Depoimento dos Discípulos


 

O Mestre
 

O dia 14 de fevereiro de 1894 se mantém indelével
na minha memória como um dia único, sagrado,
um santo dia, porque foi então que vi pela primeira vez
a figura e escutei a voz dessa Grande Alma,
desse Gigante Espiritual, Swami Vivekananda,
que dois anos mais tarde, para minha grande alegria
e minha incessante admiração, me aceitou como discípulo.
     Ele havia estado dando conferências nas grandes
cidades deste país e, no dia citado, dava a primeira,
de uma série de dissertações
em Detroit, na Unitarian Church.
O grande edifício estava literalmente repleto
e o Swami recebeu uma ovação.
Ainda me parece ver, quando subiu ao estrado,
sua régia e majestosa figura, vital, potente, dominante;
ao primeiro som da sua  maravilhosa voz,
toda música, - semelhante ao suave acorde de uma harpa eólia,
logo profunda, vibrante, ressonante - houve uma pausa,
um silêncio que quase podia ser tocado
e a vasta audiência respirou como um só homem.
     O Swami deu cinco conferência públicas;
mantinha seu auditório na mão,
porque a sua era “uma mão de mestre”
e falava com autoridade.
Seus argumentos eram lógicos, convincentes
e nem eu seus mais brilhantes vôos oratórios
jamais perdeu de vista o fim principal:
a verdade que desejava demonstrar.
     Combatia princípios intrepidamente, porém,
em assuntos pessoais, se sentia que era um homem 
cujo grande coração podia conter a humanidade inteira,
vendo além de suas faltas e fraquezas;
capaz de sofrer e perdoar tudo que fosse possível.
Com efeito, quando me foi dado conhecê-lo mais intimamente ,
descobri que perdoava tudo quanto se pudesse perdoar.
Com que infinito amor e paciência guiava aqueles que o procuravam, conduzindo-os para fora do labirinto de suas próprias fragilidades,
e lhes ensinava o momento de sair do Eu, para ir a Deus.
Não conhecia a malícia. 
Se alguém o ofendia, punha-se pensativo
e repetia Shiva, Shiva; logo seu rosto se iluminava 
e murmurava suavemente *
é apenas a vóz do Bem Amado*,
e se algum de nós, que o amávamos chegava
a indignar-se, ele dizia :
“Que importa isso, sabendo que culpador e culpado,
loador e loado, são apenas um?”
Outras vezes, em análogas circunstâncias referia-se
a algumas histórias, de como Sri Ramakrishna
nunca reconheceu ofensas pessoais 
nem palavras mal intencionadas.
Todas as coisas, boas ou más, infinitos aspectos
da dualidade provém da Amada Mãe.
Me foi dado conhecê-lo, de forma mais íntima pelo
espaço de vários anos e nunca encontrei 
uma falha em seu caráter.
Era incapaz de debilidades, mesquinharias;
se cometeu alguma falta, foi por generosidade.
Com toda a sua grandeza, era simples como uma criança
e estava tão a vontade entre os ricos e famosos
como quanto entre os pobres e humildes.
     Enquanto permaneceu em Detroit, 
foi hóspede da senhora de John F. Bagley,
viuva do ex governador do Michigan,
dama de excepcional cultura e espiritualidade,
que declarou que enquanto esteve hospedado 
em sua casa nunca deixou de expressar-se com palavras 
e atitudes elevadas, de modo que sua presença
foi “uma contínua bendição”.
 Ao deixar a casa da Sra. de Bagley,
Vivekananda permaneceu duas semanas como hóspede
do honorável Thomas W. Palmer. 
O Sr. Palmer era presidente da World Fair Comission, 
havia sido anteriormente embaixador
dos Estados Unidos na Espanha e senador da União.
Este cavalheiro vive ainda, e tem mais de 80 anos de idade.
     Quanto a mim, posso dizer que nunca, em todos os anos
que conheci Vivekananda, ele deixou de se manifestar
a altura de sua vida e de seus ideais.
     Bendito e amado Swamiji, nunca acreditei ser possível
que um homem fosse tão puro, tão casto, como ele foi.
Era diferente de todos os outros homens.
Esteve em contato com as nossas mais brilhantes 
e bonitas mulheres.
A simples beleza não o atraia, mas costumava dizer:
”Gosto de *esgrimar* com suas brilhantes e inteligentes mulheres;
é uma nova experiência para mim, pois, em meu país,
a mulher está mais ou menos reclusa.”
     Seu comportamento tinha a ingenuidade e a simplicidade
de uma criança e conquistava as simpatias.
Me lembro de que uma tarde, depois de ter dado uma aula 
profunda e impressionante e escalado os mais altos picos
da realização, se encontrava, ao pé da escada,
com uma expressão perplexa e desconsolada em seu rosto.
As pessoas subiam e desciam, pegando seus agasalhos.
De repente, seu rosto se iluminou e disse:
“Já sei !  Ao subir as escadas o cavalheiro precede a dama 
e ao descer, a dama precede o cavalheiro, não é assim ?”
 Fiel a sua educação oriental, achava que uma falta
de etiqueta era uma falta de hospitalidade.
     Falando comigo, certo dia, a respeito dos que desejavam 
