ARTIGOS TRIBUTÁRIOS |
Volte aqui para a página principal Interpretação e Integração da Legislação Tributária Prof. José Eduardo Soares de Mello 1 – INTRODUÇÃO O ordenamento jurídico é integrado por inúmeros preceitos e princípios explícitos e implícitos, com conteúdos nitidamente diferenciados, participando de uma dinâmica procedimental, em decorrência de sua permanente aplicação requerida pela infinidade de situações fáticas no mundo fenomênico. Q: Quais os princípios implícitos no artigo 1º da Constituição Federal Brasileira? (República Federativa do Brasil – Estado Democrático de Direito) e quais os reflexos tributários daí decorrentes? A par dessa complexa situação, constantemente são editadas normas dispondo sobre novas matérias, ou mesmo alterando ou suprimindo regras existentes. Essa complexa engrenagem jurídica implica uma árdua e ingerente tarefa cometida ao aplicador das normas, consistentes no objetivo fundamental de conferir segurança e certeza ao Direito. É cediço que os preceitos jurídicos nem sempre são claros e precisos, revelando ambigüidades e imperfeições, primando por redação defeituosa, omissões e contradição entre diplomas vigentes, especialmente porque fruto da atividade humana. Q: Qual a diferença entre o direito positivo e a Ciência do Direito? A elaboração legislativa é obra de políticos quase sempre não afeitos à linguagem jurídica, e em que pese a depuração das comissões técnicas das Casas do Legislativo – o resultado da atividade legiferante, muitas vezes, se traduz em redação deficiente. Além disso, a produção normativa deve guardar absoluta coerência com os preceitos válidos e eficazes, e, principalmente, total observância aos superiores princípios constitucionais, numa plena compatibilização normativa, de natureza vertical e horizontal. Q.: É válido dispositivo de lei ordinária municipal que cria imposto extraordinário em caso de calamidade pública? Para tanto, todo e qualquer aplicador do Direito (magistrado, autoridade pública, particular etc.) deve, sempre, descobrir o real sentido da regra jurídica, apreender o seu significado e extensão. Interpretar – na lição de Carlos Maximiliano – é explicar; dar o significado do vocábulo, atitude ou gesto; reproduzir por palavras o pensamento exteriorizado; mostrar o sentido verdadeiro de uma expressão; extrair, de frase, sentença ou norma, tudo o que nela contém. A atividade interpretativa não pode nem deve ser exercida de modo desordenado, precipitado, atabalhoado, às pressas, impondo-se uma postura científica e obediência aos postulados da hermenêutica, cujo objetivo é o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis à interpretação. Q: Existe uma única interpretação correta? Como se justificam decisões conflitantes em Câmaras de um mesmo Tribunal? L. Fernando Coelho ensina que “a Hermenêutica é parte da Ciência do Direito, cujo objeto é o estudo e a sistematização dos processos lógicos de interpretação, integração e aplicação do Direito, correspondendo particularmente à dimensão dogmática do conhecimento jurídico.” Assinala o autor que “o ato de interpretar corresponde a uma atividade de conhecimento, pela qual o sujeito, enquanto desentranha o sentido da norma jurídica, com vistas à sua aplicação potencial ou natural, participa do fenômeno jurídico; essa forma de conhecimento, que é ao mesmo tempo criação e participação, situa-se no plano dogmático.” O hermeneuta deve considerar o sentido da norma num contexto dinâmico, a sua permanente renovação e interação, porque os comandos que nela se contém se impõem uma atualização adaptada à realidade social. Q: A Constituição Federal determina que livros e periódicos são imunes de tributação, bem como o papel destinado à sua impressão; como ficam os Cdroms que contenham informação eletrônica de livros? E o que, nesse caso, corresponderia ao conceito de “papel” destinado à sua impressão? A mutabilidade dos acontecimentos, as transformações sociais obrigam à apreensão dos fenômenos sociais segundo uma atualidade, pois é cediço que não só os fatos, como os conceitos (noções de bons costumes, ordem púbica etc.) são plenamente alteráveis. Q: O que entende por “templos de qualquer culto”, considerados imunes à tributação pela Constituição Federal? Esta diretriz tem a virtude de justificar o entendimento de que nada interessa a mens legislatoris (vontade do legislador), mas somente a mens legis (vontade da lei). A intenção do legislador e o seu desejo são elementos totalmente irrelevantes para captar o sentido jurídico da norma, pois somente importa o direito “posto”, sua sistematização e permanente revigoração, daí por que perene o aforismo “a lei é mais sábia do que o legislador.” Q: Como, nesse contexto, se situa a interpretação autêntica em matéria tributária? Impende salientar que o processo de interpretação não pode nunca acarretar a edição de uma nova regra jurídica. Lucidamente aponta Amílcar de Araújo Falcão que “o intérprete, portanto, não cria nem inova; limita-se a considerar o mandamento legal em toda a sua plenitude e extensão e a, simplesmente, declarar-lhe a acepção, o significado, e o alcance. Pode ocorrer que o legislador tenha expressado mal a sua vontade, estabelecendo entre a edição da lei e o seu espírito uma inequivalência ou um desequilíbrio aparente, de modo que a fórmula verbal signifique menos (minus dixit quam voluit), ou mais (plus dixit qual voluit) do que se intentava dizer. Em qualquer dos dois casos, a interferência do intérprete, restabelecendo o sentido da norma, pela pesquisa do seu espírito (mens legis), não amplia, nem restringe, aquele mesmo sentido. É um erro, ou uma impropriedade, como se vê, falar, em um caso, em interpretação extensiva e, no outro, em interpretação restritiva. Qualquer que