Jesus
por
Carlos Antonio Fragoso Guimarães
Música: Concerto para órgão, de Handel
A Mensagem do Cristo
Em dezembro de 1945, alguns felás (beduínos egípcios)
deslocavam-se com seus camelos por perto de um rochedo chamado Jabal al-Tarif,
que margeia o rio Nilo, no Alto Egito, não muito longe da moderna cidade de Nag
Hammadi. Eles estavam procurando um tipo de fertilizante natural na área,
chamado sabaque.
No sopé do Jabal al-Tarif começaram a cavar em torno
de uma pedra que caíra no talude, e, sem esperarem, encontraram um jarro de
armazenagem com um recepiente selado na parte superior. Um dos felás, chamado
Muhammad Ali Samman, quebrou o jarro com uma picareta na esperança de encontrar
algo valioso, talvéz um pequeno tesouro. Deve ter ficado um tanto quanto
decepcionado ao ver que ao invés de ouro ou algum tipo de objeto de igual valor,
no jarro só havia fragmentos de papiros.
Muhammad Ali Samman, sem querer ou se dar conta, havia
descoberto treze livros de papiro (códices), a que hoje chamamos de a
biblioteca copta de Nag Hammadi, dois anos antes de outra descoberta famosa,
a dos Manuscritos do Mar Morto, conjunto de documentos encontrados na
Palestina e que haviam pertencido a uma comunidade judáica que professavam uma
forma ascética diferente de judaísmo, conhecido como essênios. Porém, apesar
destes últimos manuscritos terem tido maior divulgação, serem mais famosos e
terem sido avlos de debates, os primeiros possuem, todavia, caráter muito mais
revolucionário, em especial por estarem ligados diretamente ao
cristianismo.
Além de outras obras valiosas, entre estes papiros
estava algo muito interessante: o chamado Evangelho de Tomé, que é uma
coletânea de sentenças de Jesus que teriam sido compiladas, segundo a primeira
frase deste Evangelho, por Judas Tomé, O Gêmeo.
Antes desta descoberta excepcional, os estudiosos dos
evangelhos já tinham algumas referências dos pais da Igreja referentes a um
documento denominado Evangelho de Tomé (ou de Tomás). Porém, o conteúdo deste
documento punha em xeque alguns posicionamentos dogmáticos da Igreja. Cirilo de
Jerusalém, em suas Catequeses 6.31 afirmava que o Tomé que escreveu este
Evangelho não era um seguidor de Jesus, mas um maniqueu - um maniqueísta,
portanto, seguidor gnóstico e místico de Mani, mestre herético do século
III. Só que, atualmente, é quase consenso de que o texto de Nag Hammadi
foi bem escrito antes do movimento maniqueísta ter vindo à lume e, ainda mais,
tudo indica que a cópia copta deste evangelho se baseia em um texto ainda mais
antigo, provavelmente escrito em grego e/ou aramaico, a língua falada por
Cristo. Além dos testemunhos dos chamados padres da Igreja, temos fragmentos de
três papiros gregos - encontrados num monte de lixo em Oxirronco, atual Behnesa,
no Egito -, publicados em 1897, e que contêm sentenças de Jesus quase idênticas
aos encontrados no Evangelho de Tomé de Nag Hammadi, escrito em língua copta.
Estes fragmentos de papiros eram, portanto, representantes ou cópias de edições
em grego do Evangelho de Tomé.
Ao contrário dos outros evangelhos conhecidos, quer
sejam canônicos ou apócrifos, o Evangelho de Tomé não expõe em nada narrativas
sobre a vida de Jesus de Nazaré, mas atém-se especificamente às sentenças que
teriam sido proferidas por Jesus a seus discípulos. Entre elas, destaco as que
se seguem:
Jesus disse: "Se seus líderes vos dizem: 'Vejam, o Reino está no
céu', então saibam que os pássaros do céu os precederão, pois já vivem no céu.
Se lhes disserem: 'Está no mar, então o peixe os precederá pelo mesmo motivo.
Antes, descubram que o Reino está dentro de vocês, e também fora de vocês.
Apenas quando vocês se conhecerem, poderão ser conhecidos, e então compreenderão
que todos vocês são filhos do Pai vivo. Mas se vocês não se conhecerem a si
mesmos, então vocês vivem na pobreza e são a pobreza".
Evangelho de Tomé, logion 3.
