Dependência e relatividade

artigo de Carlos Chagas

publicado no jornal Tribuna da Imprensa em 02/03/2000

BRASÍLIA - Conta o folclore que quando Albert Einstein veio ao Brasil, na década de 30, os "Diários Associados"
destacaram um jovem repórter para acompanhá-lo. Era
Austregésilo de Athayde, que já ensaiava os primeiros passos na literatura.

Depois de uns dias cumprindo fielmente suas funções, o
jornalista criou coragem e passou-lhe alguns textos de sua
autoria, dizendo tratar-se de algumas idéias inovadoras que
tivera. Recebendo com delicadeza o material, Einstein não
evitou o humor que caracterizava suas reações: "Que beleza,
o senhor teve diversas idéias inovadoras. Eu só tive uma..."

O gênio da Presidência

A história se conta a propósito da realidade que vivemos.
Quantas propostas destinadas a mudar o mundo terá tido o
gênio da sociologia que hoje nos governa? Dezenas? Talvez
centenas, todas postas em prática durante o seu já
prolongado governo: inserir o Brasil no Primeiro Mundo
através da adoção do modelo econômico vigente no
Hemisfério Norte; rever as noções de soberania e de estado
nacional em favor da subordinação de nossas instituições aos
interesses hegemônicos da superpotência única que domina o mundo; internacionalizar a economia por meio da entrega de nossas empresas públicas ao capital estrangeiro, quer dizer, privatizar o conjunto erigido às custas do trabalho de todos; abrir as fronteiras ao capital predador e especulativo
externo, multiplicando as dívidas como sinal de poder; aceitar as barreiras alfandegárias dos países ricos à exportação de nossos produtos e escancarar-nos para todo o tipo de exportações alienígenas. E outras.

Há, no entanto, quem imagine que, à maneira de Einstein,
FHC só teve uma idéia inovadora, até hoje: estabelecer a
Teoria da Dependência. Melhor dizendo, acabar com o Brasil.
Tanto faz em que corrente cada um se situe, porque dá no
mesmo (mesmo sendo um Roberto Campos).

A verdade é que dois mandatos para um presidente assim
constituem um risco dos diabos. Porque pode dar certo.
Ninguém garante que, a 31 de dezembro de 2002, o Brasil
ainda exista como nação. Poderá ter-se evaporado,
desaparecido como entidade autônoma, no afã de imitar os
poderosos.

Exemplos que não são seguidos

Só que com uma ironia: os países ricos nos impõem essas e
outras preciosidades inovadoras mas são aqueles que mais
cultivam as respectivas soberanias e melhor estruturam os
interesses de seus estados nacionais. Vá um japonês tentar
importar para o seu território um grão de arroz que seja,
sequer para exposições agrícolas e museus de História
Natural.

Será preso e condenado em 15 minutos, sem apelação,
porque uma das exigências do estado japonês, para
continuar a existir, é a de poder produzir em seu território a
alimentação indispensável a manter sem dependência externa
a sua população.

Na Comunidade Européia, pense algum governante em
eliminar subsídios agrícolas e pecuários para ver o que
acontece. Deixará de ser governante em tempo até inferior.
Só para citar o terceiro ângulo desse triângulo de poder:
perderá as eleições, nos Estados Unidos, aquele que se
apresentar sustentando a derrubada de suas barreiras à
importação de produtos do Terceiro Mundo. Sobretaxar para garantir a hegemonia e impedir a concorrência é o principal mandamento econômico dos americanos.

Tem saída? Pode ser, desde que o nosso Einstein caboclo se
disponha a revogar suas idéias. Porque tempo para esperar
as próximas eleições presidenciais não há. Seria preferível
aguardar novas eleições e escolher quem dispuser de outro
elenco de idéias, como por exemplo a de recuperar o estado
e a soberania brasileiros. Só que a ameaça é muito grande.
Poderemos não conseguir chegar lá antes da desagregação
ou da explosão definitiva.

Outra alternativa: interromper o processo em curso e fazer
prevalecer a lógica das coisas, que é nossa sobrevivência
como nação. Cada um que tire suas conclusões, mas não se
imagine essa hipótese como simples devaneio de véspera de
Carnaval. Cada dia que passa transforma-se num anseio,
talvez numa determinação. Porque a dependência de um
exprime a relatividade do outro. Quando vira submissão e
ameaça torna-se extinção, não pode permanecer. E um bom
1º de Maio para todos, mesmo faltando tanto tempo para o
dia que, sendo do Trabalho, poderá também ser da
Libertação.

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