seja a hipótese, será sempre declaratória a interpretação. Q: A lei de execuções fiscais não prevê taxativamente penhora de “faturamento”. Quando se autoriza a penhora de dinheiro, há interpretação extensiva? Imprescindível a interpretação do texto legal, pois antes de se proceder à compreensão do seu sentido, e alcance, impõe-se o prévio controle de sua constitucionalidade e harmonização com superiores princípios e normas gerais. O dogma axiológico in claris cessat interpretatio (“disposições claras não comportam interpretação”) deve ser aceito com extrema cautela, uma vez que “o conceito de clareza é relativo: o que a um parece evidente, antolha-se obscuro e dúbio a outro, por ser este menos atilado e culto, ou por examinar o texto sob um prisma diferente ou diversa orientação.” (Maximiliano) Q. O preceito “in dubio” pró contribuinte é norma que impõe o dogma “in claris cessat interpretatio”? Por conseguinte, a aplicação do Direito implica, inexoravelmente, o exame e análise do conteúdo do discurso normativo, no desvendar do seu significado e aptidão para produzir efeitos jurídicos, traduzindo direitos, obrigações e qualificando situações. 2 – MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO Tradicional e arraigada doutrina vem fornecendo substancioso quadro de procedimentos para que o aplicador da norma, seu destinatário e o cientista do Direito tenham condição de compreender o seu significado verdadeiro. Antes de adentrar no exame específico da interpretação das normas fiscais, especialmente o contexto do Código Tributário Nacional (CTN), é importante proceder uma concisa visão dos métodos e critérios utilizados. 2.1. Gramatical ou Filológico Considera as próprias palavras do texto legal, o entendimento vernacular e a literalidade, a construção gramatical, o significado semântico. Mantém íntima conotação e conformidade com o método literal, que considera o apego à letra do texto da lei. Visa compreender a forma empregada em razão do que o processo gramatical exige a posse dos seguintes requisitos: a) conhecimento perfeito da língua empregada no texto, isto é, das palavras e frases usadas em determinado tempo e lugar, propriedades e acepções várias de cada uma delas; leis de composição, gramática. b) Informação relativamente segura e minuciosa o quanto possível, sobre a vida, profissão, hábitos pelo menos intelectuais e estilo do autor; orientação de seu espírito, leituras prediletas, abreviaturas adotadas; c) Notícia completa do assunto de que trata, inclusive a história respectiva; d) Certeza da autenticidade do texto, tanto conjunto como em cada uma das suas partes (Maximiliano). Possui importância relativa, não só porque as palavras não têm o mesmo sentido no atravessar dos tempos, demandando ingente esforço de verificação de seu significado à época da edição do texto, mas também porque sua importância tornou-se relativa ante os demais métodos de interpretação. Q: exemplificar. 2.2. Lógico É o método que objetiva descobrir o pensamento e o sentido da lei, aplicando princípios científicos da lógica, enunciados por L. Fernando Coelho da forma seguinte: a) princípio da identidade – uma coisa e idêntica a si mesma e não ao seu contrário; b) princípio da contrariedade – o contrário do que é verdadeiro é falso; a mesma coisa não pode, ao mesmo tempo, ser e não ser; c) princípio do terceiro excluído – entre duas proposições contraditórias, não há outra opção entre a verdadeira e a falsa; d) princípio da razão suficiente – nada ocorre sem que haja uma causa ou razão determinante, fundamentando os princípios da metodologia científica, a saber: d.1) princípio da causalidade – toda mudança pressupõe uma causa; d.2) princípio do determinismo natural – sob idênticas circunstâncias, as mesmas causas produzem os mesmos efeitos; d.3) princípio da finalidade – toda atividade se dirige a um fim. Q: Analisar o princípio da legalidade tributária em face do processo lógico. Pretendeu-se reduzir tudo à “precisão matemática, enquadrar, em uma série de silogismos bem concatenados, todo o raciocínio do exegeta e aplicador do Direito.” (Maximiliano) A regulação dos fatos da vida, multiforme e complexa, e a realidade despida de lógica não se enquadram à rigidez desse processo. 2.3. Histórico Objetiva esclarecer o sentido da norma por um trabalho de reconstituição do conteúdo original, encontrando os documentos atinentes à elaboração da lei, procurando descobrir a intenção real do legislador (mens legislatoris) e as circunstâncias histórico-sociais do momento. Considerando que o Direito é um produto lento da evolução e que o que vigora hoje germinou do passado, seria oportuno conhecer o elemento histórico que, todavia, pode conduzir a um perigo extremo, mediante apego exagerado ao passado, ao momento e meio em que nasceu a norma. “A fim de descobrir o alcance eminentemente prático do texto, coloca-se o intérprete na posição do legislador. Procura saber por que despontou a necessidade, qual foi primitivamente o objeto provável da regra, escrita ou consuetudinária; põe a mesma em relação com todas as circunstâncias determinantes de seu aparecimento, as quais, por isso mesmo, fazem ressaltar as exigências morais, políticas e sociais, econômicas e até mesmo técnicas, a que os novos dispositivos deveriam satisfazer; estuda, em suma, o ambiente social e jurídico em que a lei surgiu; os motivos da mesma, a sua razão de ser; as condições apreciáveis como causa imediata da promulgação.”(Maximiliano) Entretanto, nem todos os fatores da occasio legis são importantes, porque os fatos e situações podem estar sobremodo distantes do presente ou mesmo ter ocorrido causas diversas, razão pela qual perdem sua consistência e importância. Q: Qual o reflexo histórico no processo de interpretação do CTN, tendo em vista que o mesmo foi promulgado durante a chamada “ditadura militar”? 