Instituições importantes falam sobre a Marcha dos 100 Mil: CNBB, OAB e Senado
Editorial político do jornal Tribuna da Imprensa, de 28 de agosto de 1999
Excertos
CNBB: FH precisa ouvir o povo e rever a política econômica
BRASÍLIA - O presidente da Conferência Nacional dos Bispos
do Brasil (CNBB), dom Jayme Chemello, afirmou, ontem, ao fazer
uma análise da Marcha dos 100 Mil, que o governo precisa
"ouvir o povo" e rever a política econômica. O
presidente da CNBB afirmou que o povo brasileiro não votou em um
modelo econômico sem distribuição de renda e emprego, em
encontro com o principal coordenador do Movimento Nacional dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile.
Stédile disse que os militantes de movimentos sociais e de
partidos de esquerda marcharam contra a política econômica. Dom
Jayme afirmou ainda que o presidente Fernando Henrique Cardoso
precisa dialogar mais com quem o elegeu para rever o modelo
econômico e criar uma política social. "Quando surgiu o
real o povo recebia mais dinheiro", disse dom Chemello,
"e, agora, o dinheiro evaporou".
A avaliação da Igreja Católica é que o número de
manifestantes que participou da marcha surpreendeu a todos. Dom
Jayme disse que a marcha só não contou com mais integrantes
porque muita gente ainda não acredita em manifestações
populares e outros não têm condições para sair do seu estado
e protestar em Brasília. "Se o povo achasse que a marcha
fosse resolver e tivesse dinheiro", disse dom Jayme,
"viriam entre 10 milhões e 15 milhões de pessoas para
Brasília".
A CNBB defende uma revisão do processo de privatização e de
impostos que não estão cumprindo a função social. Dom Jayme
disse que a área de saúde "não sentiu" a criação
da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
(CPMF) e a população está pagando caro por serviços que não
apresentam melhorias. "O telefone não melhorou",
afirma.
Dom Jayme acredita que governo e Congresso ainda não encontraram
formas para melhorar a vida da população. O presidente da CNBB
defendeu reforma política e tributária para introduzir mais o
conceito de ética na política e aliviar a carga de impostos que
o povo paga. "Você entende que um banco contribua com
impostos menos que 1 quilo de macarrão?" - questionou o
bispo.
Stédile disse que a marcha vai forçar o governo a rever a política econômica para gerar mais empregos e fazer uma reforma agrária mais ampla. Stédile disse que o MST vai propor uma "paralisação nacional", quando a marcha dos sem-terra chegar a Brasília, no início de outubro. A CNBB analisa a possibilidade de apoiar a manifestação, que consistiria em paralisar toda a produção nacional por um dia, quando seriam realizados protestos em todo o País. "Nosso objetivo é parar o Brasil por um dia, para que todos os brasileiros façam manifestações contra a política econômica do governo" anunciou Stédile. O principal coordenador do MST afirmou que a marcha representou "um marco da união dos movimentos populares de massa no Brasil". Stédile acredita que surgirão novos líderes de oposição a partir da luta por melhores condições de vida.
Dom Jayme disse que a paralisação será discutida pela CNBB.
"Uma parada de reflexão", disse ele. O presidente da
CNBB declarou que as autoridades que formulam a política
econômica no Brasil deveriam viajar mais para ver a situação
de "angústia em que vive o povo. Eu já visitei todos os
assentamentos e todos os bairros de minha cidade", informou.
Presidente da OAB diz que FH só não muda rumos se for surdo
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Reginaldo
de Castro, afirmou, ontem, que, após a Marcha dos 100 Mil, ato
de protesto realizado em Brasília, na quinta-feira, "o
governo só não tomará medidas no sentido de atender às
demandas sociais da população brasileira, se for surdo e
insensível". Castro lembrou que é preciso encontrar um
ponto em que a questão social seja atendida, "sem criar
incompatibilidades para o País, no plano internacional".
Ele acredita que há limite para o sacrifício da população, em
função do atendimento a nossos credores externos.
