Luiz Carlos Neitzel
lcneitzel@yahoo.com.br
Esse ensaio ocupar-se-á de efetuar um histórico evolutivo do hipertexto eletrônico tratando-o como uma atualização, uma continuidade do trabalho de acumulação e de conservação realizado pela cultura impressa. Efetuar-se-á um cruzamento de dados entre essas duas culturas traçando uma rede de relações prováveis entre elas. A impressão é tida como a matriz que deflagrou todo o processo comunicacional eletrônico. Enfatizo assim, o parentesco que há entre o computador e os outros meios de comunicação, principalmente a escrita, uma visão da informática como uma conseqüência e desdobramento dos processos utilizados pela produção impressa e pela tradição oral.
Palavras-chave: hipertexto, escrita, máquina comunicacional
Abstract
This paper is about the historical evolution of electronic hypertext. The principal idea is: the electronic hypertext is an derived from, and a continuation of, a condensed version initialed for the literary culture. In order to achieve this objective it's necessary to do some data processing to cros between both culture: literary and eletronic writing, confirming their relativity. Literary writing is considered the foundation of the hypertext; it's the initial point that has moved this modern communication means. The work, in and of itself, is a vision of the hypertext as a consequence of the process that has been used by oral and writing traditions.
Key-words: hypertext, writing, communication machine
O presente trabalho pretende discutir a evolução da técnica da escrita a partir da invenção de Gutenberg, pensando nas modificações que essa descoberta científica acarretou ao mundo ocidental, em especial às normas de aquisição do conhecimento. Além disso, procurarei realizar um cruzamento de dados entre a cultura impressa e a cultura informática pensando principalmente as relações entre o texto impresso e o hipertexto eletrônico considerando esta segunda como uma continuidade do trabalho de acumulação e de conservação realizado pela primeira. Dessa forma, o impacto da tecnologia informática não seria tão grande, uma vez que o hipertexto já está virtualmente presente na técnica da escrita. No final, farei algumas projeções com relação a utilização do hipertexto eletrônico no futuro, pensando sempre na coabitação da impressão e do texto digital.
A proposição básica a ser explorada é, então, que a desatomização do texto já se fazia presente nos logotipos de Gutenberg. O hipertexto eletrônico pode ser entendido como a atualização de uma vontade que o homem vem manifestando no decorrer de sua história de comunicar-se com mais velocidade, eficiência e de forma mais global e interativa. Muitos dos processos utilizados hoje pelo hipertexto eletrônico já vêm sendo usados pela escrita impressa como a exploração das imagens e a escrita não linear. Entretanto, a informática superou os outros meios de comunicação, principalmente pela velocidade com que as coisas se realizam e pela interatividade que oferece. Nessa esteira, traçarei uma rede de relações prováveis entre o hipertexto eletrônico e o texto impresso, um trabalho de analogias e contrastes.
O ser humano, desde os primórdios, sempre procurou desenvolver utensílios que lhe facilitassem suas tarefas rotineiras. Durante sua evolução, vários acontecimentos assinalaram profundamente sua maneira de agir, de enfrentar os desafios, dando por vezes, novo curso a sua jornada. A descoberta do fogo, do ferro, da escrita, e tantos outros inventos e técnicas foram surgindo e aperfeiçoando-se frente às dificuldades que apareciam pelo caminho.
Debruçado sobre seus projetos, o homem avança e transforma o presente e o futuro, num constante processo evolutivo, sem que haja a simples substituição de uma técnica por outra, mas um "deslocamento de centros de gravidade." Constatamos que sempre há movimentos crescentes e sucessivos na história: da oralidade para a escrita, da escrita para a imprensa, desta para o rádio e para a televisão, até chegarmos à informática.
O aperfeiçoamento dos meios de veicular informação foram criados pela necessidade do homem se comunicar. O ser humano, ao longo de sua história, mantém-se sempre na expectativa à desvelar novos horizontes, explorar territórios alheios, impulsionado pelo desejo de interação, de descoberta. A invenção da imprensa veio ao encontro desse desejo, "divide-se a História em antes e depois do surgimento da escrita."