2.4. Teleológico Enfatiza a finalidade da norma, o resultado colimado pelo legislador, convertendo em realidade o objetivo ideado. A interpretação deve-se pautar pelo escopo que atenda às finalidades objetivadas, regulando os comportamentos almejados, preservando instituições (Direito Civil), valores fundamentais (Direito Penal), democracia (Direito Eleitoral) e, no âmbito tributário, consistiria na consideração econômica, proibindo o abuso de forma, pautando-se pelo in dubio pro fisco. Q.: Porque se fala aqui em “in dubio pro fisco”? 2.5. Sistemático Considera o sistema jurídico como um todo harmônico, coerente, cabendo ao intérprete analisar a norma neste contexto múltiplo de preceitos inseridos num conjunto orgânico. Paulo de Barros Carvalho assinala que “é nesse intervalo que o exegeta sopesa os grandes princípios, indaga dos postulados que orientam a produção das normas jurídicas nos seus vários escalões, pergunta das relações de subordinação e de coordenação que governam a coexistência de regras. O modo sistemático parte, desde logo, de uma visão grandiosa do Direito e intenta compreender a lei como algo impregnado de toda a pujança que a ordem jurídica sustenta.” Os preceitos jurídicos são comparados com demais dispositivos do ordenamento, havendo íntima conexão entre os princípios, posto que “o Direito objetivo não é um conglomerado caótico de preceitos, constitui vasta unidade, organismo regular, sistema, conjunto harmônico de normas coordenadas, em interdependência metódica.” (Maximiliano) Q.: Dar exemplos de outros sistemas. Ricardo Lobo Torres ensina que “o sistemático não é apenas lógico. Possui dimensão valorativa, pois visa compreender a norma dentro do sistema jurídico que é aberto, direcionado para os valores – especialmente a justiça e a segurança – e dotado de historicidade. Fala-se hoje menos em método sistemático que em sistema de métodos. A idéia de diretriz é a unidade entre os vários ramos do Direito e as respectivas teorias, unidade essa que não é fechada, por ser rica de sentido. O método sistemático, enfim, incorpora o critério teleológico, donde se conclui que do sistema jurídico emana a dimensão econômica e financeira.” 2.6. Sistema de Linguagem Moderna teoria (Paulo de Barros Carvalho) observa que o conhecimento de toda e qualquer manifestação de linguagem pede a investigação de seus três planos fundamentais: a) Sintaxe, formado pelo relacionamento que os símbolos lingüísticos mantêm entre si, sem qualquer alusão ao mundo exterior do sistema. Trata da relação entre a norma da Constituição e a da lei ordinária, ou do vínculo entre a regra que estipula o dever e a outra que veicula a sanção. b) Semântico, refere-se às ligações dos símbolos com os objetos significados; é o modo de referência à realidade, altera normativamente a conduta. É o campo da significações do Direito, conduzindo ao âmbito das acepções dos vocábulos jurídicos (ex., direito, obrigação, relação jurídica). c) Pragmático, trata das formas segundo as quais os utentes da linguagem a empregam na comunidade do discurso e na comunidade social, para motivar comportamentos. É onde radicam os problemas atinentes à eficácia, à vigência e à aplicação e interpretação das normas jurídicas. Engenhosamente o autor distribui os métodos de interpretação pelas três plataformas de investigação lingüística: a) os métodos literal e lógico (plano sintático); b) o histórico e o teleológico (nível semântico e pragmático); c) o sistemático (os três planos). Creio que a postura científica adotada pelo eminente cientista do Direito tem a virtude de trazer novas luzes à compreensão do texto normativo, pois não há dúvida que as palavras, como rótulos das coisas e entidades, devem revelar o real significado da mensagem legal plasmada nos demais critérios hermenêuticos. 3 – A INTERPRETAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO Embora constituam diretrizes e esquemas úteis aos aplicadores do Direito, os métodos de interpretação não revestem cunho obrigatório nem podem apresentar qualquer tipo de hierarquia. O intérprete é totalmente livre para utilizá-los, de modo isolado ou global, sucessivo ou simultâneo, sem que se possa conferir preeminência a quaisquer dos procedimentos aventados. A interpretação constitui um processo mental de compreensão, integração e aplicação do discurso normativo, objetivando, sobretudo, desentranhar o conteúdo do preceito, razão pela qual não há sentido jurídico algum em traçar limites para o hermeneuta, cerceando seu livre labor científico. O pluralismo metodológico deve ser a pauta de comportamento do intérprete, pois, como observa Ricardo Lobo Torres, “o que se observa é a pluralidade e a equivalência, sendo os métodos aplicados de acordo com o caso e com os valores ínsitos na norma; ora se recorre ao método sistemático, ora ao teleológico, ora ao histórico, até porque não são contraditórios, mas se completam e intercomunicam.” E, completando seu raciocínio, o autor aponta que “os métodos de interpretação, por conseguinte, devem ser estudados dentro da visão pluralista. Entre eles não existe hierarquia. Têm igual peso, variando a sua importância de acordo com o caso e com as valorações jurídicas na época da aplicação.” Antonio Franco de Campos enfatiza que “no geral, os métodos de interpretação estabelecidos pela doutrina, de per si considerados, não satisfazem plenamente, pois falhas, deficiências ou imperfeições ocorrem a cada passo, mesmo considerando ecletismo de alguns. A solução dos problemas interpretativos pode ser encontrada na pesquisa da ratio, o que poderia levar-nos a abraçar o método teleológico, sem abandonarmos a natureza das