A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS
DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA -
CONTEÚDO E ALCANCE
IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS - LIMITES DE INTERPRETAÇÃO
I - DETERMINAÇÃO DO SENTIDO DA NORMA IMUNIZANTE

No processo interpretativo das imunidades constitucionais tributárias, no que não diferem substancialmente da exegese aplicável a outras normas, deve-se tomar em consideração o texto normativo e sua correlação com o caso particular e concreto; deve sopesar se o fato real encerra os valores que motivaram a edição daquela norma imunizante; se a desoneração resultante estará em acordo com a amplitude dos princípios consagrados pela Constituição.

Esse é um critério científico e não subjetivo. O subjetivismo de valores - que podem ocultar interesses , capaz de arrastar o intérprete a um terreno de incerteza, ora se dando amplitude à norma, ora restringindo-lhe o alcance, coloca em risco o princípio supremo da segurança jurídica. Nesse âmbito, exsurge o que Häberle denominou de "sociedade aberta de intérpretes da Constituição", abalando as estruturas do Direito, como ciência. Não se defende com isso, tampouco, uma interpretação literal ou restritiva, mas uma exegese sistemática e teleológica dos princípios constitucionais.

Essa ponderação e equilíbrio na interpretação implicam que “cumpre evitar, não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de forçar a exegese e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais este se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto idéias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos. ... A interpretação deve ser objetiva, desapaixonada, equilibrada, às vezes audaciosa, porém não revolucionária, aguda, mas sempre atenta respeitadora da lei.”

"A teoria da interpretação vem demonstrando, nas últimas décadas, que a aplicação dos princípios constitucionais aos casos concretos deve ser precedida de sua ponderação diante dos interesses em jogo, a fim de que se evitem as antinomias entre eles, de difícil superação no ordenamento democrático."

Hoje, em lugar da concepção tradicional legalista apegada à letra da lei e da concepção intermediária que agrega inovações filosóficas à hermenêutica, prestigia-se o critério de interpretação atento à realidade do caso a decidir.

No processo interpretativo, busca o intérprete restabelecer a tricotomia fato-valor-norma, migrando da norma positiva para o fato concreto, dele extraindo a valoração e confrontando-a com aquela que informou a edição da regra e adequando-a ao momento histórico.

Com o devido critério, tal processo interpretativo não implica em "legislar" através da exegese. Condenável é o exagero que conduz à interpretação restritiva, normalmente em proveito do Fisco, ou à interpretação excessivamente lata, que abranja situações além da norma, em benefício exclusivo ao contribuinte.

Por tal razão, conclui-se imprópria a conclusão de que a interpretação das normas constitucionais imunizantes devam ser ampliativas, por resguardarem princípios e valores, tampouco que devam ser restritivas, por supostamente alegarem alguns que são exceções ao princípio da tributação.


II - ALCANCE DAS SITUAÇÕES ABRANGIDAS
PELA IMUNIDADE CONSTITUCIONAL



A interpretação jurídico-científica, para Kelsen , não pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica, elegendo a que mais se aproxime do ideal de segurança jurídica visado pelo ordenamento; para isso, deve-se analisar o que está ou não compreendido na fórmula verbal escolhida pelo legislador.

Segundo Alf Ross , toda a interpretação do direito legislado começa com um texto, isto é, com uma forma lingüística escrita, a partir da qual o destinatário da norma constrói um sentido da mensagem legislada.

O alcance, porém, de uma norma não se dá de forma abstrata, mas diante de um caso concreto, conforme propala doutrina mais moderna. Na interpretação da norma, deve o exegeta enfrentar, pelo menos, quatro momentos distintos, para precisar-lhe o alcance : “(1) o tempo da lei, no sentido de compreender o sentido que as disposições tinham no momento em que foram editadas, o que enseja certas correntes de interpretação, como a que postura devem as normas ser interpretadas dando aos termos o alcance que tinham na data de sua edição; (2) o tempo em que ocorreram os fatos que deveriam ser interpretados, pois, neste segundo tempo, o sentido e alcance da lei podem não coincidir com o que tinham no tempo da edição da lei; (3) o tempo do próprio fato, no sentido de que, nos fatos complexos formados por um conjunto de eventos ou operações, seqüências, que podem ser admissíveis se estão distanciadas no tempo, podem, por outro lado, configurar um uso distorcido, se muito próximas no tempo; (4) o tempo do momento da aplicação, que não se confunde com nenhum dos anteriores, e deles pode se distanciar significativamente, seja quanto à data, seja quanto ao sentido e alcance que a interpretação dá àquela lei e àqueles fatos.”