Pensemos, por exemplo, na importância representada pela escrita ao ser introduzida por civilizações como a Sumeriana, a Egípcia e a Chinesa. Ela passa a ocupar o espaço privilegiado no qual se assentava a tradição oral, substituindo a efemeridade pela permanência, introduzindo novos hábitos. A partir de então, o homem não precisou mais se preocupar com a questão do apagamento das memórias, suas lembranças não mais dependiam da transmissão oral, passaram a ser registradas pela escrita.
Mas, apesar da escrita se tornar a memória de um povo, de uma cultura, de vencer, sob este aspecto, a barreira do tempo, existiam alguns problemas. Os manuscritos inicialmente eram gigantescos, pesados, propriedades de bibliotecas, difíceis de manejar. O homem empenhou-se na popularização dessa técnica e em 1450 recebeu um impulso com a imprensa de Gutenberg. Profecias apocalípticas foram efetuadas no hemisfério dessa descoberta por aqueles que detinham em suas mãos os manuscritos, modelos singulares, e não desejavam que esse saber estivesse ao alcance de todos, mas que continuasse restrito aos conventos e bibliotecas de acesso restrito ao povo.
Com o passar dos anos, essa profecia se esboroa e o livro torna-se móvel, disponível para apropriação e uso pessoal. "Se o surgimento da escrita marca o início da história, a invenção, na Europa, da composição por tipos móveis e da técnica de imprimir ilustrações com chapas de metal gravadas, vai promover radicais mudanças no modo de pensar e de viver da sociedade. A divulgação do conhecimento se torna acessível a cada vez um número maior de indivíduos."
A impressão foi, durante muito tempo, a principal tecnologia intelectual. mas, ainda não satisfeito, o homem continuou a sonhar com outras formas de comunicação que o aproximasse mais facilmente de outras culturas e divulgasse o saber produzido com maior rapidez e amplitude. O homem buscava conquistar um meio mais rápido de comunicação, de registro, e dedicou-se a aperfeiçoar os meios que dispunha para diminuir a barreira da distância e do tempo, solucionar o problema da velocidade, pois somente após horas, dias, semanas é que a mensagem escrita no papel chegava às mãos do destinatário.
Neste século, a escrita divide terreno com diversos meios de comunicação. Compartilho com a premissa de Lévy: uma técnica não surge para substituir a outra, as tecnologias de comunicação ocupam o mesmo território, sendo utilizadas pelas sociedades globalizadas ao mesmo tempo, simultaneamente. Por exemplo, a técnica da oralidade ainda hoje é praticada em muitas culturas como único meio de comunicação, única forma de difusão de seus conhecimentos e de suas idéias, além de continuar sendo utilizada também por aqueles que dominam a escrita. Essa questão nos faz pensar na necessidade da "imbricação, na coexistência e interpretação recíproca dos diversos circuitos de produção e difusão do saber..."
Os meios de comunicação modernos que possuímos hoje são os resultados desse sonho que é um movimento gerado, não forçosamente, pois não há a substituição drástica do antigo pelo novo, mas sim, configura-se a existência de uma espaço onde todos os meios se harmonizam, coexistem. As tecnologias se sucedem uma a uma e o novo de hoje é fruto de um "amadurecimento", de uma evolução do que dispúnhamos no passado. Há um processo evolutivo das sociedades humanas, o novo de hoje é o avançado de ontem e o ultrapassado de amanhã. Dessa forma, o modo de vida das pessoas vai sendo modificado gradativamente.
É necessário, portanto, relativizar nossa postura frente às modernas tecnologias, principalmente à informática. Ela é um campo novidativo, sem dúvida, mas suas bases estão, nos modelos informativos anteriores, inclusive, na tradição oral e na capacidade natural de simular mentalmente os acontecimentos do mundo e antecipar as conseqüências de nossos atos. A impressão é a matriz que deflagrou todo esse processo comunicacional eletrônico. Enfatizo assim, o parentesco que há entre o computador e os outros meios de comunicação, principalmente a escrita, uma visão da informática como um "desdobramento daquilo que a produção literária impressa e, anteriormente, a tradição oral já traziam consigo."