Perguntaram-lhe os discípulos:
"Quando virá o Reino?" Jesus respondeu: "Não é pelo fato de alguém estar à sua
espera que o verá chegar. Nem será possível dizer: Está ali, ou está aqui. O
Reino do Pai está espalhado por toda a terra e os homens não o
vêem".
Evangelho de Tomé, logion 113
Jesus disse: "Eu sou
como a luz que está sobre todos. Eu sou o Todo: o Todo saiu de mim e o Todo
retornou a mim. Rachem um pedaço de madeira: lá estou eu; levantem a pedra e me
encontrarão ali".
Evangelho de Tomé, logion
77.
Passagens semelhantes a estas, ao menos no
conteúdo que expressam, podem ser encontradas nos Evangelhos Canônicos, ou seja,
nos Evangelhos reconhecidos pela Igreja, apesar do grande número de
manipulações, enxertos e cortes pelos quais estes textos reconhecidamente
passaram para se adaptar aos interesses que a Igreja, como instituição, passou a
compor desde que Constatino a reconheceu como Instituição Oficial (sobre a questão das traduções e distorções dos textos bíblicos, ver o livro do Professor Severino Celestino, da UFPB, intitulado Analisando as Traduções Bíblicas, Editora Idéia, João Pessoa. O professor Celestino aprendeu grego e hebráico e teve a acessoria de rabinos e exegetas cristãos para apontar as distorções "oficiosas" dos textos ditos sagrados. Ver também o volume I da série Apócrifos - Os proscritos da Bíblia organizado por Maria Helena de Oliveira Tricca, editora Mercuryo, São Paulo).
Podemos
encontrar exemplos, como em Lucas 19,20, e que expressam a idéia de Reino de
Deus não como um evento ou local espacial ou temporalmente determinado, mas uma
conquista do espírito ou mesmo uma tomada de consciência de que, sem que se
perceba, o Reino já existe dentro do homem, não sendo extrinsecamente necessário
a presença de intermediários institucionais, ou doutores teológicos, que se
arvorem na presunção de fazer a ligação entre Deus e o homem, ou a dizer onde
está a entrada para um exo-Paraíso que as Igrejas fizeram cada vez mais longe do
homem:
Havendo-lhe perguntado os fariseus quando chegaria o Reino de
Deus, lhes respondeu Jesus: "- O Reino de Deus vem sem se deixar sentir. E não
dirão: '- Vede-o aqui ou ali, porque o Reino de Deus já está dentro de vós'
"
É notável a semelhança entre o
conteúdo destas sentença de Jesus com a máxima adotada por Sócrates, e que
foi emprestada do pórtico do Templo de Apolo, em Delfos: "Homem, conhece-te a ti
mesmo e conhecerás o universo". De igual forma, outro grande mestre do espírito
humano, Buda, dizia que só o conhecimento de si levava à iluminação, do mesmo
modo que Láo-Tsé
dizia que apenas o conhecimento da ordem dentro de si levava à compreensão do
Tao, do aspecto transcendente que a tudo engloba e vivifica. Da mesma
forma, os órficos
falavam do processo evolutivo como uma tomada de consciência de que somos
deuses por sermos filhos de Deus. Apenas não temos nem a percepção, nem a
consciência disto.
Segundo Stephen Mitchell, cujo
livro "O Evangelho Segundo Jesus" recomendo, quando Jesus falava do Reino de
Deus, ele de fato não estava dizendo ou profetizando um evento que acontecerá de
repente e nem uma perfeição fácil e livre de perigos, como interpretaram ao seu
bel-prazer alguns doutores da teologia, ou como ainda o fazem alguns líderes de
religiões institucionalizadas, retirando a ênfase no presente e pondo-a num
futuro sempre mais ou menos distante. Ele estava falando de um estado de
espírito que, ao se fazer presente, muda o modo como o homem se comporta com
seu semelhante, como fica bem demonstrado em muitas de suas parábolas, como, por
exemplo, a da mulher que perde uma moeda e revira a casa inteira em sua busca e,
quando a acha, sai a correr chamando os vizinhos e dizendo: alegrem-se comigo,
pois achei a moeda que havia perdido. Ela encontrou algo aparentemente muito
simples, algo que sempre esteve bem perto
dela...
