The Doors -
Jim Morrison
UMA das poucas coisas previsíveis no universo da música pop nas últimas duas décadas é que a cada cinco ou seis anos acontece outro revival dos Doors. Mesmo depois do grupo estar extinto por tanto tempo, sua envolvente e inclassificável música continua apaixonando fãs do rock de todas as idades. Cada nova geração de fãs que se forma é atraida pela música fascinante que os Doors deixaram registrada em álbuns antológicos. E a cada ressurgimento, a cada reavaliação, os Doors parecem crescer em importância e qualidade, sem deixar nenhum traço de nostalgia. The Doors foi um grupo que formou-se conceitualmente, contra todos os padrões musicais vigentes em 1965, época em que surgiu. Uma combinação das letras escritas por um Morrison, poesia contundente, emblemática e surreal, que tratava de temas estranhos à música pop, colada nos sons dissonantes da batida de jazz da bateria de John Densmore, na guitarra cristalina de Robbie Krieger que misturava influências jazz e flamenco, e nas improvisações melódicas elípticas dos teclados de Ray Manzarek, que tinha tudo para permanecer eternamente no underground musical de Los Angeles, onde os Doors estiveram mergulhados durante seus dois primeiros anos de atividades.
JIM MORRISON é inquestionavelmente a figura central da banda, tanto como músico, como personalidade. Ele foi e ainda é o principal ponto de atração, que transformou os Doors num dos mais bem sucedidos e influentes grupos de rock de todos os tempos. Morrison nem sequer era um ‘‘músico’’ - ele nada sabia de música, era um ignorante em relação à técnica, mas era um intérprete excepcional, com seu talento natural para o canto, além de ser um performer espetacular, com uma presença cênica original, única e impressionante. Morrison, nascido James Douglas Morrison, na Florida, em 8 de dezembro de ‘43, veio de uma família com larga tradição militar.Filho de um oficial da marinha americana, viveu em várias cidades, na medida em que seu pai era transferido de uma base para outra. No começo dos anos 60, depois de estudar psicologia na Florida, decidiu estudar cinema na Los Angeles University, UCLA, onde encontrou Ray Manzarek, que além de se interessar por cinema, tinha uma sólida formação como pianista clássico. Manzarek na época tocava jazz-boogie nos bares e fazia parte do grupo musical pop Rick & The Ravens. Já a “banda de jazz” onde Manzarek tocava, não tinha nome, por não ser exatamente uma banda organizada, mas uma turma de cinco músicos, com piano (Manzarek), bateria (Fd Cassidy, que depois formou Spirit), trumpete, sax e baixo, que gostava de se encontrar e tocar ao vivo. A “estréia” de Jim Morrison como cantor, se deu numa dessas sessões, em meados de ‘62, num café-bar de Los Angeles chamado Mother Neptune’s, um local que conservava o clima beatnik dos anos 50. Em ´63,. Morrison fez uma viagem nostálgica a Washington, DC, onde passou parte de sua adolescência, e voltou a percorrer os bares onde se tocava jazz e blues -reacendeu sua paixão pela música negra e decidiu formar com Manzarek um grupo musical que pudesse reproduzir aquele tipo de música. Antes do grupo existir, o nome já estava escolhido, The Doors, uma referência à poesia de William Blake e à prosa de Aldous Huxley, que eram muito conhecidos e apreciados entre os jovens intelectuais e universitários, devido às experiências com drogas alucinógenas que narravam nos seus livros - o nome era uma referência direta ao livro de Huxley, As Portas Da Percepção, onde o autor conta as suas experiências com mescalina. Pouco antes da decisão de formarem os Doors, Manzarek tentou integrar Morrison ao Rick & The Ravens, por ter ficado muito impressionado com as “letras de músicas” que ele lhe havia mostrado -na verdade, as “letras” eram versos extraidos dos seus poemas. Morrison não foi aceito pelo grupo por causa de sua inexperiência musical e por ser tímido demais ao cantar em público.