O homem hoje está inserido num verdadeiro redemoinho cultural. A partir da década de 90, difundiu-se e expandiu-se rapidamente no Brasil aquela que é tida como a comunicação mais veloz e eficaz, que une escrita, som, imagem, movimento: o hipertexto eletrônico. Este veio, ao longo dos anos, sofrendo um processo de maturação. Em 1849, Samuel Taylor Coleridge escreve O Tratado sobre Método esboçando os princípios para organizar todo conhecimento humano. Nesse ensaio ele expressa o desejo do homem de sua década, de encontrar um meio mais eficiente, totalizante e rápido de comunicar-se. Em 1945, Vannevar Bush escreve o ensaio As We May Think, profetizando novos processos de registro, transporte e distribuição da informação; este é reconhecido hoje como o primeiro ensaio que traça os princípios e funções da memória da máquina (MEMEX). Em 1978, Ted Nelson delineia uma visão do hipertexto eletrônico com o projeto XANADU, com o qual projetava uma imensa rede acessível em tempo real, que continha todos os "tesouros literários e científicos do mundo."
Essas projeções feitas por Bush, Nelson e Coleridge hoje são realidade. "Tecnicamente, um hipertexto é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentos." O hipertexto eletrônico vive num ambiente aberto às explorações e ao movimento; é um meio de comunicação que admite a adição de novos elementos a toda hora, num processo dinâmico de composição e recomposição. O hipertexto é como uma dobra que vai se abrindo, as palavras entram em ebulição e descobrimos um confluir de idéias, "de fundo falso em fundo falso," uma camada recobrindo a outra. Um link se desdobra multiplicando-se, uma palavra é a janela para um outro texto, uma nota pode ser mais longa que o texto original, formando um outro trabalho.
Tão imbuídos estamos na cultura impressa que não percebemos que as notas de rodapé de um texto, as remissões que nele aparecem a um outro artigo, ou que, as citações, as informações cruzadas, a definição de uma palavra que remete a outra num circuito amplo, tudo isso apresenta estatuto de hipertexto. Os jornais, as enciclopédias e as revistas, inclusive, apresentam esse caráter flutuante do hipertexto eletrônico, várias matérias são arroladas sem que haja um fio condutor entre elas, e o leitor é livre para seguir a seqüência que quiser. Passamos de uma página para outra, nos alçando em vôos sem roteiros pré-estabelecidos, assim como passamos de um link a outro. A exploração das imagens sobre as palavras que fazem dos procedimentos de leitura e produção via computador um universo rico e atraente , é o mesmo caminho trilhado pelas revistas que esbanjam cores e desenhos.
O hipertexto eletrônico sintetiza, pois, uma estrutura não linear que também encontramos na escrita, podendo esta ter a aparência de segmentação do saber em módulos que encontramos no primeiro. O hipertexto eletrônico é considerado o perfeito exemplo de obra em movimento, entretanto muitos impressos apresentam essa sua estrutura dinâmica, cujas páginas não tem uma ordem fixa, as folhas se dispõem soltas, intercambiáveis, mas mantendo uma coerência discursiva. Cito como exemplo a obra Calcinha... sutien... e poemas de Kalunga que circula em território nacional em envelopes, sem folhas numeradas, uma arte alternativa.
O fato de podermos iniciar e acabar em diferentes pontos a cada leitura do hipertexto eletrônico, nos coloca frente a um labirinto. Uma situação incômoda que muitos livros impressos também nos oferece, como por exemplo, os contos de Borges, dentro os quais cito Caminhos que se bifurcam, ou ainda o livro Ulysses de James Joyce e Catatau de Leminski. Esses são impressos cujo conteúdo se encontra em movimento, ultrapassando os limites da própria escrita, por isso obras consideradas inesgotáveis e abertas. "A imaginação, a memória, o conhecimento, a religião são vetores da virtualização que nos fizeram abandonar a presença muito antes da informatização e das redes digitais." Outro exemplo, são alguns livros didáticos que utilizando o enunciado: "Para complementar a leitura, vá para a página tal", sugerem ao leitor que o mesmo se desloque da página em que se encontra para outra anterior ou posterior.