coisas.” Becker é lapidar: “Ao defrontar-se com a regra jurídica, o seu intérprete deve Ter em mente, com extrema nitidez, a ‘estrutura lógica’ ou a ‘atuação dinâmica’ de toda e qualquer regra jurídica. Isto posto, ele pode dividir a tarefa hermenêutica em quatro momentos: 1) dissecar a estrutura lógica daquela determinada regra jurídica a interpretar; 2) investigar e analisar os fatos jurídicos e não-jurídicos que constituem os problemas práticos a resolver; 3) diante da hipótese de incidência realizada, o intérprete conclui ter havido a incidência da regra jurídica, porque esta é infalível; 4) o intérprete observa se foram respeitados os efeitos jurídicos que resultaram da incidência da regra jurídica.” Pressuposto inarredável para o hermeneuta é conhecer o ordenamento jurídico, sua estrutura e alicerces, os princípios fundamentais da pirâmide jurídica plasmados na Constituição, inspirando a edição e a intelecção de regras de qualquer natureza. Os princípios constituem as balizas, as diretrizes, os superiores comandos normativos que iluminam a compreensão dos textos legais. Apesar do Direito compor uma unidade incidível, em que todas as suas normas se entrelaçam, havendo mera decomposição para fins didáticos, é imperioso conhecer os institutos jurídicos peculiares a cada um dos denominados ramos do Direito. O hermeneuta lida com instrumental jurídico e elementos integrantes e estruturadores da Ciência do Direito, motivo porque não se pode conceber posturas interpretativas diferentes para cada espécie de norma. Vanoni elucida que “as normas tributárias, como quaisquer outras, devem ser interpretadas com o fito de atribuir ao preceito jurídico o valor real que lhe compete na regulamentação das relações da vida que constituem seu objeto; qualquer orientação apriorística do trabalho interpretativo a favor do fisco ou a favor do contribuinte, constitui uma inadmissível limitação do processo lógico representado pela interpretação da lei.” Realizadas as digressões básicas, é momento de deslindar espinhosa questão, versando sobre a necessidade de leis interpretativas, sua força obrigatória para comandar a tarefa do aplicador do Direito. A esse respeito, Rubens Gomes de Sousa indaga sobre a existência de leis interpretativas, respondendo que “a lei interpretativa é, ou pode ser entendida como correção da lei interpretada, pelo menos no sentido de sua complementação, porque terá reconhecido que a lei interpretada carecia de esclarecimento por ser omissa ou obscura, ou confusa, ou como dizia Beviláqua, “hesitante”. Arguta e jocosa a observação de Ricardo Lobo Torres: “As normas sobre a interpretação e a integração do Direito são ambíguas, insuficientes ou redundantes: necessitam elas próprias de interpretação.” No entanto, o Código Tributário Nacional é categórico: “Artigo 107. A legislação tributária será interpretada conforme o disposto neste Capítulo.” E, atentamente, Ricardo Lobo Torres observa que “a regra é vazia e insuficiente, pois nem o CTN esgota a disciplina da interpretação, nem a atividade hermenêutica prescinde dos princípios gerais não escritos. Se for interpretado no sentido de que tem papel propedêutico, tornando aplicáveis os dispositivos seguintes, será redundante. Melhor teria sido que também não existisse o art. 107 do CTN”. O Direito Tributário constitui ramo específico do Direito Público, integrado por princípios e normas cujo conteúdo básico é regular o comportamento do Poder Público e dos particulares, tendo por objeto a prestação de dinheiro, em razão da ocorrência de determinados fatos, estados e situações. Esta característica não implica considerá-lo como ramo autônomo, sujeito a critérios interpretativos distintos dos demais ramos do Direito. Aliás, representam um direito de superposição porque grava, incide e trata de matérias pertinentes a outros âmbitos jurídicos, sendo formado e informado por comandos de natureza constitucional, comercial, civil, administrativo etc. Portanto, Becker sublinha que “não existe um legislador tributário, distinto e contraponível a um legislador civil e comercial. Os vários ramos do Direito não constituem compartimentos estanques, mas são partes de um único sistema jurídico, de modo que qualquer regra jurídica exprimirá sempre uma única regra (conceito ou categoria, ou instituto jurídico) válida para a totalidade daquele único sistema jurídico. Plenamente aplicável a regra contida na Lei da Introdução ao Código Civil brasileiro: “Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” De qualquer modo, não pode ser o caso de ignorar-se ou torpedear-se, pura e simplesmente, o art. 107 do CTN, mas adaptá-lo e conformá-lo às diretrizes gerais de interpretação das normas jurídicas, bem como aos princípios gerais de Direito. 4 – AS LACUNAS E OS MÉTODOS INTEGRATIVOS O art. 108 do CTN estabelece: “Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia; II – os princípios gerais de Direito Tributário; III – princípios gerais de Direito Público; IV – a eqüidade. § 1º - O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. § 2º - O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.” Texto criticável sob prismas variados, por estar eivado de imperfeições, omissões, e até mesmo (por incrível que pareça) lacunosidade. A expressão “ausência de disposição expressa” merece detida análise, porque nem sempre significa omissão do texto legal que necessite a utilização de método interpretativo. Esta omissão pode ter sido deliberada com o intuito de não ser regrada uma determinada situação, que, no âmbito do Direito Tributário, admite uma conotação especial. Ricardo Lobo Torres pondera que “....nem toda ausência de disposição expressa justifica a aplicação de métodos de integração. A lacuna apenas se caracteriza quando há