"O governo já ultrapassou este limite e está deixando os
credores satisfeitos, mas não a sociedade brasileira, que paga a
conta, contrariada, e sem ver atendidas suas demandas
sociais", ressaltou. Segundo o presidente da OAB, que mora e
advoga em Brasília desde a fundação da cidade, há 39 anos,
protestos como estes são saudáveis, positivos para a democracia
e deveriam ocorrer com mais freqüência, para que "a elite
brasileira ouça o que o povo fala e sente".
Castro lembra-se de ter visto poucas manifestações desse porte em Brasília, "mas elas deveriam acontecer porque tiram a Capital do isolamento geográfico, e obrigam os governantes a ouvir a voz da sociedade civil". "Gostaria de ver gente na rua desse jeito pelo menos 10 vezes por mês".
Senadores aliados apelam para FH atender protesto
BRASÍLIA - Senadores aliados fizeram, ontem, apelos para que o presidente Fernando Henrique Cardoso dê atenção ao protesto dos que participaram da marcha de quinta-feira e priorize as questões sociais do País. O senador Pedro Simon (PMDB-RS) propôs, em plenário, que o presidente reúna a equipe "para traçar uma política social séria de combate à pobreza". Para Simon, o ato foi "uma prova de democracia altamente positiva".
"Hoje, existe uma página em branco na frente de Fernando
Henrique", afirmou. "Que ele escreva nessa página
quais serão os rumos do governo, na segunda-feira". O
senador defendeu a possibilidade de o presidente mudar os rumos
da economia, que considera "fruto da insensibilidade da
equipe econômica do governo e dos tecnocratas".
Segundo ele, Fernando Henrique deve reunir-se com pessoas mais
sensíveis às questões sociais, como o governador de São
Paulo, Mário Covas (PSDB), o secretário-geral da Presidência
da República, Aloysio Nunes Ferreira, e o ministro-chefe da Casa
Civil, Pedro Parente. "A equipe econômica pode até
participar, mas só se for para ficar calada, para ouvir
apenas".
No entender de Simon, a marcha foi um sucesso, não apenas pela tranqüilidade, mas também pela decisão da oposição de, segundo ele, abandonar a idéia de defender a renúncia do presidente da República. Na sua opinião, a manifestação mostrou que "há muita gente magoada com o que está acontecendo e que há necessidade de mudar". Também o senador Carlos Patrocínio (PFL-TO) afirmou que "os manifestantes quiseram chamar a atenção das autoridades constituídas para uma série de dificuldades pelas quais passa o País". Segundo ele, "os parlamentares têm de ficar atentos e aplaudir as manifestações que têm extratos, repelindo aquelas de cunho meramente ideológico". O alerta ao governo partiu igualmente do senador Romero Jucá (PSDB-RR). No seu entender, "a paz que cercou a marcha e a representatividade dos números obrigam o governo a fazer face a algumas reivindicações justas que foram colocadas". "A manifestação provou que alguns setores podem demonstrar sua insatisfação", defendeu. "Que os governantes podem democraticamente ouvir suas vozes, sem que haja abalo nas instituições".
ACM chama oposicionistas de subversivos
SALVADOR - Um dia depois da Marcha dos 100 Mil, em Brasília, na quinta-feira, o presidente do Congresso, senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), chamou, ontem, os membros dos partidos oposicionistas de subversivos, termo muito usado na época do regime militar. Ele fez a afirmação na inauguração de uma barragem, no Sertão Baiano.
"Disseram que levariam 100 mil na passeata do falso protesto; não conseguiram nem 10 mil", ironizou o senador, achando que, na inauguração da Barragem de Ponto Novo, tinha até mais gente que no protesto contra o presidente Fernando Henrique Cardoso. "Tem 50 mil aqui", disse. "Ontem (quinta-feira), os subversivos queriam gente de todo o Brasil, hoje (sexta-feira), em uma região da Bahia, vê-se essa multidão que compareceu para ver essa grande obra", continuou ACM, garantindo: "É de obra que o povo precisa".
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