Neoliberalismo X Humanismo, o quadro de uma Era

 

   

Agiotas globalizados


    Eles são satânicos. Alugam, compram, corrompem a imprensa, economistas, analistas, assessores e consultores, inventam e impõem palavras novas para tentar disfarçar velhos crimes deles contra a humanidade. Colonialismo virou imperialismo, depois mundialização e afinal globalização. Desde a Bíblia, agiotagem era usura. Virou banca, investimento financeiro, neoliberalismo agora é rentismo. Está todos os dias nos colunistas venais. Rentista é o agiota com a fatiota de patriota para enganar a patota idiota.

Sebastião Nery

    Esta página visa a divulgar algumas idéias lúcidas sobre a real crueza e o fascismo do neoliberalismo reducionista, materialista, alienador e imbecilizante, redutor do homem e de toda a natureza à uma mera engrenagem de produção e, principalmente, consumo. Engrenagem esta descartável como mero joguete de interesses egoístas de uma minoria de criminosos detentores do destino econômico global, submetidos que estamos involuntarimanete às regras "pragmáticas" do capitalismo em sua face mais monstruosa, pois livre de qualquer empecilho ou ameaça à sua ganância, cujos valores são outorgados de cima para baixo, de forma calculada, principalmente pela mídia conivente, especialmente a televisão rede-globalizada e mercantil de hoje.
Nesta página, alguns dos homens e mulheres mais brilhantes de nosso país (ainda que cinicamente 'avaliados' de outra forma - quando são citados - por veículos de propaganda e divulgação ideológica para-oficiais, como a revista Veja, por exemplo) nos brindarão com análises do que eles percebem  ser a neoliberal, entreguista e mecanicista era FHC.

Paulo Freire, o maior educador do país, reconhecido mundialmente (aliás,  mais pelo mundo que pelo Brasil):

(...) reinsisto em que formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas [técnicas] , e por que não dizer  também da quase obstinação com que falo do meu interesse por tudo o que diz respeito aos homens e às mulheres, assunto de que saio e a que volto com o gosto de quem a ele se dá pela primeira vez. Daí a crítica permanentemente presente em mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inexorável ao sonho e à utopia.

    Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quando me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo. Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar de observador imparcial, objetivo e seguro, dos fatos e dos acontecimentos (...). Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto do seu ponto de vista é possível que a razão ética não esteja com ele. O meu ponto de vista é o dos "condenados da Terra", o dos excluídos, o dos manipulados e o dos explorados, mesmo até quando usados, em sua ingenuidade, contra si mesmos (...).

    (...) Educadores e educandos não podemos, na verdade, escapar à rigorisade ética. Mas, é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética menor, restrita, do mercado, que se curvao bediente aos interesses do lucro. Em nível internacional começa a aparecer uma tendência [cômoda] em acertar os reflexos cruciais da 'nova ordem mundial', divulgados como naturais e inevitáveis. Num encontro internacional de ONGs, um dos expositores afirmou estar ouvindo com certa freqüência em Países do Primeiro Mundo a idéia de que crianças do Terceiro Mundo, acometidas de doenças como diarréia aguda, não deveriam ser salvas, pois tal recurso só prolongaria uma vida já destinada [por quem?] à miséria e ao sofrimento. Não falo, obviamente, desta ética. Falo, pelo contrário, da ética universal do ser humano. Da ética que condena o cinismo do discurso citado acima, que condena a exploração da força de trabalho do ser humano [não temos uma repetição de tudo isso em nosso próprio país, entre o rico sul e o pobre nordeste?], que condena acusar por ouvir falar , afirmar que alguém falou A sabendo que foi dito B, falsear a verdade, iludir o incauto, golpear o fraco e indefeso, soterrar o sonho e a utopia [boa parte dos meios de comunicação], prometer sabendo que não cumprirá a promessa (...) falar mal dos outros pelo gosto de falar mal. A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza e do puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por essa ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos crianças, jovens ou adultos, que devemos lutar (...).

    Outro Saber de que não posso duvidar um momento sequer na minha prática educativo-crítica é o de que, como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da idelogia dominante quanto o seu desmascaramento.(...).

