O problema da "dívida" externa

Nem calote, nem moratória, nem pagamento:
renegociação sobre 40 anos de "devedor"

Artigo do jornalista Hélio Fernandes, publicado no Jornal Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, setembro de 2000

    É revoltante e vergonhoso o que a chamada "grande imprensa" tentou fazer (e conseguiu quase que totalmente) com a votação popular a respeito da "dívida" brasileira. A interna e a externa, as duas assombrosas, humilhantes, estarrecedoras, comprometendo todas as esperanças de 170 milhões de pessoas. Para começo de conversa, mentiram desde o início, tirando de foco a CNBB, com medo de enfrentar a Igreja. Inacreditável.

    Depois transformaram o pedido de auditoria em moratória, deturpando inteiramente o que se queria fazer. Do simples cidadão, passando por famílias ou empresas, até chegar aos países, a preocupação é uma só: saber quanto se deve, por que se deve, como será paga a dívida. (No caso, "dívida".)

    Tentaram dizer que o Brasil não queria pagar, "ficaram horrorizados" com esse "procedimento". Para confundir a opinião pública, usaram e abusaram das palavras calote e moratória, as duas no sentido pejorativo.

    Ora, em toda a campanha, que foi rápida e com o mínimo de cobertura de rádios, jornais, revistas e televisão (o que é compreensível, essa "dívida" é uma das maiores receitas dos EUA, do FMI, dos países ricos, e não admitiriam que a imprensa amestrada e subvencionada ficasse contra eles), jamais se falou em mobilizar o povo para pregar o calote ou defender qualquer tipo de moratória. Sempre, desde o começo, só se falou em auditoria sobre essas "dívidas" que nos subjugam há anos e anos, que nos colocam cada vez mais na posição de humilhados e ofendidos, de miseráveis sem direito a coisa alguma.

    Essa auditoria não é nenhuma novidade. Ou melhor: a novidade é que um órgão altamente respeitado como a CNBB, representante legítimo da Igreja mais preocupada, se colocasse à frente desse movimento, orientasse a opinião pública a votar pela auditoria. É uma posição perfeitamente defensável, responsável, irrecusável, irretratável e indispensável.

    O contrário, e aí sim, uma posição espantosa é a da mídia amestrada. Defendendo a continuação e a continuidade de pagamentos cuja origem se desconhece inteiramente, esses órgãos e essas empresas jornalísticas se colocam em verdadeiros becos sem saída. Ficam balançando numa corda de enforcado, contraditoriamente defendendo medidas antagônicas.

    No plano da "dívida" do País, aparecem intransigentemente contra a simples auditoria para conferência do total cobrado. Mereceriam que o povo respondesse a esses "empresários" que se julgam donos de tudo com o bom, cantante e leal palavrão protuguês. Que credibilidade podem ter "formadores de opinião" (Ha! Ha! Ha!) que confundem auditoria com calote ou moratória? É assim que fazem a sujíssima Revista Veja e a Rede Globo.

    Além do mais, um fato ainda mais vergonhoso, para os que defendem "o pagamento de juros e de amortização", sem que se possa saber, por instantes que seja, quanto se deve (ou melhor: quanto se "deve"), e de que forma deve ser feito o pagamento.

    Pois muitos desses órgãos jornalísticos independentes estão na Justiça, negando débitos de impostos, tentando reduzir esses débitos, praticando a forma mais alta de lobismo para não pagar nada ou então pagar menos. Como é que se chama isso que é comum em mais de 70 por cento desses órgãos? Isso não é auditoria? Ou será mesmo tentativa de calote ou moratória?

    Nessa caminhada para recusar a simples e correta avaliação do que se deve ou do que se tem que pagar, uma constatação: não são apenas órgãos jornalísticos que estão na Justiça, tentando negar ou não pagar as dívidas. Poderosas empresas e empresários, riquíssimos, subsidiados de todas as maneiras pelo próprio dinheiro do contribuinte, tendo enriquecido como "expoentes do desenvolvimento", defendem a auditoria para eles mesmos e negam qualquer coisa parecida se o beneficiado for o País.

    A posição deste repórter sobre o assunto é clara, lúcida, límpida e além do mais pioneira. Não defendo moratória, calote, pagamento, nada disso. Defendo uma negociação pura e simples, e nem quero que vá muito longe. Minha proposta é irrecusável: defendo uma auditoria apenas nos últimos 40 anos, não mais do que isso. Poderia tomar como base um tempo maior.

    É evidente que sei que, seguindo na política dependente, globalizante, que nos escraviza ao cassino financeiro internacional que movimenta 2 trilhões de dólares por dia, não podemos nem mesmo pensar em atrasar o pagamento dos juros e da amortização.

    Mas com os resultados da auditoria podemos pelo menos praticar a grande política econômica e financeira independente, exercer finalmente o ato de libertação do País. E já disse várias vezes: esse final feliz tem que ter uma data para comemoração. Precisamos de um outro 7 de setembro, para que a libertação econômica e financeira tenha uma data gloriosa para festejar.

    PS - Pelos meus cálculos, nos últimos 40 anos o Brasil já pagou, a MAIS, QUASE 1 TRILHÃO DE DÓLARES. Deveriam declarar EXTINTA a "dívida" e nos devolver esse 1 TRILHÃO com a maior urgência. Com a mesma urgência com que nos cobram, a urgência com que pagamos, burramente.

    PS 2 - Minha posição é tão aberta e sustentável que já fiz várias vezes a proposta: o Brasil precisa negociar, tem que indicar uma comissão, digamos, de 3 membros para isso. E indiquei os 3 que obrigatoriamente terão que constituir essa comissão: Walter Moreira Salles, Roberto Campos, Marcilio Marques Moreira. Eles têm títulos, passado e credenciais que ninguém tem.

    PS 3 - Os 3 foram embaixadores do Brasil nos EUA, e portanto conhecem essa "dívida" a fundo. E os 3 foram ministros da Fazenda no Brasil, e assim sabem (também a fundo) como essa "dívida" foi sendo paga. Tendo recebido no exercício dos cargos (lá e aqui) os adjetivos mais pejorativos (e merecidos), teriam agora a oportunidade da reabilitação. Não se pode negar a Moreira Salles, Campos e Marcilio esse prazer extraordinário de pelo menos uma vez na vida servirem ao Brasil.

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