Em defesa do MST

Artigo do jornalista Carlos Chagas, publicado no jornal Tribuna da Imprensa, do Rio, em 14 de outubro de 2000

BRASÍLIA - Que o Movimento dos Sem-Terra exagera, não há que duvidar. Fica difícil aceitar a invasão de prédios públicos urbanos, ainda que nada se deva opor a mobilizações defronte aos órgãos governamentais que deveriam cuidar e não cuidam da reforma agrária e de suas exigências. Também agride a visão assistir aos sem-terra brandindo foices e facões e ameaçando fazer reféns em seus acampamentos.

Agora, criticá-los e tentar puni-los por invadir propriedades improdutivas ou organizar passeatas de protesto, é um exagero, às vezes ainda pior. E muito pior fica quando se vê o governo mobilizar a mídia amiga e amestrada para denegrir o MST, que apesar de excessos eventuais exprime o grito de desespero de boa parte da população excluída, marginalizada e posta à mingua por conta de uma política elitista e voltada apenas para os interesses dos ricos e poderosos.

Cobrança natural

Ainda esta semana, uma violenta blitz atingiu o MST por causa do desconto que seus dirigentes fazem, de 6%, do total dos
financiamentos recebidos por alguns bissextos assentados. Qual a organização, seja sindical, cultural, esportiva, corporativa, religiosa e até política que não recolhe de seus associados o bastante para continuar atuando?

Até o PFL desconta dos seus deputados e senadores um porcentual dos vencimentos para manter sua sede e arcar com despesas variadas. Das igrejas evangélicas nem se fala, empenhadas numa linha direta de contribuições bem superiores ao que pagam os sem-terra.

Para freqüentar a sede social do Flamengo ou do Vasco, os associados pagam. Durante décadas pagou-se o imposto sindical,
descontado diretamente dos salários. Mesmo para participar das reuniões da Sociedade dos Amigos dos Gatos Cegos ou da
Associação dos Protetores dos Camarões Sem Barba é preciso abrir a carteira.

Por que apenas os integrantes do MST deveriam estar à margem da natureza das coisas? Acresce que a maioria dos financiamentos é de R$ 2 mil, quer dizer, 6% equivalem a R$ 120. Com o total das contribuições é que o MST organiza acampamentos e marchas, alimentando e possibilitando mínima assistência a quantos se dispõem a percorrer centenas de quilômetros a pé para fazer valer seus direitos.

Críticas cínicas

Acusar a direção do MST de desvio de dinheiro público por conta do desconto nos financiamentos é perfídia da boa. Desviar dinheiro público desviaram, sim, nas privatizações financiadas com recursos do BNDES. Ou para receber altíssimas comissões, como no caso das teles, que até levaram um de seus antigos gestores a gabar-se de ter amealhado US$ 500 milhões.

Dinheiro público foi desviado pelo Proer para salvar bancos falidos e ajudar banqueiros ladrões. Ou não era público o US$ 1,3 bilhão vendido abaixo da cotação do mercado ao mafioso Salvatore Cacciolla?

Nem se fala de certos e duvidosos auxílios à mídia amestrada e amiga. Os exemplos tomariam páginas e páginas de jornal na
demonstração de como se desviam recursos do Tesouro Nacional de forma muito mais gritante do que através do desconto de 6% sobre os financiamentos dos sem-terra.

Não é por aí que o governo conseguirá desmobilizar o MST, cuja extinção, afinal, parece a iniciativa mais fácil de todas: bastaria fazer a reforma agrária. Dar terra aos sem-terra deixaria João Pedro Stédile falando sozinho ou entrando para um convento.

Prêmio Pinóquio

Mais uma vez, ficamos chupando o dedo. Algum dia ainda receberemos o Prêmio Nobel. Qualquer um. Aliás, gente em
condições de ser laureada, tivemos e temos muita. D. Hélder Câmara, por exemplo, mereceria o Nobel da Paz muito mais do que um monte de premiados.  Aliás, ele foi indicado e teria ganho o prêmio se não fosse a interferência da Ditadura Militar junto com os EUA. E tem ainda Jorge Amado, como Nobel de Literatura. César Lates, no de Física. E quantos mais?

Existe um prêmio, porém, que a Academia Sueca ainda não criou, mas, quando criar, será obrigatoriamente nosso, sem concorrentes. É o Prêmio Pinóquio. Imaginem quem será o vencedor?

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