incompletude insatisfatória do Direito. Necessário que, sobre existir um vazio na regulamentação jurídica, careça ele de preenchimento para tornar satisfatória a ordem jurídica como um todo, em seu programa e em seus valores.” A questão da lacuna envolve o exame da completude do sistema jurídico, circunstância em que o legislador teria normado todas as situações e fenômenos possíveis de regramento. O ordenamento conteria princípios explícitos e implícitos necessários e suficientes para solucionar litígios. Maria Helena Diniz ensina que “as idéias de completude ou incompletude do sistema, do caráter uno do sistema ou do seu aspecto multifário, de sistema aberto ou fechado, é que possibilitam a formulação de uma definição explícita de ‘lacuna’. É, portanto, a partir de um modelo de sistema jurídico que se pode mostrar o funcionamento dos ‘vazios jurídicos’. ‘Tudo aquilo que não está proibido está permitido’, em razão do que todo comportamento pode ser considerado como regulado num sentido positivo ou negativo.” Por outro lado, realça que “o Direito deve ser visto em sua dinâmica, como uma realidade que está em perpétuo movimento, acompanhando as relações humanas, modificando-se, adaptando-se às novas exigências e necessidades da vida, inserindo-se na história, brotando do contexto cultural, razão pela qual “as normas por mais completas, por mais compactas que sejam, são apenas uma parte do Direito.” Os modelos jurídicos constituem elementos fundamentais para se perquirir e constatar a existência de lacunas que necessitam ser colmatadas. A tipicidade aberta permite acréscimos e inclusões no seu repertório, consoante pauta de valores, denotando limites bastante fluidos, enquanto na tipicidade cerrada os elementos que nele se contém não comportam extensões ou dilatações. Yonne Dolácio de Oliveira, em primoroso estudo, esclarece que “o tipo cerrado corresponde à necessidade de segurança e certeza do desejo que tem o legislador de alcançar o que Larenz chama ‘calculabilidade das sentenças’, e que ‘no Direito Público o tipo é cerrado’, há uma solidificação do tipo porque a relação jurídica criada em plano superior aos das relações sociais, é uma relação de Direito Público, e, portanto, um liame de subordinação em que os atos dos particulares lhes produzirão obrigações independentes da sua vontade, em favor do Estado que cria a relação.” As normas tributárias gravam a situação patrimonial e financeira dos particulares, sempre respaldada em lei; da mesma forma, os casos de desoneração tributária (imunidade, isenção) também fundam-se em lei. As situações ainda não tributadas (como é o caso do Imposto sobre Grandes Fortunas) não se compreenderiam na temática da lacuna, sob a circunstância de o legislador não ter normatizado a imposição tributária. Todavia, não tendo nenhuma pretensão em direcionar o caminho certo, curvo-me à postura de Maria Helena Diniz, ao asseverar que “o termo ‘lacuna’ esconde idéias díspares e antagônicas, sendo bastante nebuloso”, e que “a problemática das lacunas no Direito é uma questão sem saída; sobre ela não há resposta unânime, devido à pluridimensionalidade do Direito, que contém inúmeros elementos heterogêneos, o que dificulta uma abordagem unitária do tema. Se levantarmos todas as concepções de sistema dinâmico ou estático; aberto ou fechado; unitário ou composto de vários subconjuntos – devido à íntima conexão entre ele e a lacuna; teríamos um amontoado de opiniões incapaz de guiar no labirinto do problema, o que demonstra que o problema das lacunas continua aberto.” Outrossim, também criticável a expressão “a autoridade competente para aplicar a legislação tributária”, que concerniria, exclusivamente, a uma categoria de destinatário da norma tributária, “parecendo alcançar só os agentes do Fisco”(Aliomar Baleeiro), visto que “inexiste monopólio da atividade hermenêutica pelo juiz ou pelo administrador. Além dos órgãos estatais, as associações, os indivíduos e os grupos estão autorizados a participar do processo hermenêutico, pois há necessidade de se alcançar um resultado comum na interpretação.” Portanto, a normação não pode jamais ser compreendida em seu aspecto restrito, nem oferecer dois caminhos distintos no processo da interpretação; um de natureza limitada para a autoridade e, outro, de natureza ampla, para os demais destinatários das normas, ferindo elementarmente o cânone da isonomia. Oportuno ponderar que a interpretação também não pode estar adstrita apenas a certos diplomas jurídicos, devendo ser o mais abrangente possível, inclusive tomando como ponto de partida a Constituição Federal. Ruy Barbosa Nogueira, ao tratar do Poder Executivo, argumenta que “quando no exercício da função judicante, a nosso ver, os órgãos administrativos podem e têm mesmo o dever de não aplicar a lei ou regulamento que entendam ou julguem inconstitucional. O fato de deixarem de aplicar a lei ou o regulamento por entendê-lo inconstitucional, como atividade jurídica, não é, porém, definitivo e suscetível de revisão do Poder Judiciário, o qual tem a competência específica e conclusiva do ‘controle jurisdicional’ - (Constituição, art. 141, § 4º, e art. 200, de 1946).” E traça distinção entre o exercício da administração ativa e da função judicante: “No exercício de administração ativa o funcionário não pode negar aplicação à lei, sob mera alegação de sua inconstitucionalidade, em primeiro lugar porque lhe não cabe a função de julgar, mas de cumprir, e, em segundo, porque a sanção presidencial afastou do funcionário da administração ativa o exercício do ‘poder executivo’. Porém, aquele investido da função de julgar não a pode exercer, sem levar em conta a Lei Magna, para conduzir o processo de interpretação e chegar a uma solução coerente dentro