Este estado de espírito pode ser tão
simples e poético quanto a revoada de pássaros no céu ou os lírios no campo. Ele
não está fora, mas fora e dentro de nós. Tudo está ligado a tudo. O homem é um
ser que depende da natureza e de outros homens para sobreviver. Tudo é um e
temos de passar por várias etapas para adquirir a consciência disto:"Na casa
de meu Pai há muitas moradas". Enfim, o Reino é o reconhecimento no coração
de que todos somos filhos de um mesmo Pai, portanto, irmãos e irmãs, cada um
refletindo o próprio Deus, portanto, a maior alegria é conviver com Deus que se
reflete na presença do irmão. Por isso a crítica de Cristo à hipocrisia dos pretensos Doutores da Lei, que provavam claramente nada compreenderem (no sentido profundo e vivencial) a mensagem do Deus Pai, pois rejubilivam-se em se diferenciar dos "leigos" e determinar bem esta separação pela vida de luxo e opulência, ou ao menos de distinção social, que traz o poder. Eles eram (ou melhor, consideravam-se) o elo de ligação entre Deus e seu povo. Jesus demonstrava a infantilidade desta distinção na prática e de várias
formas, em especial durante as refeições, já que ele fazia questão de unir na
mesma mesa tanto os sábios e Doutores da Lei, quanto gente simples, publicanos,
pecadores e pessoas socialmente consideradas
impuras. Ademais, no Sermão da Montanha, Jesus deixa claro que não é necessário se postar de pé, em atitude pretensamente pia, para entrar em contato com Deus, nem se por nos primeiros lugares das sinagogas (e Igrejas, poderíamso dizer hoje). Basta se isolar em seu quato e, fechada a porta, entrar em contato com Deus e Este, que sabe o que se passa no íntimo, dará o necessário ao espírito.
Todos nascemos, porém com grau variável de
pessoa para pessoa, com um pouco da percepção feliz deste Reino e a mantemos
enquanto a cultura - o meio -, ou melhor, a cultura montada tendo em vista divisões de classe ajuda a retirar de nós a tendência natural à
afetividade, corrompendo-nos. "Se vos fizerdes como uma criança, entrarás
no Reino dos Céus". Os que se envolvem em demasia com as preocupações materiais
têm certa dificuldade em entrar neste estado de espírito, pois são possuídos por
suas posses que exigem um esforço considerável para serem mantidas e estão tão
encarcerados em seus poderes e em sua fantasia social, que, para eles, é quase
impossível desapegarem-se delas e terem a liberdade de SEREM longe do peso de
demonstrar APARENTAR O TER.
"Não que seja fácil para qualquer um de
nós. " Escreve Stephen Mitchell. "Mas, se precisarmos avivar a memória,
sempre poderemos nos sentar ao pé de nossas criancinhas. Elas, como ainda não
desenvolveram uma noção muito firme do passado e do futuro, sabem aceitar de
peito aberto e com plena confiança a infinita abundância do presente". Para
elas, o tempo corre de forma diferente que para o adulto, e isso se dá porque a alma se maravilha com a observação do mundo natural, e não está ainda enclausurada em normas, convenções e imposições que secam a sensilidade dos adultos, ou seja, ainda não comeram do fruto do "conhecimento do bem e do mal" e se mantêm em certo sentido no Jardim do Édem.
Nossa realidade
é moldada pelas nossas crenças. Normalmente vemos aquilo que esperamos ver e
outras coisas escapam simplesmente ao nosso olhar por não levarmos outras
possibilidades em consideração. Se tememos ao relógio, se nos apegamos ao
passado e se nos apavoramos com o futuro, nunca poderemos viver o presente. De
certa forma, entrar no Reino de Deus significa sentir que existe
algo que cuida de nós a cada instante, da mesma forma como alimenta as
aves do céu e veste os lírios do campo, com infinito amor. Algo que Jesus
chamava de Abba - Papai. Um pai bem diferente do patriarcal e vingativo
Deus dos Exércitos do Antigo Testamento, ainda muito presente em algumas das
igrejas cristãs atuais. Talvez Abba seja uma maneira carinhosa de Jesus
de se referir a um Deus Pai-Mãe... "Qual de vós, se vosso filho vos
pedir pão, lhe dará uma serpente, ou um escopião se vos pedir peixe? Pois se
vós, que sois imperfeitos sabeis o que dar de bom para vossos filhos, quanto mas
vosso Pai, que está nos céus!"
Todos os Mestres da humanidade, em
todas as épocas e lugares, sempre apontaram para a necessidade de voltarmos a
viver o presente como única realidade concreta da alma no mundo: "Não vos
preocupeis com o dia de amanhã, pois a cada dia basta a sua própria
preocupação....", disse Jesus.