Entretanto, o hipertexto eletrônico estabelece uma dinâmica diferente daquela encontrada nos livros, ele é determinado pela mutabilidade, pela agilidade, inserindo a comunicação na esfera da fluidez. Uma mudança, inclusive, na forma de tratar o conhecimento. Segundo Snyder "a maior diferença entre a estrutura do artigo acadêmico ou enciclopédico e o hipertexto é a habilidade do criador em fazer vários links automaticamente, e atravessar de um meio de comunicação para outro. (...) Ao contrário dos livros, um hipertexto não precisa ter começo, nem ordem imutável na qual a informação é estabelecida, e não tem fim." O hipertexto nesse ponto extrapola a questão das notas de rodapé, pois não há limitações no número de notas. No livro seria impossível colocar rodapés de rodapés. O leitor acharia isso uma ação sofrível.
Negroponte também arrola algumas diferenças e vantagens entre o hipertexto eletrônico e o hipertexto impresso. De acordo com o autor, "num livro impresso, frases, parágrafos, páginas e capítulos sucedem-se numa ordem determinada não somente pelo autor, mas também pela configuração física e seqüencial do próprio livro." O escritor, dessa forma, possui um papel muito mais onipotente, onisciente e onipresente no texto impresso, e a leitura deste por mais brechas que possa oferecer ao leitor, o insere em uma dimensão física restrita: "Embora um livro possa ser lido aleatoriamente e os olhos do leitor possam passear ao acaso, ele se encontra confinado para sempre às três dimensões físicas que o delimitam."
Mesmo pensando que "o texto impresso já carregava possibilidades virtuais de leitura que os instrumentos informáticos tratam apenas de concretizar," não podemos deixar de admitir que a forma de composição material do hipertexto eletrônico apresenta um campo vasto e diferente de possibilidades de leitura e escrita. Todo esse processo é um outro tipo de acesso ao patrimônio da cultura humana, uma prática cujo princípio norteador é a interatividade. Entretanto, não é tolerável uma postura de apologia ao hipertexto eletrônico e repúdio ao texto impresso, ou vice-versa, pois a cultura da informática injeta luz, cor, som, movimento nos paradigmas comunicacionais anteriores, lançando mão do conhecimento por simulação, um conhecimento já praticado desde que o homem é homem.
O hipertexto eletrônico oferece continuidade ao trabalho efetuado pela escrita, mas "introduz um elemento novo que é a simultaneidade da produção e da circulação;" ele possibilita o aparecimento de várias informações de forma instantânea e simultânea, coisa que o texto escrito não proporciona. O hipertexto eletrônico se diferencia dos outros meios de comunicação, principalmente pela velocidade com que as informações são arroladas e usufruídas. O intervalo entre o tempo da emissão e a recepção da mensagem foi alterado. Além disso, são bem mais amplas as possibilidades de combinações possíveis, de preenchimentos no hipertexto eletrônico, e o trabalho combinado do leitor e autor configura outra grande novidade desse meio, "a rede hipertextual está em constante construção e renegociação."
Explorando a utilização do hipertexto, o usuário não só "navega" como interage com o texto lido de forma imediata, havendo a possibilidade de exposição e discussão de suas idéias entre várias pessoas de diferentes lugares on-line. Está aí o seu aspecto de nova forma de produção de conhecimento, a "mediática-imediática". Configura-se assim, um texto escrito por várias mãos. É uma escritura que dá ao escritor e ao leitor mais fluidez na produção e leitura. Existe um trabalho combinado do leitor e autor, outra novidade desse meio.
O computador, inicialmente, não foi concebido para ser utilizado como é hoje. Pensou-se, a princípio, em uma máquina capaz de realizar cálculos complexos e reter uma grande quantidade de dados. Eles só eram manipulados por pessoas altamente especializadas em linguagens de programação, que não eram padronizadas, o que dificultava muito a sua utilização por outras pessoas que não fossem seus programadores. Eles serviam, principalmente, às grandes corporações e fundamentalmente ao Estado, para uso militar.