do quadro constitucional, ou mesmo deixar de aplicar a medida, se manifestamente contra a Constituição.” Enfaticamente assevera que “não existe nenhum princípio assente de que os órgãos administrativos não possam examinar a constitucionalidade das leis e regulamentos. Se não o pudessem, também não poderiam julgar e aplicar a legislação, posto que a legalidade começa com a Constituição, que é a lei máxima, e sem a sua obediência, não é possível aplicação da lei ou do regulamento.” E arremata, esclarecendo que “os órgãos judicantes fiscais, como qualquer hermeneuta no momento da interpretação, podem e têm o dever de examinar e estudar a lei e o regulamento em confronto com o texto constitucional, pois os princípios tributários constitucionais condicionam a interpretação da legislação ordinária, de tal forma que, muitas vezes, o sentido do texto legislativo ou regulamentar só é completo, só é possível, com conjugação com o do preceito constitucional.” Categoricamente, concluir que “os tribunais fiscais estão obrigados à observação e à aplicação da Constituição, sob pena de incidirem em denegação de justiça.” Nesse particular, tanto os Conselhos de Contribuintes do Ministério da Economia como os Tribunais Fiscais Estaduais e Municipais devem nortear suas decisões pela trilha da independência, captando todo o ordenamento jurídico, com plena autonomia para julgar, partindo sempre dos princípios e diretrizes constitucionais. Não se pode sustentar, juridicamente, o apego pleno às normas de hierarquia inferior, meramente regulamentares, aos pareceres e orientações internas, sobrepondo-as à Constituição. 4.1. Analogia O CTN dispõe sobre a utilização da analogia (art. 108, I), na mesma trilha da Lei de Introdução ao Código Civil (art. 4º), verbis: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Ricardo Lobo Torres verifica que a “analogia no Direito Tributário deve observar alguns parâmetros importantes, só se utiliza quando insuficiente a expressividade das palavras da lei; é necessário que haja semelhança notável entre o caso emergente e a hipótese escolhida para a comparação; beneficia assim o fisco que o contribuinte.” Por isso só pode ser utilizada com extrema cautela, a fim de não inovar a ordem jurídica ou atropelar normas válidas, vigentes e eficazes. É normal aflorarem questões acerca da exata dimensão do texto legal, ou seja, se os preceitos seriam exemplificativos ou taxativos. De qualquer modo, a utilização do método analógico não constitui intransponível antagonismo à tese da plenitude do ordenamento jurídico. Aliomar Baleeiro é incisivo: “Interpreta-se analogicamente quando se busca em outra disposição expressa o princípio jurídico estabelecido para casos afins, idênticos em sua natureza e efeitos, se o legislador se mantém silente sobre eles por imprevidência, inadvertência, impropriedade de linguagem etc., quanto à hipótese em apreciação.” Maria Helena Diniz salienta que “analogia consiste em aplicar um caso não previsto de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado. Fundando-se na identidade do motivo e da norma e não na identidade do fato. Há lacuna quando um fato não foi contemplado como pressuposto ou hipótese de uma norma. “ De forma concisa e objetiva, a autora afirma ser “um procedimento que serve para integrar normas, partindo de um exame entre duas situações jurídicas aplicando à não legislada as soluções dadas para as que têm caracteres essenciais semelhantes.” E, traçando comparação com a interpretação extensiva, indica as seguintes peculiaridades: a) ocupa-se com a semelhança entre duas questões; b) pressupõe falta de um dispositivo expresso, pesquisando uma norma que abrange um caso não contemplado por ela, desdobrando o preceito, de modo que se confunde com outro que lhe fica próximo; c) a conclusão tirada das premissas não é a que o legislador pretendeu determinar, mas a que determinaria se não houvesse omitido; d) procura determinar a ratio legis que justifique a possível aplicação analógica; e) em regra, cabe no Direito comum. Maximiliano entende que “a analogia consistem em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante”, fundando-se “no princípio de verdadeira justiça, de igualdade jurídica, o qual exige que as espécies semelhantes sejam reguladas por normas semelhantes; neste sentido aquele processo tradicional constitui genuíno elemento sociológico da aplicação do Direito.” Percebe-se, facilmente, que a analogia implica a observância de algumas regras básicas: a) serve para suprir lacunas; b) não cria direito novo (descobre o existente); c) integra a norma estabelecida; d) desenvolve preceitos latentes; e) ocupa-se com lacuna; f) pressupõe falta de dispositivo. Em conclusão, o processo analógico é viável, factível, tem respaldo jurídico, mas só deve ser usado como recurso extremo do hermeneuta, principalmente no que concerne ao Direito Tributário, a fim de não prejudicar o princípio da estrita legalidade, manter ingerência danosa no patrimônio dos contribuintes. 