As passagens do
Evangelho em que Jesus fala de um Reino dos Céus no futuro não podem ser
autênticas transcrições do pensamento do Cristo, e sim interpretações de pessoas
ainda muito ligadas ao pensamento judáico da época, a não ser, como fala Stephen
Mitchell, que Jesus tivesse dupla personalidade, como se fossem torneiras de
água quente e fria. O problema é que Jesus usava uma linguagem figurada, mais próxima do imaginário mítico que da razão discursiva,
freqüentemente composta por imagens fortes, mais propícias a impressionar a
mente simples do povo igualmente simples que o ouvia, fazendo-os refletir seus
atos de cada dia. Esta forma de discurso soa esquisita para nós, hoje. Estas palavras, contudo, podiam ser interpretadas de modo tão
diferente -e, por isso, apropriadamente - quanto o número de ouvidos que as ouviam.
O
que chegou à nós, em formas de textos evangélicos, não são mais do que
interpretações sobre os dizeres do Cristo feito por discípulos. Algumas
passagens são tão opostas à doce doutrina de amor e compreensão de Jesus que
dificilmente não nos deixam de chocar. Estas estão muito impregnadas de um
espírito de vingança e de uma agressividade apocalíptica de mesmo aspecto como
encontrado nos textos dos profetas do Antigo Testamento, e cabem muito bem aos
judeus que vivenciaram os terríveis acontecimentos da Revolta Judáica do ano 66
d. C. que terminaria com a destruição de Jerusalém pelos romanos e com a
dispersão dos judeus por todo o mundo. Cristo desejava mudanças sociais sim, e foi sua proposta radical de um socialismo real que lhe custou a vida após sua ação contra os cambistas do Templo, mas mais que mera crítica o que ele queria era que a transformação partisse
a partir da mudança íntima das pessoas que encontrasse a intuição, em si, de que todos
são filhos de Deus e, portanto, que todas as demais criaturas são irmãos e irmãs
que merecem respeito. Estas passagens de um reino externo por vir, muito
provavelmente, poderiam ter sido inseridas no Evangelho por discípulos que
interpretaram os acontecimentos como um início da materialização do Reino que
Jesus pregava, sem atinarem que este Reino é de uma profunidade maior do eles
pensavam. Eles viveram estes acontecimentos e tentaram ver neles uma
concretização da mudança social que Jesus aspirava a implantar na Terra, ou
ainda, por interpretações feitas por discípulos de discípulos. Já que Jesus não
deixou nada escrito, tudo o que dele sabemos é de segunda ou terceira mão, sendo
o primeiro evangelho sinótico, o de Marcos, sido escrito provavelmente por volta
do ano 60, ainda que baseado - segundo experts - em um texto anterior, chamado
de quelle - fonte, em alemão, e que muitos pensam estar contido em grande
parte no Evangelho de Tomé. Fora isso, a distância ajudou a acomodar os ensinos
de Cristo ao que viviam seus seguidores (veja a Home Page O Cristianismo depois
de Jesus).
Estes discípulos ainda estavam
cheios da tradição judáica. Passagens que falam do Reino de Deus como algo que
virá no futuro existem aos borbotões nos profetas e nos escritos apocalípticos
judáicos redigidos sob o jugo romano dos primeiros séculos de nossa era, bem
como na maioria dos textos geralmente muito partiarcais e calcados mais na figura mitologizada de Jesus que em sua mensagem, atribuídos a Paulo pela
Igreja primitiva. Elas são repletas de uma esperança passional, exclusivista, e,
como apontou Nietzsche, de um amargurado ressentimento contra "eles" (os
poderosos políticos e econômicos, os ímpios), sem questionar o porquê que leva à existência da divisão de classes e a figura do explorador social. Certamente, a mensagem original acabou por ser reduzida às interpretações mais concordes com a mentalidade média. Mas tudo isso é fruto de uma
interpretação intelectual e passional das reformas sociais propostas por Jesus,
que, em toda a sua vida, aboliu todo tipo de distinção de castas e de origens,
devido à sua consciência de irmandade entre todos. Os discípulos dos discípulos
tiveram uma noção apenas intelectual disto e não da vivência do estado de
espírito ou da consciência
cósmica vivenciada por Jesus. Uma vivência que foi plenamente vivida por um
Francisco de Assis ou por um Mahatman Gandhi, e que é profundamente
revolucionária, na verdade tão revolucionária que seus propositores impreterivelmente são assassinados.