Com os Doors ainda em fase de gestação, apareceu John Densmore, que na época tocava num grupo de acid folk chamado The Psychedelic Rangers - o termo ‘‘psicodélico’’ ainda não tinha se banalizado derivava de LSD, o ácido lisérgico, e de outras drogas químicas alucinógenas que rolavam soltas e somente seriam proibidas em meados de ‘66. O lugar onde Manzarek e Morrison o conheceram não podia ser mais apropriado: numa palestra proferida pelo guru Maharishi Maheshi Yogi, que dois ou três anos depois tornou-se numa espécie de super-star da meditação transcendental. Mal o trio fez os primeiros ensaios e já gravaram a primeira fita de demonstração com cinco músicas, todas escritas por Morrison, que não sendo músico, sem saber tocar qualquer instrumento, usava a intuição, criando as melodias inteiramente na cabeça. Moonlight Drive, My Fyes Have Seen You, End Of The Night, Summer’s Almost Gone e Hello 1 Love You, apenas com vocal, piano e bateria era uma tentativa de colocar juntos música e poesia, o que não era nenhuma novidade, depois de Bob Dylan e Simon & Garfunkel, porém não aquele tipo de poesia. A fita foi recusada por todas as gravadoras. Alguns meses e muitos ensaios depois, conseguiram um contrato de seis meses com o selo Columbia, através de Billy James, que havia contratado os Byrds, também de Los Angeles, que havia se tornado a banda americana de rock de maior sucesso. James exigiu que os Doors arranjassem um guitarrista e foi assim que Densmore trouxe Robby Krieger para os Doors, um amigo das sessões de meditação transcendental, que casualmente tocava guitarra, sendo um diletante entusiasta dos estilos flamenco, clássico e jazz. Manzarek, Densmore e Morrison o admitiram nos Doors impressionados pelas suas duas principais influências, Django Reinhardt e Wes Montgomery, conforme Krieger orgulhosamente admitiu ao comparacer para o teste sem sua guitarra. Embora os Doors na Columbia tenham ficado durante todo o segundo semestre de ‘65 sob a proteção de Billy James, nada foi gravado. Novamente sem contrato, começaram ‘66 tocando num clube underground da Sunset Boulevard em Los Angeles, o London Fog, onde deram forma definitiva ao seu estilo, que encantava alguns e horrorizava outros. Além dos originais de Morrison, incorporaram ao repertório vários blues recolhidos do repertório clássico do gênero, principalmente do blues elétrico de Chicago e alguns covers de gravações mais recentes, como Gloria, de Van Morrison/ Them. Durante os meses em que ocuparam o palco do London Fog, Morrison se transformou do cantor tímido, frágil e vacilante que era, para o performer visceral, sensual e incendiário que fez história - já nessa época começava a criar em torno de si a aura de símbolo sexual que muito lhe atrapalhou, desviando a atenção crítica do artista sério, como desejava ser visto. A residência no London Fog, também lhes deu um fã de peso, o músico Arthur Lee, líder do Love, já na época um dos músicos mais respeitados de Los Angeles. Foi Lee quem levou o presidente da Flektra, Jac Holzman, para vê-los ao vivo no London Fog. Holzman, através de sua gravadora Elektra, promovia uma revolução na música popular americana, com a revelação de talentos como o próprio Love de Arthur Lee, Judy Collins, Tom Rush, MC 5 e Tim Buckley, contratou os Doors e colocou Paul Rotchild para produzi-los. No final de ‘66 os Doors foram para um clube melhor, o lendário Whiskey A Go-Go, justamente para substituir o Love. A platéia que assistia os Doors desde o início e formava seu primeiro núcleo de fãs, era formada por hippies, drogados, místicos, artistas e malucos de todo o tipo que habitavam o circuito subterrâneo dos bares de Los Angeles. Já no Whiskey A Go-Go, eles alcançavam outro tipo de público, jornalistas, artistas de projeção, a alta classe média, gente formadora de opinião. O impacto que os Doors provocaram na mídia de Los Angeles a partir das primeiras apresentações no Whiskey A Go-Go foi imediato e intenso; Rotchild para não perder o momento, levou os Doors para o estúdio e gravou todo o repertório da banda em apenas seis dias. Mais uma semana para as mixagens e escolha das músicas e o primeiro LP, lhe Doors, estava proEm janeiro de ‘67 saía o álbum juntamente com um compacto tirado desse disco, Break On Through / Fnd Of lhe Night, acompanhado