4.2. Princípios Gerais de Direito Correspondem a normas de Direito Natural, verdades jurídicas universais, perenes e imutáveis, representando o que há de constante no Direito. É o fundamento do Direito Positivo. São normas inspiradas no sentido de eqüidade. Constituem critérios não legislados nem costumeiros, compreendendo elementos constitutivos do próprio sistema. Maria Helena Diniz afirma decorrerem de normas do ordenamento jurídico, ou seja, dos subsistemas normativos; e derivadas de idéias políticas, sociais e jurídicas vigentes, ou seja, devem corresponder aos subconjuntos axiológico e fático que norteiam o sistema jurídico. A título exemplificativo, traz à colação o direito de família que prestigia o núcleo familiar, o art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil (“ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”), e o art. 85 do Código Civil (“nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem”). Relaciona postulados básicos: a) a liberdade de contrato; b) os princípios gerais de Direito não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do Direito; c) os princípios gerais de Direito não se confundem, ainda, com os brocardos ou máximas, embora sejam, em parte, integrados por estas; d) os princípios gerais de Direito são elementos normativos operantes nos casos concretos problemáticos, positivados ou não em normas. Aborda Justiça (valor supremo), objetivando segurança e certeza, e os princípios constitucionais (com base no Direito Positivo, com as garantias de vida, liberdade, igualdade, propriedade, princípios do Direito Positivo, normas e prescrições concretas, princípios fundamentais do regime político constitucional). Maximiliano elucida que “todo conjunto harmônico de regras positivas é apenas o resumo, a síntese, o substractum de um complexo de altos ditames, o índice materializado de um sistema orgânico, a concretização de uma doutrina, série de postulados que enfeixam princípios superiores. Constituem estas diretivas ideais do hermeneuta, os pressupostos científicos da ordem jurídica.” Argutamente, Paulo de Barros Carvalho esclarece que “são máximas que se alojam na Constituição ou que se despregam das regras do ordenamento positivo, derramando-se por todo ele. Conhecê-las é pressuposto indeclinável para a compreensão de qualquer subdomínio normativo.” Enumera, dentre elas, a Federação, a República, a igualdade, a legalidade, a irretroatividade das leis, a universalidade da jurisdição, a ampla defesa, o devido processo legal, a autonomia dos municípios, a indisponibilidade dos bens públicos, a supremacia do interesse público ao do particular. E, no que pertine aos princípios gerais de Direito Tributário, especifica a estrita legalidade, a anterioridade, a competência privativa das pessoas políticas de direito constitucional interno para instituir impostos, a competência geral para instituir taxas e contribuições de melhoria, a indelegabilidade da competência tributária, a isonomia recíproca entre as pessoas políticas, a não-cumulatividade do ICMS e do IPI, a territorialidade da tributação. 4.3 Eqüidade O conceito de eqüidade está intimamente relacionado às concepções jurídico-filosóficas, de modo que não há entre os autores um certo consenso sobre ele (Maria Helena Diniz). A eqüidade, de modo geral, “atua onde há conceitos indeterminados, cláusulas gerais, discricionariedade administrativa ou judicial, consciente ou inconscientemente colocadas pelo legislador.”(Ricardo Lobo Torres) Sua diretriz remonta a Aristóteles, inserindo-se no âmbito ou na equivalência com o justo, tratando-se de correção ou integração normativa. A eqüidade seria o poder conferido ao magistrado para revelar o direito latente apesar de interferir na elaboração de normas jurídicas gerais ou de leis traçando diretivas ao comportamento do órgão judicante (Maria Helena Diniz). Sua função básica na interpretação das normas consiste no predomínio da finalidade da lei sobre sua letra; preferência, entre várias interpretações possíveis, pela mais benigna e humana; o relacionamento com o fim da norma; a harmonização do abstrato e rígido da norma com a realidade concreta; a suplementação da lei (ante possíveis lacunas) e a outorga de poder discricionário ao magistrado. O Código de Processo Civil estabelece (art. 127) que “o juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei”, sendo que o CTN aponta uma regra geral (art. 108, IV) que trata de sua utilização na ausência de disposição legal, e outra, de cunho específico (art. 172, IV), em caso de remissão de crédito tributário. No âmbito do Estado de São Paulo, a lei no. 10.081, de 25.4.1968, dispusera que o Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda “poderá em suas decisões aplicar o princípio da eqüidade, limitado a prazos e condições processuais”; enquanto, na órbita federal, o decreto no. 70.235, de 6.3.1972, dispunha que o Ministro da Fazenda teria competência para, em instância especial, decidir as propostas de aplicação da eqüidade apresentadas pelos Conselhos de Contribuintes. 5 – INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA A atividade do hermeneuta, conforme delineado em tópicos anteriores, consiste na compreensão da norma jurídica, na declaração de seu sentido e aplicação segundo o contexto do ordenamento jurídico. Utiliza, necessariamente, instrumental jurídico, uma vez que os fatos (sociais, econômicos etc.) foram captados pelo político (legislador), e jurisdicizados. O jurista, o destinatário da norma em geral não pode utilizar elementos, conceitos e critérios pertinentes a outras ciências nem considerar unicamente finalidades estranhas ao Direito. No que tange ao Direito Tributário, não é correto entender-se que, tendo como fim precípuo a arrecadação de dinheiro dos particulares, importaria exclusivamente o conteúdo econômico, que decorreria da análise dos arts. 109 e 110 do CTN, assim dispostos: “Art. 109. Os princípios gerais de Direito Privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de Direito Privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” Embora prestigiem os postulados básicos de Direito Privado, uma vez que a lei tributária grava o objeto das relações jurídicas que se encontram postas pelo Direito Privado, têm-se entendido a finalidade da norma tributária como inserida num contexto econômico. Nesse sentido, aponta-se que o denominado fato gerador da obrigação sempre representa um fato econômico, um signo presuntivo de riqueza, a própria capacidade contributiva do