Stephen Mitchell fala, com muita propriedade, que o Reino
de Deus "não é algo que irá acontecer, porque não é algo que, temporalmente
falando, possa acontecer. Não pode surgir num mundo" como se fosse uma
invasão externa - "O meu Reino não é deste mundo" - "é uma condição que
não tem plural, mas apenas infinitos singulares. Jesus falava das pessoas
'entrando' no Reino, e que as crianças já estavam nele (...). Se pararmos de
olhar para frente e para trás, foi o que ele nos disse, poderemos nos dedicar a
buscar o Reino que está bem debaixo de nosso pés, bem diante de nosso nariz; e,
quando o encotrarmos, alimentos, roupas e outras coisas necessárias também nos
serão dados, tal como o são às aves e aos lírios. (...) Este reino é como um
tesouro enterrado num campo que é nossa alma; é como uma pérola de grande valor;
é como voltar para casa. Quando o encontramos, encontramos a nós mesmos,
tornamo-nos donos de uma riqueza infinita (...)", é por isto que todos os
místicos falam em perderem-se em Deus. "Eu e o Pai somo um", pois nossa
personalidade é apenas uma máscara mutável, mas o self, como diria Jung, é a parte mais
próxima do divino, em nós. Vivenciando o Deus que há em nós, poderemos
reconehcer o Deus que há no outro e, assim, poderemos viver, naturalmente,
devido à nosso grau de consciência, a Liberdade, a Igualdade e a
Fraternidade.
O verdairo Jesus é o Jesus do Sermão da Montanha, o
Jesus entre as crianças, o Jesus que admitia mulheres, publicanos e leprosos
entre seus seguidores, um homem que se esvaziou dos desejos mundanos comuns,
esvaziou-se de doutrinas e regras - todos os inúteis aparatos intelectuais - e
se deixou preencher pela vida, como o demonstram as suas parábolas, onde o reino
é o campo, é a festa de núpcias, é a rede lançada ao mar... Porque se desapegou
de tudo o que é egóico e passou a sentir o TODO - o Tao, como diria Lao-Tsé -,
ele deixou de ser meramente alguém, para ser também todos, todo o mundo:
"Tudo isso que fizeres a um destes pequeninos, fareis a mim". Porque
admitiu Deus em sí, sua personalidade é como um ímã que atrai a todos. Quanto
mais se aproximam dele, mais sentem a pureza de seu coração. Um coração que é
como um quarto claro e espaçoso: "Vinde a mim todos vóis que estais aflitos e
sobrecarregados, e eu vos aliviarei". As pessoas ou as possibilidades abrem
a porta e entram. O quarto recebe a todas o tempo que quiserem, sem impor regras
além da do amor. É bem diferente de um coração cheio de pertences, de crenças e
de certezas, cujo dono senta-se atrás da porta trancada com uma arma em punho,
como o fazem as Igrejas de todas as denominações.
Jesus também reconhecia
as verdades espirituais que foram ditas pelos outros Grandes Mestres da
humanidade, em todas as épocas. É assim que se explica as grandes similaridades
entre seus ensinamentos e os de Buda, por exemplo, que
nasceu mais de 500 anos antes de Cristo.
Jesus enfatizava a importância
da evolução e da transformação pessoal: "Não te maravilhes de eu ter dito:
Necessário vos é nascer de novo (João, 3. 3-7)". Reconhecia a imortalidade
da alma: "De fato, Elias há de vir e restabeler todas as coisas. Eu porém vos
digo: Elias já veio e fizeram dele o que quiseram! E os discípulos compreenderam
que era de João Batista de quem ele falava" (Mateus, 17, 11-13; Marcos, 9,
11-13). Bem, como Elias não voltou numa carruagem celeste ao tempo de Jesus,
e como "os discípulos compreenderam que era de João Batista de quem ele lhes
falava", Elias e João têm de ser a mesma pessoa... Ora, todos
conheciam a história do nascimento de João - aliás, o anjo que aparece a
Zacarias diz que o menino "irá adiante do Senhor no espírito e no poder de
Elias (Lucas, 1. 17)".