As normas de desoneração tributária, notadamente aquelas que foram elevadas ao patamar constitucional, devem levar em consideração essas etapas, para que se compreenda o alcance das situações por elas abrangidas.

Deve-se igualmente considerar que, na interpretação “ampla” que se pretenda dar às normas imunizantes, ao intérprete caberá ponderar se a extensividade dada à desoneração estará violando a legalidade estrita (alargando-se demasiadamente o sentido do vocábulo: e.g. o conceito “livro” abarcando “rádio, TV ou qualquer veículo de comunicação”) ou desconsiderando a capacidade contributiva do beneficiário da imunidade em face ao princípio da livre concorrência (p. ex., incluindo-se na hipótese de instituições assistenciais as de previdência privada fechada), visto que se assim for, a imunidade estará desrespeitando a própria isonomia constitucional e a diretriz de justiça fiscal de que se revestem as normas desonerativas constitucionais.

As desonerações, quer veiculadas por leis ordinárias, quer pela Constituição, que não iluminadas por critérios como esses, "transformam-se em privilégios inconstitucionais e são espúrias; desvirtuadas, informam a possível colisão dos regimes de incentivos com o princípio da igualdade concebido como princípio de capacidade contributiva.”
III - OS CRITÉRIOS ONTOLÓGICO E TELEOLÓGICO DA NORMA IMUNIZANTE


Segundo Paulo de Barros Carvalho , imunidade tributária é a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.

Essa noção dogmática e positivista das imunidades constitucionais visa a assegurar que a interpretação da desoneração não ultrapassará seu legítimo espaço, provocando mutações constitucionais por via interpretativa. Em consonância com tal concepção, o limite do espaço para a interpretação é o texto normativo em si mesmo.

Por outro lado, os modernos métodos hermenêuticos, tentando resgatar valores constitucionais enublados pelo positivismo, passam a adotar uma interpretação principiológica, considerando o aspecto teleológico da norma constitucional. A teleologia cede terreno à ampliação exegética das regras imunizantes. “O sistema constitucional é agora sistema aberto de regras e princípios, onde sobressaem os sentidos axiológico e teleológico das normas constitucionais e sua conexão com a realidade.”

Entretanto, o conteúdo teleológico não justifica o desprezo àquele ontológico relativo à norma positivada. “A incipiência da teoria e prática dos novos métodos hermenêuticos não trouxe ainda uma fundamentação dogmática suficiente para acreditá-los perante os cânones científicos,” dada à subjetividade que lhe é inerente, conferindo-lhe certo grau de incerteza e imprecisão jurídicas.

Assim, os critérios ontológico e teleológico devem informar a interpretação das normas imunizantes, vez que sua simples redução da exegese ao mero aspecto lógico-formal não é capaz de atender às peculiaridades dessas regras especiais que encerram valores; contudo, não pode prescindir o processo interpretativo da positividade do direito, para lhe atribuir cientificidade.

Tome-se aqui como exemplo o caso das sociedades de previdência privada fechadas. Os tribunais, reiteradamente, haviam reconhecido que tais entidades eram equiparáveis à hipótese imunizante da Constituição Federal relativa à assistência social, aplicando-se-lhes interpretação ampliativa. Entretanto, ultimamente, a orientação do STJ tem sido no sentido de não subsumi-las à norma imunizante, manifestando entendimento de que não se equiparam às entidades imunes constitucionalmente eleitas.

Prestigiando a Constituição ao Judiciário a função máxima de exegese do ordenamento jurídico, deve ele, como intérprete, ater-se constantemente à evolução dos conceitos, de modo a determinar o sentido e alcance das expressões no contexto histórico evolutivo, tutelando os valores da sociedade.
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