sujeito passivo da mesma obrigação. A norma tributária – como espécie de um preceito jurídico – deve estar fundada e obedecer às normas e princípios constitucionais, todos de índole eminentemente jurídica. Misabel Derzi aponta que, embora o interesse do Direito esteja fulcrado no resultado econômico, “a interpretação de uma lei deve se nortear por critérios jurídicos”; na mesma trilha Heinrich Beisse, quando aduz que “a interpretação das leis tributárias está subordinada aos princípios da teoria geral do Direito. Isto decorre da unidade da ordem jurídica (unidade do Direito). A doutrina relativa à interpretação econômica do Direito Tributário é caudalosa, inspirada nas disposições do Código Tributário alemão (1919), esclarecendo Eros Grau que “não se poderá admitir, no caso brasileiro, que a adoção desse método venha ferir o princípio da legalidade da tributação” e que “a interpretação econômica não pressupõe a substituição de critério jurídico por outro, estranho ao Direito”, concluindo, entretanto, que “o princípio da interpretação econômica foi adotado pelo Direito Positivo brasileiro.” Baleeiro é mais cauteloso ao ponderar que “o CTN se apresenta tímido quanto à interpretação econômica, insinua-a, mas não a erige em princípio básico, proclamando, pelo contrário, o primado do Direito Privado.” Numa postura mais enfática, Ruy Barbosa Nogueira expressa que “os fundamentos econômicos da lei tributária não são elementos separáveis da própria lei, mas fazem parte do seu conteúdo normativo, isto é, os fundamentos econômicos da lei tributária vinculam e condicionam os efeitos jurídicos”; parecendo a Liz Coli Cabral Nogueira que “aboliram-se os critérios apriorísticos e de interpretação restrita”, ressaltando pela sua importância e conseqüências, “a chamada interpretação segundo a realidade econômica, que nada mais é do que um método de interpretação jurídica de caráter teleológico, como finalístico é o conjunto de normas que compõem o Direito Tributário.” Amílcar de Araújo Falcão entende que “o método exegético de interpretação econômica não acarreta violação ao requisito legalidade, sendo perfeitamente adequado ao princípio da legalidade em matéria de fato gerador”; ponderando Sacha Calmon Navarro Coelho que “o art. 109 do CTN que muitos imaginam justificar a chamada interpretação econômica, em verdade, não chega a tanto – arts. 110, § 1º, e 108, e inexiste no plano da legislação ordinária no Brasil, preceito equivalente ao do Código Alemão”, sendo que “o legislador brasileiro aceitou as premissas da teoria da prevalência econômica consagrada no Código Alemão (cuja exatidão, aliás, não se pode realmente negar), mas opôs sérias restrições à admissibilidade de todas as conseqüências dela extraídas.” Creio que o debate doutrinário acerca dos fundamentos de “interpretação econômica” decorre do desvirtuamento dos princípios e institutos de Direito Privado, num contexto de “abuso de forma”. Liz Coli Cabral Nogueira declara que “excepcionalmente, a interpretação econômica pode ser empregada quando evidente a manipulação das formas de direito privado com o fito de fugir ao pagamento do imposto (que se distingue da hipótese de elisão ou economia de imposto), devendo ser criterioso, só sendo aplicado no caso de simulação.” O CTN, na pena de Eros Grau, “coíbe o abuso de formas jurídicas como instrumento impeditivo ou redutor da obrigação tributária, colocando em destaque a essência econômica do fenômeno tributário”, enfatizando que “o que interessa ao Direito Tributário é o resultado econômico, ou seja, a relação econômica subjacente ao fato gerador.” Palmilhando pela mesma trilha jurídica, há algumas décadas, Amílcar de Araújo Falcão: “Em Direito Tributário autoriza-se o intérprete, quando o contribuinte comete um abuso de forma jurídica, a desenvolver considerações econômicas para a interpretação da lei tributária e o enquadramento do caso concreto em face do comando resultante não só da literalidade do texto legislativo, mas também do seu espírito da mens ou ratio legis. Para que tal aconteça, é necessário que haja uma atipicidade de forma jurídica adotada em relação ao fim, ao intento prático visado.” E, encontrando a verdadeira razão e sentido de tal método exegético, Johnson Barbosa Nogueira, com muita acuidade, aponta que “no campo do Direito Tributário, a interpretação econômica contribui para desfazer o tabu da intributabilidade das atividades ilícitas e para dar base dogmática ao intérprete e ao legislador, inclusive para combater a evasão mediante a utilização abusiva de formas e para compreender a tributação de atos jurídicos inválidos.” Com sendo de oportunidade cita Geraldo Ataliba: “A chamada interpretação econômica – aquela que prestigia o conteúdo econômico – só tem cabimento quando se trata de manifesto abuso de forma ou de fraude, justificando o recurso à interpretação econômica para assegurar o princípio constitucional da igualdade.” Antonio Roberto Sampaio Dória desenvolveu a matéria vertente, no estudo da elisão fiscal (ação preventiva lícita do tendendo a afastar, reduzir ou retarda a ocorrência do fato gerador) e da evasão fiscal (procedimento ilícito, fraude, conluio, artifício doloso), diminuindo ou eliminando a carga tributária após acontecido o fato imponível. Confere importância à prática simulatória, quando o ato existe apenas na aparência, mascarando e disfarçando uma declaração real de vontade, correndo uma frontal descoincidência entre a declaração externa e a interna, sempre procurando induzir terceiros (o fisco, no caso de evasão tributária). -------------------------------------------------------------------------------- |
Aqui reproduzimos alguns artigos importantes sobre o Direito Tributário. Mande também sua sugestão ou artigo. |