Em meados da década de setenta institui-se uma cultura da informática, na qual, segundo Lévy,
uma pitoresca comunidade de jovens californianos à margem do sistema inventou o computador pessoal. (...) Não o objeto definido simplesmente por seu tamanho, não o pequeno computador de que os militares já dispunham há muito tempo, mas sim o complexo de circuitos eletrônicos e de utopia social que era o computador pessoal no fim dos anos setenta: a potência de cálculo arrancada do Estado, do exército, dos monstros burocrático que são as grandes empresas e restituída, enfim, aos indivíduos.
Graças à ousadia desses grupos, a presença do computador, dos recursos informáticos, em geral, está atualmente nos atos mais corriqueiros das pessoas. Por exemplo, podemos citar os saques e pagamentos efetuados via caixas eletrônicos, leitores ópticos que exibem os preços das mercadorias nos supermercados , consultas em terminais de informações nos shopping-centers. Sua colocação em locais públicos é cada vez mais crescente e nos parece irreversível. Estamos tão habituados a estes que não nos apercebemos do uso de toda essa tecnologia no nosso dia-a-dia.
As pesquisas, as viagens espaciais, a genética, a medicina, enfim, os campos mais diversos da ciência estão palmilhados pela presença da tecnologia informático-mediática. São serviços que, para obterem um resultado profícuo, necessitam desta. As previsões meteorológicas estariam seriamente comprometidas se não fosse a presença de supercomputadores. Essa é uma das áreas que mais os utiliza atualmente. O computador, assim, se faz presente na produção e difusão de todas as formas de conhecimentos da humanidade vigente, sua freqüência é quase que obrigatória.
Estamos vivendo uma era digital em que transações comerciais são realizadas, pesquisas são disponibilizadas e discutidas. Grandes volumes de dados são transmitidos, transferidos de lugares distantes em questão de minutos, transformando o planeta numa imensa teia global de redes de comunicações das mais diversas. Na grande maioria, essas mudanças só se fazem possíveis pela rápida evolução dos computadores, que desempenham funções cada vez mais diversas. Isso para muitos assusta, pois é um dos poucos inventos do homem que não possui uma função fixa. Sua utilização depende de quem se serve desta e do que se quer da mesma. Lévy já diz que "a técnica em geral não é nem boa, nem má, nem neutra," então podemos dizer que tudo depende do uso que se faz da mesma, pois a transformação do mundo humano, na verdade, se dá pela intervenção do próprio homem.
A informática veicula os conhecimentos já elaborados, conceitos antigos, possibilitando novas construções a partir destes. Segundo Lévy: "O desenvolvimento de um novo exército operatório não pode ser dissociado da atividade de reinterpretação de um material preexistente(...). Em cada caso, uma atividade manipuladora, tateante e interpretativa faz com que materiais já existentes penetrem em novos domínios de uso e significação."
A informática avança com uma impetuosidade e velocidade nunca observada em outras tecnologias já existentes anteriormente. Em nossa sociedade globalizada a informação possui a importância que a terra já possuiu durante o feudalismo, quando os grandes latifundiários, graças ao seu poderio, influenciavam e intervinham diretamente na política do Estado. Como diz Hobsdbaw, "a ciência, hoje, de fato altera o cotidiano das pessoas. Coloca-se na forma de tecnologia em todos os espaços, transformando o ritmo da produção histórica da existência humana." No momento em que o ser humano se "apropria" de uma (parte da) "técnica", ela já foi substituída por outra, mais avançada, e assim sucessivamente.
A informática superou os outros meios de comunicação, principalmente pela velocidade em que as coisas se realizam. Neste universo, o básico é buscar e saber usar a informação. É mais importante adquirir habilidades para manusear um catálogo, uma enciclopédia, um dicionário, um CD-ROM, uma gramática, a Internet, do que a memorização de regras.
Uma coisa é certa: vivemos hoje em uma destas épocas limítrofes na qual toda a antiga ordem das representações e dos saberes oscila para dar lugar a imaginários, modos de conhecimento e estilos de regulação social ainda pouco estabilizados. (...) uma nova relação com o cosmos, um novo estilo de humanidade é inventado.
