Além do Cérebro: / 01: Holismo; 02: A Psicologia Transpessoal; 03:Holismo x Mecanicismo;
04: A Física Moderna; 05: O Mecanicismo Econômico; Bibliografia
O Mecanicismo Econômico
por
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Música: I want Tomorrow, de Enya
A Economia como uma construção cientificista
"Vocês que fazem parte desta massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter de caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer."
Zé Ramalho, Admirável Gado Novo
Com o grande sucesso do pararadigma mecanicista das ciências físicas no século XVIII, todas as
demais disciplinas científicas - ou que buscavam ser reconhecidas como tais -, procuravam imitar desesperadamente os métodos empíricos
próprios da Física para, a partir daí, se mostrarem como válidas e representativas de fenômenos que seguiam um comportamento
"natural" e "previsível", possibilitando, pelo conhecimento racional e metódico, o seu "controle". Na verdade, o que se
procurava estabelecer era o prestígio destas ciências (entre as quais se incluem a Medicina, a Economia e, mais tarde, a Psicologia)
frente a uma humanidade que estava fascinada pelo modelo newtoniano de universo, que parecia explicar de forma
definitiva o funcionamento da natureza, e, então, quanto mais os cientistas conseguissem emular os métodos da física e
fossem capazes de usar conceitos muito parecidos com os conceitos desta ciência, mais elevado e mais aureolada com a presunção de
verdade seriam estas ciências aos olhos da comunidade acadêmica e científica.
Segundo o físico Fritjof Capra, esta tendência de usar a Física como modelo para teorias e conceitos científicos tornou-se
uma obsessão com uma série de desvantagens em muitas áreas, mas com conseqüencias por demais graves nas
chamadas ciências sociais (Economia, Ciências Políticas, Sociologia, etc.). Estas ciências não têm o mesmo estatus que,
por exemplo, a Física ou a Medicina, e ou seus teóricos tentam a todo custo adquirir a respeitabilidade destas adotando
o método cartesiano e os métodos tido como "objetivos", emprestados da física newtoniana.
Todos conhecemos como os gráficos baseados em coordenadas cartesianas, representativos da oferta e da procura são
tão caros aos economistas, juntamente com a utopia de um crescimento econômico continuo e perpétuo, embora não possamos
dizer o mesmo das noções de valores humanos ou recursos naturais. Entretanto, basta olhar para a situação do mundo em que
vivemos para "sacar" que o método de Descartes e o mundo de Newton quando aplicados
a estas ciências, como estrura básica, são inadequados para o estudo dos fenômenos que eles tentam descrever, deixando
de fora - como resíduo - talvez o que seja o mais importante - por exemplo, os valores de uma sociedade que inspiram seu comportamento
e visão de mundo. É impossível que ciências socias não leve em conta valores, simplesmente porque são os valores
que determinan as estratégias de comportamento individual e social, mas é exatamente isso o que ocorre
com a economia, instrumento muito útil na justificativa das estratégias e misérias do capitalismo. Nessa ciência esquece-se que a economia
é um dos aspectos de uma realidade muito mais ampla que compõe um sitema ecológico e social: um sistema vivo, inter-determinado,
composto de seres humanos em contínua interação e transformação, de recursos naturais (muitos dos quais não renováveis) e de seres vivos
de toda espécie e complexidade.
A extrema fragmentação da economia não é criticada de agora, mas os economistas mais lúcidos foram todos forçados
a colocarem-se à margem da "ciência" econômica acadêmica, evitando-se, assim, que os fenômenos econômicos fossem estudados em
sua realidade social e ecossistêmica, o que teria de levar a economia a entrar em contato com disciplinas como a Ecologia,
a Psicologia, a História e a Filosofia, não muito dadas a "conversa" matemática tão cara à economia. Desse modo, notáveis
pensadores econômicos como John Kenneth Galbrath e Robert Heilbroner são considerados sociólogos e Kennet Bouding como
filósofo. Karl Marx, ao contrário, recusava-se terminantemente a ser chamado de economista por saber que os
economistas na verdade - em sua maioria - são notáveis e criativos apologistas da ordem capitalista. Ele se considerava um crítico social;
aliás, o termo "socialista" designava, primariamente, todos os que não aceitavam a visão alienante dos economistas capitalistas.