    Do ponto de vista dos interesses dominantes, não há dúvida de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora de verdades [sendo assim, sucateiam a escola pública e cantam a escola do empresariado privado]. Toda vez, porém, que a conjuntura o exige, a educação dominante é progressista à sua maneira, progressista "pela metade" [foi assim com os caras-pintadas]. As forças dominantes estimulam e materializam avanços técnicos compreendidos e, tanto quanto possível, realizados de maneira neutra. Seria demasiado ingênuo, até angelical de nossa parte, esperar que a "bancada rural", a UDR, aceitasse quieta e concordante a discussão, nas escolas rurais e mesmo urbanas do país, da reforma agrária como projeto econômico, político e ético da maior importância para o próprio desenvolvimento nacional. Isso é tarefa para educadoras e educadores progressistas cumprir, dentro e fora das escolas. É tarefa para organizações não-governamentais [portanto, livres de pressões políticas], para sindicatos democráticos realizar. Já não é tão ingênuo esperar, porém, que o empresariado que se moderniza, com raízes urbanas, adira à reforma agrária. Seus interesses na expansão do mercado o fazem "progressista" em face da reação ruralista. O próprio comportamento progressista do empresariado que se moderniza, progressita em face da truculência retrógrada dos ruralistas, se esvazia de humanismo quando da confrotação entre os interesses humanos e os do mercado.

    E é uma imoralidade, para mim, que se sobreponha, como se vem fazendo, aos interesses radicalmente humanos, os do mercado. (...) A Ideologia fatalista do discurso e da política neoliberais de que venho falando é um momento de desvalia (...) dos interesses humanos em relação aos do mercado.

    (...) Daí a minha recusa aos fatalismos quietistas que terminam por abosrver as transgressões éticas [o caos da saúde pública, por exemplo, em detrimento do incentivo à mercantilização médico-privada] em lugar de condená-las. Não posso virar conivente de uma ordem perversa, de aparência, tirando dela a responsabilidade por sua malvadez, ao atribuir a "forças cegas" e imponderáveis os danos por elas causados aos seres humanos. A fome frente a frente à abastança e o desemprego no mundo são imoralidades e não fatalidades como o reacionarismo apregoa com ares de quem sofre por nada poder fazer. O que quero repetir, com força, é que nada justifica a minimização dos seres humanos, no caso das maiorias compostas por minorias que não perceberam ainda que juntas seriam a maioria. Nada, o avanço da ciência e/ou da tecnologia, pode, por mais paradigmático que seja, legitimas uma "ordem" desordeira em que só as minorias do poder esbanjam e gozam enquanto às maiorias em dificuldades até para sobreviver se diz que a realidade é assim mesmo, que ser o moderno é isso, que sua fome é uma fatalidade mecânica do fim do século. Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarrapados do mundo, a sua resignação frente aos fatos. Minha voz tem outra semântica, outra música. Falo da resistência, da indignação, da "justa ira" dos traídos e dos enganados [por exemplo, por uma mão cheia de dedos na primeira campanha e que lhe estirou o maior deles, depois. Justamente o da saúde pública]. Do seu direito e do seu dever de rebelar-se contras as transgressões éticas de que são vítimas cada vez mais sofridas.

    Dificilmente um empresário [egocentrado] moderno concordaria que seja um direito de "seu" operário, por exemplo, discutir durante o processo de sua alfabetização ou no desenvolvimento de algum curso de aperfeiçoamente técnico, esta ideologia do conformismo a que venho me referindo. Discutir, suponhamos, a afirmação dos que pensam pelo povo: "O desemprego no mundo é uma FATALIDADE do fim deste século". E por que a reforma agrária não é também uma fatalidade? E por que acabar com a fome e com a miséria não são igualmente fatalidades a que não se pode fugir?

 

Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, pp. 15-16; 110-114, com adaptações.

Editora Paz e Terra, São Paulo, 1998.

Leonardo Boff, Teólogo e Filósofo, reconhecido internacionalmente em sua luta pelos excluídos do mundo e pela espiritualização ecológica do planeta. Um dos pais da Teologia da Libertação:

    Assistimos aos esforço fantástico dos monopolizadores do ter, do saber e do poder para nos reduzir a simples galinhas. Para nos manter somente nos limites estritos do galinheiro e do terreiro. Para nos subordinar aos seus interesses. Eles são os principais responsáveis pelas ameaças de devastação e destruição que pesam sobre a Terra e a Humanidade. Para continuar a susfruir dos privilégios usurpados, extraídos dos que sustentam o sistema, se fazem surdos ao clamor desesperado de milhões e milhões de sofredores de todo o mundo e surdos ao grito lancinante da Terra. Atrevem-se a sufocar nossa águia interior, águia que nos impulsiona a gritar, a protestar, a resistir e a buscar caminhos de libertação.