O avanço da tecnologia promoveu um redemoinho cultural nas inter-relações de todos os sistemas do planeta e provou uma reorganização, um redimensionamento nas relações dos indivíduos na sociedade. Em certos momentos sócio-históricos, surgem novas formas de uso das tecnologias existentes, novas idéias e meios de superar os desafios encontrados, por vezes, de forma pouco sistemática e organizada.
O hipertexto eletrônico pode ser uma boa ferramenta pedagógica nas unidades de ensino públicas, cujas bibliotecas possuem um parco acervo bibliográfico, insuficiente para todo o corpo discente. Ele pode ser utilizado como fonte de leitura e produção literária. O hipertexto introduz um novo elemento que é o aparecimento de infinitas informações de forma instantânea e simultânea, coisa que o texto escrito não proporciona. O que se concebe é que, a princípio, nada está definido e acabado, há sim um constante evoluir, uma reinterpretação da sociedade e da cultura. O ser humano está inserido num emaranhado de conexões cujo centro é móvel, pois muda-se de uma representação para outra. "Não há informática em geral, nem essência congelada do computador, mas sim um campo de novas tecnologias intelectuais, aberto, conflituoso e parcialmente indeterminado. Nada está decidido a priori."
Não há, portanto, como negar que o conhecimento pode alcançar níveis mais complexos com a informática, já que a possibilidade de simulação virtual propicia ao indivíduo uma experiência bem diversa daquela oferecida pela leitura, televisão, cinema ou tradição oral. E pensando nessas amplas possibilidades que me aventuro à idealização de um sistema futuro, quando poderemos, através de hiperlinks conversar com o autor.
Através de sistemas inteligentes, que acessarão a bancos de dados pré-dispostos, o leitor poderá formular questões sobre o texto lido e a máquina, através de um método de combinatórias de sentidos, dará as respostas aos questionamentos. Esse sistema inteligente, que na prática chamaríamos de "autor do texto", oferece a vantagem de apresentar ao usuário respostas às questões pelo texto suscitadas, criando efetivamente um ambiente de trocas.
A máquina poderá efetuar sugestões ao usuário no decorrer da elaboração de um texto, caso este considere conveniente. O equipamento colocar-se-á na posição de "debatedor", que poderá fazer a concordância ou o contraponto, definido previamente ou não pelo próprio sistema ou pelo usuário. Novamente o computador buscará na rede de bancos de dados o embasamento necessário. Essa situação poderá forjar uma simulação com cânones de conhecimento universal, por exemplo Sócrates, ou com personalidades "geradas virtualmente."
São experiências que se assemelham às atividades cotidianas práticas, cujas causas e efeitos não só são cogitadas como observadas e sentidas nesse espaço virtual. Tudo passa pela experiência: o conhecimento vem da ação, a simulação é instrumento de construção. Não há somente recepção, mas o usuário pode interferir imediatamente, reconstruir, interagir, trocar informações. Através dessa simulação, o indivíduo internaliza regras de conduta de seu grupo social que passa a nortear seu desempenho, ou ainda, cria uma resistência acerca destas e procura rompê-las, bem como, é ajudado a superar certas ações impulsivas, aprendendo a planejar soluções.
Essa é uma aprendizagem calcada no conhecimento por simulação. Através dela podemos perceber melhor o mundo que nos cerca. Desde pequenos, imitamos o comportamento de nossos pais, professores, amigos, ídolos. Busca-se nos livros, na televisão, no cinema a identificação com este ou aquele modelo. Essa aprendizagem por simulação oferece um espaço vivificante, que prepara o indivíduo para a vida e não prioriza o mero acúmulo de informações.
A evolução da comunicação em meio eletrônico evoluiu de forma galopante, o que nos permite imaginar que, num momento bem próximo, os aparelhos de comunicação estarão todos integrados numa só máquina, ficando a critério do usuário escolher entre suas diversas possibilidades de uso. Caberá a esse utente, a definição da programação a ser exibida, por exemplo que filme assistir, o horário, a língua, a trilha sonora, bem como poderá opinar na seqüência do enredo, entre outros, tudo conjugado num único equipamento.
