Música: Les Barricades Mytersieuses, de F. Couperin
O sacrifício pelo livre pensar
Filipe Bruno nasceu em Nola, Itália, em 1548. O nome com que ficou conhecido, Giordano, lhe foi dado quando, ainda
muito jovem, ingressou no convento de São Domingos, onde foi ordenado sacerdote, em 1572.
Mente inquieta e muito independente, Bruno teve sérios problemas com seus superiores ainda quando estudante no convento. Sabemos
que já em 1567 um processo foi instaurado contra ele, por insurbordinação, mas Bruno já granjeara admiração por seus dotes intelectuais,
o que possibilitou a suspensão do processo. Era tão séria a largueza de visão de Bruno quanto aos defeitos do pensamento intelectual de sua
época, que em 1576 teve de fugir de Nápoles para Roma devido à peseguições de toda espécie e, depois, para a Suíça, onde freqüentou ambientes calvinistas, que logo abandonaria julgando o
pensamento teológico dos protestantes tão restrito quanto o dos católicos.
A partir de 1579, Bruno passa a viver na França, onde atraiu as simpatias de Henrique III. Em meados da década seguinte, Bruno vai para a Inglaterra. Mas logo ele entra
em atrito com os docentes de Oxford. Vai, então, depois de um curto período de retorno à França, para a Alemanha luterana. Após um período de vivência no meio dos
seguidores de Lutero (de onde seria expulso posteriormente), Bruno parte para Frankfurt, onde publica sua trilogia de poemas latinos. Recebe um conviente (que lhe seria
fatal) para ensinar a arte da memória ao nobre (na verdade, um interesseiro ) veneziano João Mocenigno. Assim, selando seu destino, Bruno parte para a Itália em 1591. No mesmo ano, Mocenigno (que esperava
aprender as artes da magia com Bruno) denuncia o mestre ao Santo Ofício.
No ano seguinte, começa o dramático processo contra Bruno, que se conclui com sua retratação. Em 1593, é transferido para Roma, onde é submetido a novo processo. Depois de extenuantes
e desumanas tentativas de convencê-lo a retratar-se de algumas de suas teses mais básicas e revolucionárias pelo método inquisitorial, Bruno é, por fim, condenado à morte na fogueira, em 16 fevereiro de
1600.
Giordano Bruno morreu sem renegar seus pontos de vista filosófico-religiosos. Sua morte acabou por causar um forte impacto pela liberdade de pensamento em
toda a Europa culta. Como diz A. Guzzo: "Assim, morto, ele se apresenta pedindo que sua filosofia viva. E, desse modo, seu pedido foi atendido: o seu julgamento se reabriu, a
consciência italiana recorreu do processo e, antes de mais nada, acabou por incriminar aqueles qua o haviam matado".
A Filosofia de Bruno
A característica básica da filosofia de Giordano Bruno é a sua volta aos princípios do neoplatonismo de Plotino, e ao hemetismo da Europa pré-crstã, notadamente nos
trabalhos que conhecemos como "O Corpus Hermeticum".
Nos primeiros séculos da era imperal romana durante o desenvolvimento do movimento cristão, veio à tona uma surpreendente literatura de caráter filosófico-religioso, cujo traço de
união era, segundo seus autores, as revelações trazidas po Thot, o deus escriba dos egípcios, que os gregos identificaram com Hermes Trismegisto, de onde o nome de literatura hermética. Parece que
o Thot egípcio foi, realmente, uma figura religiosa histórica real que o tempo se incubiu de envolver nos véus da lenda. Seja como for, temos conhecimento desses escritos filosófico-religiosos que remontam à
tradição inicada pelo movimento de Thot-Hermes, e que nos chegaram, em parte. O suporte
doutrinário dessa literatura, segundo Reale e Antiseri (1990), é uma forma de metafísica inspirada em fontes do medioplatonismo, do neopitagorismo, da tradição de Apolônio de Tiana, e do
nascente neoplatonismo. A iluminação pessoal, com a conseguinte salvação da alma, segunda esta doutrina, depende do grau de conhecimento (gnosi) e maturidade a que chega o homem em sua luta por
compreender o porquê da existência terrena, que é a ante-sala do mundo supra-sensível, além do plano físico. Em virtude da
profundidade destes escritos, alguns pais da Igreja (Tertuliano, Lactâncio e outros), consideraram Hermes Trismegsito um tipo de profeta pagão anterior e preparador
dos ensinos de Cristo, embora esta história tenha sido abafada pelo fanatismo católico posterior da Idade Média. Resgatando parte desta tradição, Bruno se coloca na trilha dos
magos-filósofos que ressurgiram na renascença, que, embora procurando manter-se dentro dos limites da ortodoxia cristã, leva-o às últimas consequências. O
pensamento de Bruno é gnóstico em essência, profundamente mesclado ao pensamento hermético e neoplatônico que o sustenta. Ele conduz a magia renascentista
às suas fontes pré-cristãs e as demonstra serem tão válidas e ricas quanto a cristã, tendo, inclusive, o mérito de se enriquecerem mutamente. É necessário aceitar o diferente, segundo Bruno,
com suas riquezes e pontos de vista complementares ao modo de ver do mundo cristão. Bruno, tal como antes fizera Plotino, considerava a religiosidade
pré-Cristã uma forma de exercício para uma vivência plena, mística e direta com o Uno. Isso foi fatal para Bruno, que surgiu uma época de extrema intolerância
relgiosa ( e que - sejamos honestos - ainda perdura de forma sutil e ainda mais cruel na Igreja Católica, como no exemplo da condenação da Teologia da Libertação e de seus formuladores, como Leonardo Boff, e no falso discurso ecumênico que esconde interesses políticos, em
que é cegamente seguida por sua filha pródiga: o universo das igrejas e seitas evangélicas), e que
buscava no hermetismo um refúgio à cegueira fanática da inquisição. E Bruno vem à tona pregando um reconhecimento da herança pagã antiga e da liberdade de pensamento filosófico-relgioso, o que,
por si, era uma ameaça e uma atitude por demais revolucionárias para serem suportadas pelo poder de Roma.
O pensamento de Bruno era holista, naturalista e espiritualista. Dentre suas idéias especulativas, destacamos a percepção de uma sabedoria que se exprime na ordem natural, onde todas as coisas, quer tenhamos idéia ou
não, estão interligadas e se interrelacionam de maneira mais ou menos sutil (holismo); a pluralidade dos mundos habitados, sendo a Terra apenas mais um de vários planetas que giram em volta de outros
sistemas, etc. Por tudo isso, por essa ousadia em pensar, Bruno - que estava séculos adiante de seu tempo - pagou um alto preço. Mas sua coragem serviu de estopim e incentivo ao progresso científico e
filosófico posterior.
Bibliografia:
Reale, G. & Antiseri, D. - História da Filosofia, Volume II, Ed.Paulis, São Paulo, 1990.
Yates, F. A. - Giordano Bruno e a Tradição Hermética, Ed. Cultrix, São Paulo, 1988.
Espiritualismo Ocidental
A Psicologia Transpessoal
O Holismo
Plotino e o Neoplatonismo
João Pessoa, Paraíba, 16/10/1997.
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