    Eis ai o grande desafio: salvaguardar a águia, sua sagrada significação para o destino humano, de fazer-nos voar rumo ao espaço aberto.

    Não aceitamos permanecer somente na dimensão-galinha, obedientes aos mandos dos que nos querem submeter e controlar. Rejeitamos o conformismo, o pragmatismo, o comodismo porque significam formas de fuga aos desafios atuais. Repelimso veementemente o pretenso realismo histórico daqueles que apenas reproduzem o paradigma da dominação, causador de tantos sofrimentos e lágrimas à maioria da humanidade, hoje empobrecida, alienada e excluída. Porque simplesmente prolonga a agrava a crise atual, ao invés de enfrentá-la com alternativas mais esperançoesas para os humanos e para a Terra.

    Este cenário dramático denuncia a ilimitada voracidade desse paradigma de tudo controlar para o usufruto e bem-estar de poucos, de a tudo submeter. Esta política estpa colocando em xeque o futuro de nosso planeta Terra. Este corre o risco de um infarto ecológico de dimensões globais, [devido mesmo à globalização econômica e espoliadora do capitalismo]. Se este infarto vier a ocorrer, poderemos conhecer o caminho dos dinossauros há 67 milhões de anos: a devastação e a destruição.

    É a hora e a vez da águia. Despertemo-la. Ela está se agitando nas mentes e nos corações de muitos. Não só. Ela anima a história e penetra na própria realidade íntima de cada ser humano.

    Uma águia nunca voa só. Vive e voa sempre em pares. Importa aqui recordar a lição de um mestre do Espírito. O ser humano-águia é como um anjo que caiu de seu mundo angelical. Ao cair, perdeu uma das asas. Com uma sas só não pode mais voar. Para voar tem de abraçar-se a outro anjo que também caiu e perdeu uma asa. Em sua infelicidade, os anjos caídos mostram-se solidários. Percebem que podem ajudar-se mutuamente. Para isso, devem se abraçar e completar suas asas. E só assim, abraçados e juntos, com a asa de um e de outro, podem voar. Voar alto rumo ao infinito do desejo.

    Sem solidariedade, sem compaixão e sem sinergia, ninguém recupera as asas da águia ferida que carrega dentro de si. Um fraco mais um fraco não são dois fracos, mas um forte. Porque a união faz a força.

    Uma asa mais uma asa não são duas asas, mas uma águia inteira que pode voar, ganhar altura e recuperar sua integridade e sua libetação.

Leonardo Boff, A Águia e a Galinha, uma metáfora da condição humana, pp. 105-108. Ed. Vozes, Petrópolis, 1997.

 Sinfonia Neoliberal

  Carlos Heitor Cony

 No mundo da modernidade e da eficiência, um presidente de empresa

 recebeu convite para uma audição da Sinfonia Inacabada de Schubert.

 Como tinha compromisso anteriormente assumido, transferiu o convite

 para o segundo homem no board, pedindo-lhe um relatório da missão.

No dia seguinte recebeu um  paper:

"1) Durante períodos consideráveis, quatro músicos que tocavam oboé

nada tinham para fazer. Eles podiam ser eliminados donde: os custos

seriam distribuídos e haveria mais lucro. 2) quarenta violinos tocam

notas idênticas. Um desperdício. Essa parte poderia ser drasticamente

reduzida. 3)Notou-se esforço desnecessário na execução de bemóis e

sustenidos . Se o autor os tivesse suprimido, arredondando o valor de

cada um deles pela nota mais simples ( o si bemol seria apenas si e o

dó sustenido seria ré), obter-se-ia considerável economia de meios e

uma execução mais rápida e fluente. 4) Não detectei nenhuma finalidade

prática na repetição pelos metais dos mesmos temas já executados pelas

cordas. Se essa passagens redundantes fossem eliminadas, o conserto

poderia obter os mesmos resultados com a economia aproximada de 20

minutos, donde o autor, o vienense Franz Schubert, poderia ter

completado sua sinfonia inacabada".

 O relatório foi apresentado na reunião semanal da diretoria

 consideraram-no excelente. Na semana seguinte, o presidente do board

 foi surpreendido com a aceitação de seu pedido de demissão - demissão

 que ele não pedira. Um novo gênio do neoliberalismo ocuparia o seu

 lugar, justamente o segundo homem do da empresa, autor do relatório

 sobre a peça de Schubert. No exercício seguinte, a empresa demitiu

 3.70 empregados, fechou 18 filiais espalhadas em 12 Estados e, numa

 licitação pública do Ministério do Meio Ambiente, foi considerada a

 mais indicada para enlatar o  ar da Suíça a ser vendido no Cubatão.