O hipertexto eletrônico faz parte de um processo de comunicação gigante e borbulhante. Ao tratarmos sobre a informática precisamos relevar o ser que opera esta máquina e toda a sociedade que o envolve pois, não estamos falando de uma sociedade abstrata, mas de pessoas que vivem em diversos lugares, época, circunstâncias, agentes de seu meio com determinados valores. As informações transmitidas são atos de linguagem, e não podemos ignorar aquele que as formula e usa, nem as circunstâncias em que esse ato comunicacional é gerado, bem como as conseqüências desse ato. A linguagem expressa o real, ela não só é modelada pelo usuário como este a modela. E ao utilizar-se dessa linguagem a máquina possibilita tornar real, através da simulação, toda a virtualidade do pensamento humano.
Por isso, precisamos trabalhar com a interação homem/máquina, da ação do sujeito e do objeto ao mesmo tempo: não podemos colocar "de um lado as coisas e as técnicas e do outro os homens, a linguagem, os símbolos, os valores, a cultura ou o mundo da vida". Antes de tudo, a informática é um modelo aberto que promove diferentes modos de pensar e de se relacionar com as pessoas e com o conhecimento. Com a escrita, principalmente a técnica da impressão, fomos convidados a habitar um tempo virtual muito antes da transmissão de dados via computador se concretizar. E se assim pensarmos, o hipertexto eletrônico não se apresenta a nós hoje mais em seu estado nascente, mas maduro. Independente de nossa posição frente a esses meios de comunicação, não há como negar que ele é um lugar expansivo, vivo e efervescente, em constante devir, por isso conflituoso.
Bibliografia Geral
AGUIAR NEITZEL, Adair. Publicação eletrônica. Do texto ao hipertexto. http://www.ufsc.br/~neitzel/literatura
CATAPAN, Araci Hack. O conhecimento escolar e o computado in Perspectiva: revista do centro de ciências da educação, ano 13, nº 24, 2º semestre de 1995, Florianópolis: editora da UFSC.
ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados; trad. Pérola de Carvalho. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva. 1993.
______. From Internet to Gutenberg. Publicação eletrônica. http://www.italynet.com/columbia/intrnet.htm
FIALHO, Francisco Antonio Pereira. A eterna busca de Deus. Sobradinho, DF - EDICEL, 1993.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática; trad. Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: ed. 34, 1993.
_______. O inexistente impacto da tecnologia. Folha de São Paulo (Mais), 17 de agosto de 1997.
______. O que é virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: Ed. 34, 1996.
LIMA, Ana Rita e MCCAULEY, Jim. "Será que vai chover?" In Revista Super computadores. PC MASTER, São Paulo, ano 1, n. 06, p. 13 - 17, nov. 1997.
NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. Trad.; Sérgio Tellaroli; São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SANTOS, Alckmar Luiz dos. http://www.cce.ufsc.br/~alckmar/hiper.html.# hipertexto. Por uma teoria do hipertexto literário/ Acerca de uma textualidade informatizada/ Literatura e(m) Computador.
SNYDER, Ilana . Hipertext. The electronic labyrinth. New York University Press, New York, 1997.
VALENTE, José Armando. Informática na educação in Perspectiva: revista do centro de ciências da educação, nº 24, 2º semestre de 1995. Florianópolis: editora da UFSC.
_________. Computadores e conhecimento: repensando a educação. São Paulo: UNICAMP.
VIRILIO, Paul. A arte do motor; trad. Paulo Roberto Pires. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
|Dados pessoais| |Atividades profissionais| |Formação acadêmica| |Projetos| |Produções|
|A rede digital na rede educacional| |Educação, interdisciplinaridade e novas tecnologias| |O bit na galáxia de Gutenberg|
|Hipertexto e
interdisciplinaridade| |O uso pedagógico das modernas
tecnologias| |FrontPage Express|
|Leitura e Produção em meio eletrônico|
|Educar para uma sociedade (a)tecnológica|
Sugestões/Contato: |
Publicado em 23/07/1999 |
Última atualização: 03/07/08 03:07:20