Sendo assim, a única possibilidade real de
Elias ter retornado à terra como João era a de que ele reencarnou como
João, conhecido como O Batista, primo de Jesus... Esta idéia na reencarnação,
conhecida ao tempo e na região de Jesus com o nome confuso de
ressurreição (Mateus, 16.13-15), era familiar a inúmeros sistemas
filosóficos da era helenística, e é encontrado em Pitágoras, Sócrates e Platão,
sendo retomado por Amônio Sacas e por seu discípulo Plotino e, já na era cristã,
por Orígenes de
Alexandria, um dos pais da Igreja. Esta crença permaneceu mais ou menos
atuante durante os primeiros séculos do cristianismo até que os interesses
temporais e políticos a tornaram numa crença herética. Cristo também solapou a
proibição de Moisés de não invocar os mortos, pois sabemos de seu encontro
visível com dois mortos (Mateus, 17. 14-21; Lucas 9. 37-43) - o próprio
Moisés, e Elias (João já havia sido degolado a esta época) -, no fenômeno da
transfiguração, isso sem falar nas aparições póstumas durante os quarenta dias
após a cruxificação, já que Cristo podia aparecer e desaparecer de repente,
tanto em Emaús ("então se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele
desapareceu da presença deles." Lucas, 24, 31), como em Jerusalém "estando
as portas fechadas" ("Ao cair da tarde daquele dia, o primeiro da semana,
estando trancadas as portas da casa onde estavam os discípulos com medo dos
judeus, veio Jesus, pôs-se no meio e disselhes: Paz seja convosco! João, 20,
19; "Finalmente apareceu Jesus aos onze, quando estavam em casa..."
Marcos, 16,14). Tal fenômeno se explica perfeitamente pelo processo da
materialização do nobre e poderoso espírito de Jesus. É interessante notar,
nesse ponto, o comportamento de algumas seitas de base fundamentalista que
aceitam tudo ao pé da letra que está escrito na Bíblia mas, quando chegam nestas
partes dos Evangelhos, INTERPRETAM o que está escrito da forma que mais
lhes convenha para negar a realidade destes fatos, isso quando não invocam o
suposto ser que acaba por se tranformar em seu maior aliado em questões que os
embaraçam, ou seja, o "demônio", para dizer que estão errados os outros, os que
aceitam a reencarnação ou a vida após a morte e que estão possuidos do espírito
do mal, e não eles, detentores de todo o saber sobre o absoluto.... "Ai de
vós, doutores da lei..." pois estão plenos de orgulho, e são como "Cegos
a guiar outros cegos".
Enfim, ainda citando Mitchell, Jesus foi o
maior exemplo de quão longe pode o homem chegar. Ele soube viver plenamente
entre os dois mundos: o material e o espiritual. Soube dar a César o que é de
César e a Deus o que é de Deus. Ele foi uma árvore. Como fala Mitchell, a árvore
não tenta arrancar da terra as suas raízes e plantar-se no céu, nem tampouco
estende suas folhas para baixo, junto à lama. Ela precisa tanto do solo quanto
da luz, e sabe a direção de cada coisa. Exatamente porque enterra as suas raízes
na terra escura, é que pode sutentar suas folhas no alto para receber a luz do
sol... É pena que Jesus de Nazaré seja frequentemente incompreentendido pelos
Cristãos.
Bibliografia sugerida
Da Silva, Severino Celestino. "Analisando as Traduções Bíblicas", editora Idéia, João Pessoa, 1999.
Mateus, Marcos, Lucas e João. "O Novo Testamento : Os 4 Evangelhos",
diversas editoras.
Meyer, Marvin. "O Evangelho de Tomé". Ed. Imago, Coleção
Bereshit, Rio de Janeiro, 1993.
Miranda, Hermínio Correia. "O Evangelho de Tomé - Texto e
Contexto". Ed. Arte e Cultura, Niterói, 1992.
Miranda, Hermínio Correia. "O Evangelho Gnóstico de Tomé".
Publicações Lachatre, Niterói, 1995.
Mitchell, Stephen. "O Evangelho Segundo Jesus". Ed. Imago,
Coleção Bereshit, Rio de Janeiro, 1994.
Benítez, J.J. "Operação Cavalo de Tróia" Editora Mercuryo, São
Paulo, 1988.
Leloup, Jean-Yves. "O Evangelho de Tomé". Editora Vozes,
Petrópolis, 1998.
Tricca, Maria Helena de Oliveira (Org.) "Apócrifos - Os Proscritos da
Bíblia". Editora Mercuryo, São Paulo, 1989.
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Você é o visitante de número
João Pessoa, 29/12/1996
Revisto em 30/01/2003
Copyright (C) 1996 by Carlos Guimarães