Um outro aspecto da realidade factual dos fenômenos econômicos é a negligência da ordem dinâmica da economia. Em
sua natureza básica e complexa, os fenômenios econômicos são de espécie distinta daqueles que são objeto de estudo
das ciências naturais, e por isso, seguem uma lógica de comportamento diverso. Como expõe Capra, a física clássica (Mecânica)
aplica-se a uma gama bem definida e imutável de fenômenos naturais, mas a evolução, maturação e declínio de padrões econômicos
tendem a ocorrer num ritmo muito rápido. Basta lembarmos das várias facetas de crise e transformação da economia mundial só neste século. Os sistemas
econômicos, por serem sistemas complexos inseridos em sistemas ecológicos e sociais, estão em contínua transformação. É necessário,
pois, uma estrutura conceitual multidisciplinar para que possamos compreender as continuamente novas
situações.
Devemos ter claro em nossa mente - e sempre vamos repetir isso - que a evolução de uma sociedade - implicando também na evolução
de seu sistema econômico - ocorre atreleada a mundanças em seu sistemas de valores, o que implica na mudança de sua
visão, percepção e compreensão de mundo. Todo o saber e a cultura desta sociedade é, pois, enxarcada na concepção
de mundo - ou paradgima - que é típica de sua época. Uma vez expresso e aceito (conscientemente ou não) um conjunto de valores e
metas, estes estruturam as percepções (só interessam aquilo que diga respeito aos valores e metas determinados), guiando
a sociedade por um caminho definido. Hoje, vivemos sob a égida da cultura Norte-Americana, made for export. À medida
que o sistema de valores muda - frequentemente em resposta à crises e desafios -, surgem novos padrões e paradigmas que
questionam a visão anterior de mundo.
O estudo dos valores e da percepção de mundo é, pois, de estrema importância para todas as ciências, principalmente
as ciências sociais. "Os cientistas sociais que consideram 'não-científica' a questão dos valores e pensam que a estão
evitando estão simplesmente tentando o impossível. Qualquer análise 'isenta de valores' dos fenomenos sociais baseia-se no
pressuposto tácito (implícito) de um sistema de valores ( no caso, no valor "da objetividade" da ciência econômica )
que está implícito na seleção e interpretação de dados. Ao evitarem, portanto, a questão dos valores, os cientistas socias
não estão sendo científicos, porque negligenciam enunciar expliciatamente os pressupsotos inerentes a suas teorias. Eles
são vulneráveis à crítica marxista de que 'todas as ciências sociais são ideologias disfarçadas' " (Fritjof Capra, p. 182).
A economia é definida como uma disciplina voltada para o estudo da produção, distribuição e consumo de riquezas. Riquezes
para quem? Ora, vemos que o capital que poderia ser empregado nos meios de produção, aumentando a oferta de empregos, são,
na verdade, egoisticamente aplicados na especulação das bolsas. Apesar dos riscos, os lucros podem ser fenomenais e mais
rápidos do que se fossem aplicados na produção, com os encargos sociais decorrentes, considerados "despesas", e, portanto,
não lucrativas. Assim, de todas as ciências sociais, a economia é a que mais claramente depende de valores subjetivos. Seus
modelos e teorias se baseiam numa concepção de natureza mecanicista, onde o fator quantidade se destaca, e o qualidade nem
mesmo é falada. No nosso atual sistema "materialista" de valores, o "padrão de vida" (que seria um pressuposto de valor qualitativo)
é medido pelo montante de consumo anual. Ironicamente, em nosso Brasil do Real, um ex-professor de sociologia que, às
custas de uma inteligente estratégia de sedução coseguiu se eleger presidente, e que com ares de grande estadista agora só
visa vaidosamente manter o poder e à manutenção da própria imagem, usa cinicamente o exemplo de que os "pobres podem, agora, comprar mais dentaduras" como sinônimo
de que a quantidade vale pela qualidade, num país onde a saúde pública é cada vez mais sucateada - se não o fosse, haveria menos desdentandos - ou está nas mãos dos carteis dos planos
de saúde (geridos, em sua maioria, por médicos-empresários capitalistas), pouco ou nada se fazendo em prol de uma medicina-preventiva e onde a educação, real riqueza de um povo, é destruida e manipulada pelo detentores do poder.
Deveríamos começar a ser mais sensíveis a uma economia do "modo de vida correto", nos quais a finalidade seria a de realizar o
máximo de bem-estar humano com um padrão ótimo (no sentido de equilíbrio entre as necessidades individuais e coletivas)
de consumo. Um padrão que seguisse a máxima budista de "caminho do meio". Claro que isso implica em toda uma reedcação,
a começar pelos valores consumistas vinculados pela mídia, e uma volta ao estudo da ética, principalmente nas escolas e
universidades.