de um filme promocional, uma espécie de ancestral do video clip. A estratégia de usar filme promocional para divulgar uma música era na época bastante incomum. Rotchild não desanimou diante do fracasso do primeiro single e editou o segundo, também tirado do álbum. A faixa escolhida, Light My Fire, escrita por Robbie Krieger, foi encurtada dos quase sete minutos originais para três e acabou permanecendo 17 semanas nas paradas, atingindo o primeiro lugar em junho de ‘67, levando a popularidade dos Doors para muito além do underground e da faixa de rádio FM (em ‘68, Light My Fire regravada por Jose Feliciano, voltaria a fazer um enorme sucesso em todo o mundo). O álbum de estréia dos Doors foi finalmente notado pelo público depois da revelação do primeiro hit e foi aos poucos escalando as paradas, chegando ao 2º lugar e ganhando o prêmio como disco de ouro, em novembro do mesmo ano. Além de Light My Fire, o álbum trazia uma seleção de originais com a poesia poderosa de Morrison debruçada sobre temas como o sexo e a morte, covers de blues e Kurt Weil e seu ponto alto era o épico psicossexual lhe End encerrando o disco, com mais de dez minutos de duração, com letra dramática/edipiana de Morrison, que gerou muita polêmica, e estrutura melódica hipnótica, que no final dos anos 70 serviu de tema no formidável Apocalypse Now, a grande obra cinematográfica de Francis Ford Coppola sobre o horror da guerra, vindo a instigar o maior de todos os revivais dos Doors, por coincidir com a edição do best-seller escrito por Danny Sugarman e Jerry Hopkins No One Here Gets Out Alive, enfocando os Doors biograficamente. Ao contrario do primeiro álbum, montado às pressas, o segundo álbum foi editado com mais elaboração e cuidado em agosto de ‘67, com as músicas (todas originais) mais bem gravadas e produzidas e uma das mais belas capas já criadas para um disco. Conceitualmente concebida, a foto da capa inspirada na canção People Are Strange, mostra figuras circenses desfilando numa rua, enquanto que a imagem da banda e o nome do álbum, Strange Days, somente são revelados num discreto cartaz colado numa parede. Capas e álbuns conceituais estavam ainda longe de ser um lugar comum, conforme veio a se tornar nos anos seguintes. Srange Days chegou ao 3º lugar e os dois compactos que lhe foram extraídos People Are Strange / Unhappy Girl (12º lugar) e Love Me lwo limes / Moonlight Drive (36º lugar), também lançados em ‘67, consolidaram o grande sucesso que a banda tinha se tornado; repetindo o formato do disco anterior, Strange Days se fecha no climax de uma faixa com mais de dez minutos de duração, When lhe Music’s Over. Foi também produzido por Paul Rotchild, que mais recentemente confessou que antes de produzir os Doors, não acreditava que eles chegassem a ter êxito, com sua música de texto difícil, intelectual, e seu som totalmente fora dos padrões. Já nesse começo de sucesso, Morrison adotou o traje de couro que virou sua marca registrada e a identidade de Lizard King (“rei lagarto”) e referia-se a si mesmo como Mr. Mojo Risin’ (a expressão além de ser um anagrama de Jim Morrison, é um sinônimo de bruxaria ou feitiço, no sul dos EUA). Independente dos Doors, Morrison começava a ser promovido como ídolo de massa, aos poucos sua imagem foi manipulada para ser transformado no grande sex-symbol masculino da América, além dos limites da música pop. Revistas para adolescentes não resistiram em promovê-lo como o mais banal teen-idol, desvinculando sua imagem da música que produzia, que pelas suas mensagens e significados, não era exatamente adequada para teenagers, muito pelo contrário. Rapidamente, as platéias que acompanhavam a banda nas suas apresentações ao vivo se expandiram e os Doors passaram a se apresentar em estádios, nos grandes ginásios de esportes e em locais abertos que pudessem comportar as grandes multidões que corriam para vê-los. Sempre com lotação total, os shows consolidaram os Doors como a melhor banda americana ao vivo, a resposta que os EUA estavam esperando há anos para dar aos Beatles e Rolling Stones e Jim Morrison como seu melhor performer. As milhares de meninas na semi-inocência da puberdade, que gritavam histéricas por Morrison durante os shows, nem desconfiavam dos demônios escondidos por trás daquela cara de anjo.