Carta Aberta de Pieffe Galand, Secretário-Geral da OXFAM - Bélgica, apresentando sua demissão do Grupo de Trabalho dos Organismos Não Governamentais do Banco Mundial e de seu Conselho de Iniciativas



Aos Copresidentes do Banco Mundial Srs. Maezide N'Diede e James Adams

Prezados Senhores,

Na véspera do qüinquagésimo aniversário de nascimento da Organização das Nações Unidas e das instituições nascidas do Acordo de Bretton Woods, desejo apresentar minha demissão do Grupo de Trabalho dos Organismos não governamentais do Banco Mundial e de seu Conselho de lniciativas. Tomo esta decisão por honestidade intelectual e coerência em face de muitos amigos com os quais trabalho no Terceiro Mundo.

Depois de ter tido, nos últimos três anos, oportunidade de observar a conduta do Banco Mundial, associo-me a alguns colegas das ONGs que acreditam ser a dissidência a única estrada que conduz à justiça social e à coerência entre os povos. Supus que colaborando estreitamente com o Grupo de Trabalho das ONGs do Banco Mundial contribuiríamos para desenvolver uma co-responsabilidade para com o destino dos povos menos favorecidos da Terra. Isto não aconteceu. A pobreza aumenta, a fome mata - certamente mais do que as guerras - e cresce todos os dias o número daqueles que não conseguem atendimento médico, de jovens analfabetos e sem família, alcançando cifras sem precedentes. Todavia, os remédios propostos pelo Banco Mundial para o desenvolvimento são remédios envenenados que agravam os problemas.

Na minha alma e consciência sinto o dever de dizer BASTA . Os Senhores se apropriaram dos discursos das ONGs sobre desenvolvimento, sobre ecologia, sobre a pobreza e sobre a participação popular. Ao mesmo tempo, propõem uma política de ajustes estruturais que agravam o "dumping" social nos países do Sul, deixando-os completamente sós e indefesos sob o domínio do mercado mundial.

As empresas multinacionais chegam ao Sul porque os Senhores e seus colegas do FMI criaram as condições necessárias para produzir com o "menor custo social". A intervenção conjunta do Banco Mundial e do FMI representa uma pressão contínua sobre as economias para que sejam mais competitivas e produzam sempre mais.

"Os remédios propostos pelo Banco Mundial são remédios envenenados que agravam os problemas."

Este objetivo é alcançado somente com a incessante coação que exercitam sobre os governos para que economizem e reduzam os benefícios sociais considerados muito onerosos. Do ponto de vista dos Senhores, os únicos governos bons são os que aceitam prostituir suas economias no interesse das multinacionais e dos ONIPOTENTES GRUPOS FINANCEIROS INTERNACIONAIS. O Banco Mundial é uma instituição responsável pelo desenvolvimento no mundo todo e é também uma instituirão cada vez mais arrogante. Tem o poder, nunca visto antes na história, de intervir nos assuntos internacionais e nos assuntos internos das nações. Fixa as condições do desenvolvimento, mas não se considera responsável pelas suas conseqüências. O Banco Mundial aprendeu a elaborar excelentes análises e é capaz de falar de temas transcendentes como participações populares - e em particular a da mulher - a luta dos povos contra a pobreza e a necessidade de proteger o ambiente.

Mas vai além, defende os direitos humanos e os da minoria e faz pressão sobre os governos para que os respeitem. É até capaz de tomar mais atraente seus ideais, assinalando o quanto é importante para o desenvolvimento que esta ou aquela nação o faça.

Diante de tudo o que foi dito, surge uma pergunta: por que são apresentadas tão belas argumentações, seguidas de atuações tão escandalosas? Porque, na prática, o Banco Mundial condiciona o seu apoio à aplicação de políticas de ajustamentos estruturais socialmente criminosas. O Banco Mundial é muito bem informado sobre a pobreza, sobre o empobrecimento e sobre marginalização de enormes setores da população de nosso planeta. Portanto, trata-se de puro cinismo, de mentiras políticas.

Pessoalmente, creio que existe uma profunda má fé, porque, afora os belos discursos, o Banco Mundial não é nada mais do que um instrumento a serviço de um modelo ortodoxo de crescimento baseado na competição e não na cooperação.