A obsessão em dotar a economia de valor científico ainda que maquiando muito mal os valores mecanicistas implícitos em si mesma levou
os economsitas a aderirem de modo doentio a um linguajar técnico. Essta tendência é muito forte nos EUA e nos países que
rezam por sua cartilha e que estabelece que todos os problemas possuem soluções técnicas claramente mensuráveis. Essa ênfase na quantificação
parece conferir uma aparência de ciência exata à economia. Mas, ao mesmo tempo, ela exclui distinções qualitativas inerentes
às dimensões ecológicas, sociais e psicológicas das pessoas que estão submetidas às conseqüências da visão mecanicista dos economistas;
eles "menosprezam completamente a pesquisa psicológica sobre o comportamento das pessoas ao adquirir renda - a não
ser se for para incrementar o consumo -, porque os resultados de tais pesquisas não podem ser integrados nas análises
quantitativas correntes" (Capra, p. 183).
A abordagem isolada dos economistas (eles negligenciam frequentemente as outras ciências sociais) e sua preferência
por modelos matemáticos abstratos e seu pouco caso pela evolução dinâmica da economia resultaram em que os técnicos
como os antigos escolásticos medievais, se fecham em castelos e monatérios - que podem ser universidades, departamentos ou repartições - e ficam sem querer
observar a enorme defasagem entre a teoria e a prática, pois, afinal, como pode uma estrutura teórica tão bem fundamentada
na matemática e no modelo cartesiano apresentar falhas? Segundo o The Washington Post, "ambiciosos economistas
elaboram elegantes soluções matemáticas para problemas teóricos com escassa ou nenhuma importância para as questões
públicas" (cit. in Capra, 1986, p. 184). Nem precisamos falar no desemprego avassalador causado por uma globalização
capitalista que visa única e exclusivamente ao lucro de quem já tem demais, e que é saudada com fogos pelos economistas ligados
a este sistema, em detrimento da população trabalhadora do grande maioria dos países, inclusive do chamdo
Primeiro Mundo.
Como nos fala com muita sabedoria os professores Antônio Houaiss e Roberto Amaral, precisamos questionar o
aparente triunfo final de tudo aquilo que contraria a história (e daí se dizer do fim da história):
a vitória tão falada do capitalismo, a partir da destruição do mundo socialista representado pelo comunismo do leste europeu;
mas a questão parece ser: não será a vitória de uma ideologia, de uma visão de mundo calculadamente construída,
que nega uma realidade gritante que a contradiz? Será que a grande miséria que vem ao lastro da globalização é uma
irrealidade? Não será que um dos pontos característicos principais desta ideologia não é o de negar e maquiar uma
realidade que é o oposto do que nos querem fazer acreditar, ou, em outras palavras, esta ideologia não constrói a sua "realidade"
numa forma de prevalecer o discurso sobre os fatos? Sendo estas proposições válidas, estamos falando então de alienação,
o instrumento mais efetivo de dominação, por implicar o controle do discurso e, conseqüêntemente, de modelação
de um paradigma que nos impõe uma forma de ver, perceber, gostar, e sentir a si mesmo, aos outros e ao mundo. O
mundo, suas respresentações, seus símbolos, o espelho de nossa auto-compreensão, submetidos a um conjunto de idéias
que nos querem impor como sendo a própria realidade... Por que o bem-estar tem de estar vinculado ao consumo e o fator
qualitativo ser sinônimo de quantidade? Acho que temos, pelo menos, o direito de pensar o porquê de o mundo estar, agora,
mais dividido nos fatos do que na teoria como nunca antes o foi... Pensar é, ao menos, possível, melhorar, uma necessidade.
"(...) O que os economistas precisam fazer com a máxima urgência é reavaliar francamente a sua base conceitual, cujas
vaiáveis e conceitos foram criados há centenas de anos e que já foram superados por mudanças sociais,
e recriar seus modelos e teorias fundamentais de conformidade com essa reavaliação. A atual crise econômica só
será superada se os economistas estiverem dispostos a participar da mudança de paradigma que está ocorrendo
hoje em todos os campos. (...) A substituição do paradigma cartesiano por uma visão holística
e ecológica não tornará as novas abordagens menos científicas, mas, pelo contrário, as fará mais compatíveis com as
novas conquistas das ciências sociais".
Fritjof Capra
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