíveis, sem alfabetização e sem conhecimentos informáticos básicos, as populações terão reduzido acesso à sociedade em rede". É o caso da Internet, para a qual é definido um utilizador típico : homem, com menos de 35 anos, com formação universitária, urbano e falando inglês. Bastará pegar neste último parâmetro para verificarmos o grupo a que ficamos reduzidos. Apenas 10% da população mundial fala inglês. Para termos uma dimensão mais concreta do problema bastará atentarmos que, em 1998, quase 90% dos utilizadores da Internet moravam nos países industrializados onde moram menos de 15% da população mundial, e que metade dos utilizadores vive nos Estados Unidos onde apenas habitam 5% da população mundial. Será caso para afirmar que perante a informação todos são iguais mas alguns são mais iguais que outros.
Uma segunda questão é a de saber qual a influência da inovação tecnológica nas condições de vida das populações. Saber se todos são tocados por essa inovação e se a influência que o desenvolvimento tecnológico exerce naqueles que a recebem é relevantemente positiva.
Socorrendo-nos outra vez do relatório da ONU, atrás referido, podemos afirmar que " o hiato entre os que têm riqueza e os que não têm, entre os que têm conhecimento e os que não têm, está a aumentar". Refira-se que a disparidade da distribuição da riqueza é tal que os três maiores multimilionários do mundo possuem bens de valor superior ao conjunto do Produto Nacional Bruto de todos os países menos desenvolvidos e consequentemente dos seus 600 milhões de habitantes. E esta diferença de posse de bens reflecte-se também claramente no acesso à tecnologia. Por um lado porque os países mais ricos são aqueles que têm acesso a melhores estruturas educativas e por outro, ou como consequência desta facilidade de acesso á educação, são aqueles que desenvolvem melhores estruturas de Investigação e Desenvolvimento, absorvendo inclusivamente as "cabeças" que eventualmente surjam nos países mais pobres.
Desta maneira penso que a situação, ao contrário de algumas opiniões optimistas, tenderá a agravar-se já que todo os fenómenos da globalização se colocam ao serviço das economias desenvolvidas procurando o alargamento de mercados, provocando o aumento dos proveitos de alguns e consequentemente o desnível entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos aumentará. Hoje com a mobilidade existente é fácil deslocalizar indústrias. Hoje ao contrário de alguns anos atrás não podemos dizer que determinada marca é alemã, francesa ou italiana. À movimentação de capitais junta-se a movimentação física das empresas desinstalando unidades num país e instalando-as noutro com condições financeiras mais favoráveis. E isto que poderia trazer consigo a movimentação do conhecimento, transferindo-o dos países mais ricos para os mais pobres, normalmente traz isso sim consigo efeitos perversos muitas das vezes incontroláveis.
Senão vejamos, a instalação de muitas indústrias em países do extremo oriente, que não o Japão naturalmente, por parte de investidores europeus e americanos tem como fundamento não só a mão de obra mais barata mas também a permissividade por parte dos governos desses países sobre as questões ambientais, situação cada vez menos possível nos países ocidentais. Deste modo o presente do aumento do emprego e da possibilidade de entrada de novas tecnologias, comporta o veneno da destruição das condições de vida.
Não gostaria de terminar esta reflexão, com pessimismo ou com cenários de algum modo apocalípticos, na altura em que findamos o milénio. Acredito que a humanidade está numa fase de renovação, da qual a evolução tecnológica é um dos múltiplos exemplos, e que de algum modo esta fase exige uma maior intervenção de todos os que dela têm consciência. E da qualidade da nossa intervenção dependerá em grande parte o futuro.