Carta de demissão de Antônio Augusto Arantes
Antropólogo deixa a presidência do IPHAN e lança comunicado
"Brasília, 11 de janeiro de 2006
Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Cultura
Dr. Gilberto Gil Moreira
Senhor Ministro,
Nos termos da reunião ocorrida no dia 6 p.p., em que lhe apresentei verbalmente meu pedido de demissão da presidência do IPHAN por estar concluindo a missão que me foi confiada por Vossa Excelência, venho comunicar minha decisão de deixar o cargo no dia 20 de fevereiro próximo, antes, portanto, do mês de abril estabelecido por nós de comum acordo como prazo limite.
Essa data contempla a finalização de alguns assuntos prioritários ainda em andamento, inclusive a realização de reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, cuja pauta inclui, entre outros, os tombamentos da Igreja de Nossa Senhora da Vitória, que poderá oferecer um desfecho positivo à participação do IPHAN numa disputa que é de grande interesse para a população de Salvador, do Elevador Lacerda e do centro histórico de Marechal Deodoro, além da apreciação do relatório de atividades do IPHAN em 2005.
O detalhamento das ações desenvolvidas sob a minha direção encontra-se nos relatórios do IPHAN de 2003/2004 e no de 2005, que será apreciado pelo Conselho Consultivo na mencionada reunião e oportunamente encaminhado a Vossa Excelência. Não obstante, nesta oportunidade gostaria de destacar alguns aspectos do trabalho realizado nesse período.
É sabido que nas últimas décadas houve uma drástica redução da presença desta instituição na cena cultural brasileira e internacional, apenas mantida graças à diuturna dedicação dos técnicos mais identificados com a missão do IPHAN.
Diante da situação encontrada, minha atuação ao longo de dois anos visou principalmente à retomada do desenvolvimento institucional, focalizando em particular as seguintes vertentes: (1) adequação de programas e projetos às atuais demandas do país e da agenda internacional, (2) fortalecimento das condições de continuidade da instituição e (3) abertura de espaço para discussão e reformulação de normas técnicas, procedimentos de tomada de decisão e estruturação interna do órgão. É claro que a meta neste período não foi, como não poderia ter sido, levar esses processos a cabo --já que eles são, por sua própria natureza, abertos e contínuos-- mas, desencadeá-los e imprimir-lhes determinada direção, visando a dar sustentação à redefinição do papel do IPHAN frente aos demais órgãos do Governo Federal, das instituições estaduais e municipais de preservação, e mesmo da sociedade civil. Isso foi
feito.
A instituição é indissociável de seu objeto de trabalho, e ambos --o IPHAN e o patrimônio cultural nacional-- vêm sendo marginalizados ao longo de décadas. Um, da dinâmica cultural do país; o outro, das políticas públicas implementadas pelo Governo Federal, inclusive no âmbito do Ministério da Cultura. Em conseqüência disso, há um enorme passivo institucional e patrimonial a ser recuperado. Há uma dívida historicamente acumulada e a tarefa de saldá-la demanda tempo muito maior do que o de um só mandato. Por isso, é essencial que os ganhos até aqui alcançados sejam maximizados e incorporados às etapas futuras.
Embora ainda haja muito por fazer, penso ter contribuído para a salvaguarda deste patrimônio importantíssimo que é o próprio IPHAN. Muito foi feito com vistas à elaboração das bases conceituais e organizacionais efetivas de uma política moderna e democrática do patrimônio cultural. Lutando contra inúmeras adversidades, mas com o apoio e colaboração do pessoal da Casa, foi possível implementar medidas efetivas com visíveis resultados positivos. Entre elas, destaco a criação e implantação da área do patrimônio imaterial, a realização de concurso para o provimento de quadros técnicos em 10 áreas de conhecimento (essencial para a continuidade da instituição), a valorização das áreas de arqueologia, de bens móveis e integrados, e a reestruturação de vários aspectos da organização administrativa do IPHAN.
Por outro lado, é necessário nesta oportunidade considerar o contexto em que esta decisão está sendo implementada. Não só por uma questão de desagravo pessoal, como do ponto de vista do mais alto interesse institucional-- já que lutamos pelo fortalecimento da democracia e pela transparência dos procedimentos de gestão - é imprescindível desvincular a minha saída, de forma inequívoca, de manobras oportunistas e retrógradas que vêm minando o meu trabalho há algum tempo. Com praticamente 63 anos de vida e 40 de trabalho como antropólogo, professor universitário, consultor, ex-presidente de sociedades científicas nacionais e internacionais, e ocupante de cargos públicos de imensa responsabilidade, JAMAIS fui acusado de cometer qualquer deslize ético ou falha administrativa. Sem falsa modéstia, acredito que minha imagem pública tem contribuído positivamente para a legitimação de iniciativas do IPHAN e do Ministério.
De minha parte, considero-me perfeitamente habilitado, moral e
profissionalmente, a conduzir a instituição que presido há quase 2 anos e que tenho defendido há décadas. Entretanto, é chegado o momento de minha saída.
Senhor Ministro, diante do exposto, reitero meu pedido de demissão da presidência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a partir de 20 de fevereiro de 2006, e coloco-me à disposição do Ministério da Cultura para darmos início ao processo sucessório.
Renovo meus protestos de estima e consideração.
Antonio Augusto Arantes Neto/Presidente do IPHAN"