É dever do Banco Mundial assegurar a todos - pequenos e grandes - a participação no mercado mundial. Muito raramente, mas com certeza não agora, crescimento econômico é sinônimo de desenvolvimento.

Neste fim de século, o crescimento e a competição são apenas meios para o enriquecimento sempre mais rápido de uma minoria, sem que isto produza efeito para o desenvolvimento, a cooperação ou a redistribuição das riquezas. As desigualdades são cada vez mais profundas e a fome mata todos os dias milhares de pessoas sem que este estado de coisas provoque rebelião ou indignação. Enquanto o Banco Mundial mantiver sua insensibilidade política de ajustamentos estruturais, temos o dever de nos mobilizar e de mobilizar o maior número possível de vítimas de tais ajustes para lutar contra este tipo de intervenção.

Depois de ter participado por três anos e meio de um diálogo com o Banco Mundial na qualidade de membro de seu Grupo de Trabalho, apresento minha demissão porque creio que não existe nenhuma possibilidade de humanizar o Banco Mundial.

A África morre e o Banco Mundial se enriquece. A Ásia e a Europa Oriental vêem suas riquezas saqueadas e o Banco Mundial apoia as iniciativas do FMI e do GATT que autorizam este saque de riquezas materiais e intelectuais. A América Latina, como outros continentes, vê com horror suas crianças sendo usadas como força de trabalho e, o que é ainda mais horrível, como doadoras forçadas de órgãos para o próspero mercado de transplantes da América do Norte. Nas suas argumentações, o Banco Mundial fala dos inevitáveis sacrifícios que a estabilização estrutural exige para que as nações participem do mercado mundial globalizado, como se se tratasse de atravessar o duro deserto para chegar à Terra Prometida do desenvolvimento. Não quero ser cúmplice desta inexorável fatalidade pregada pelo Banco.

Prefiro contribuir para sustentar as organizações dos camponeses sem terra, das crianças de rua, das mulheres que nas cidades asiáticas não querem vender seus corpos, dos trabalhadores e dos sindicatos que lutam contra o saque de seus recursos naturais e contra a desestruturação de sua capacidade produtiva.

Sei, por longa experiência, que existem muitos amigos nas ONGs que pensam que um diálogo com o Banco Mundial seja útil para mudar pouco a pouco sua conduta institucional, orientando-a na direção do melhor julgamento dos pedidos de colaboração e de desenvolvimento. Respeito essa posição e respeito a atitude daqueles que, no interior do Banco Mundial, esperam que um diálogo com as ONGs leve a mudanças nas análises; mas, baseado na minha experiência no Grupo de Trabalho, prefiro abandoná-lo antes de terminar meu mandato, porque não quero continuar a ser cúmplice.

" A África morre e o FMI e oBanco Mundial enriquece."

Meus votos de fim de ano para o Banco Mundial são simples: cinqüenta anos bastam. Os Senhores estão entre os principais inimigos dos pobres e dos direitos que eles defendem no âmbito das Nações Unidas.

Os Senhores são a máquina mais extraordinária e sofisticada de relações públicas que existe no mundo para impor a todos uma angustiante sensação de fatalidade que leva ao conformismo e a aceitar que o desenvolvimento seja reservado a poucos e que para todos os outros, que não são considerados bastante competitivos nem domesticáveis, nada mais resta além da inevitável pobreza. O lançamento de uma economia de desenvolvimento que promova a justiça social mediante acessos do maior número de pessoas a um salário justo nos obriga a procurar com urgência outra instituição. Uma instituição que substitua o Banco Mundial deve consentir que os seres humanos participem e se beneficiem de ações que lhes restituam a dignidade, garantindo-lhes alimentação e direito à diversidade, no quadro de um desenvolvimento co- dividido.

Deixando o Grupo de Trabalho, saúdo os colegas que ainda respeito e exprimo o meu apreço aos numerosos empregados dessa instituição.

Só com uma reestruturação e um novo empenho para modificar as Nações Unidas e os organismos nascidos do Acordo de Bretton Woods criaremos condições para empreender a guerra contra a fome e a favor da solidariedade, num desenvolvimento co-dividido entre todos os seres humanos.

Atenciosamente

Pieffe Galand
Secretário-Geral da OXFAM - Bélgica

 
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Página elaborada por Carlos Guimarães em 07/08/98, revista em 08/08/99