tomar parte na obra a qual dedicara toda sua vida, me disse:
”É preciso que sejam puros de coração.”
Havia uma discípula, em quem depositava grandes esperanças.
Viu, evidentemente, nela, grandes possibilidades
para a renúncia e para o sacrifício.
Me encontrou um dia sozinha  e me fez várias perguntas
sobre sua vida, seu meio ambiente e depois 
de havê-las respondido todas, me olhou ansiosamente e disse:
“E ela é pura de alma, não é ?”
Respondi simplesmente:
Sim, swami, ela é absolutamente pura de coração.
Seu rosto se iluminou e seus olhos brilharam com a chama divina.
-”Eu sabia, eu sentia !  Eu preciso dela para minha obra 
em Calcuta, ”disse com entusiasmo.
     Logo me falou de seus planos e esperanças
     para o progresso da mulher na Índia.
    “Educação, é o que elas precisam.”
costumava dizer. “Precisamos ter um colégio em Calcuta.”
De lá para cá, foi criada uma escola para meninas,
pela Irmã Nivedita,  a mencionada discípula, 
divide com ela o trabalho, vive numa rua de Calcutá, 
usando um sari e fazendo o trabalho da Mãe, o melhor que pode.
Todas essas experiências, ela compartilhou comigo,
pois, juntas, buscamos o Mestre e pedimos que nos instruísse.
Em Detroit, Vivekananda foi,
durante aquele inverno, o *homem do dia*.
A sociedade o acolheu, favoravelmente e foi muito solicitado.
Os jornais publicavam suas idas e vindas e até seus alimentos
eram comentados; um certo diário publicou, com toda 
a gravidade, que seu desjejum consistia em pão 
e manteiga, abundantemente salpicado com pimenta!
As cartas e convites chegavam em quantidade
e Detroit estava aos pés de Vivekananda.
     Sempre amou a Detroit e estava agradecido 
por todo o afeto e cortesia que lhe era demonstrado.
Nesta época, não tivemos oportunidade de encontrarmos 
pessoalmente com ele, mas escutávamos 
e ponderávamos em nossos corações 
tudo o que o ouvíamos dizer, resolvendo encontrá-lo, 
um dia, nem que para isso
tivéssemos que atravessar o mundo. 
Perdemos sua pista, por completo, durante quase 2 anos 
e pensamos que  provavelmente havia voltado para a Índia, 
porém, certa tarde, soubemos por um amigo, 
que ele estava no país e que passava o verão
em Thousand Island Park. 
Partimos na manhã seguinte, resolvidas 
a encontrá-lo e pedir-lhe que nos instruísse.
     Por fim, depois de uma busca fatigante, o encontramos. 
Começamos a sentir verdadeiro espanto por nossa temeridade, 
por introduzir-nos, assim, em seu retiro, porém, ele havia acendido 
em nossas almas uma luz que não podia ser apagada.
Precisávamos saber mais desse maravilhoso
homem e de seus ensinamentos. 
Era uma noite escura e chuvosa, estávamos cansados
depois de nossa longa jornada, porém não podíamos 
descansar  até tê-lo frente a frente.
Nos aceitaria ? E se não fosse assim,
o que poderíamos fazer, então ? 
De repente nos ocorreu que podia ser uma ingenuidade
 percorrer várias centenas de milhas para encontrar
um homem que nem sabia da nossa existência; 
porém, nos esforçamos por subir a colina,
sob a chuva, no escuro, acompanhadas
por um homem a quem tínhamos pago para que, 
com sua lanterna, nos indicasse o caminho. 
Falando disso, anos depois, meu Guru se referiu a nós,
dizendo: “os discípulos que viajaram centenas de milhas
para encontrar-me e chegaram de noite, embaixo de chuva.”
 Havíamos pensado no que íamos dizer-lhe, 
quando nos demos conta, de que estávamos diante dele; 
instantaneamente esquecemos nossos discursos 
preparados e uma de nós balbuciou: 
“Vimos de Detroit, a senhora P. nos mandou para você.” 
A outra disse: “Vimos a você, exatamente 
como desejaríamos chegar a Jesus, se Ele estivesse na Terra, 
e lhe pedíssemos que nos falasse.”
Nos olhou amavelmente e disse com gentileza: 
“quisera possuir o poder do Cristo, para liberá-las agora mesmo.” 
Parou um momento pensativo e logo, dirigindo-se à dona da casa 
que estava ali perto disse: 
“Estas damas vem de Detroit, por favor, 
conduza-as para cima e permita-lhes passar a noite conosco.” 
Permanecemos até tarde escutando o Mestre, 
que não nos prestou nenhuma atenção mas,
quando dissemos a todos boa noite, 
nos disse que voltássemos na manhã seguinte, às 9. 
Chegamos pontualmente e para nossa alegria, fomos aceitos 
pelo Mestre e convidados, cordialmente, 
para sermos membros da irmandade.
Sobre nossa estada ali, outro discípulo escreveu amplamente 
e só acrescentarei que aquele foi um verão bendito.
Nunca havia visto nosso Mestre como então; 
estava em toda a sua plenitude por achar-se
entre aqueles que o amavam.
     Éramos 12 e parecia que o fogo de Pentecostes 
descia e tocava o Mestre. 
Certa tarde, depois de ter-nos falado da glória da renúncia,
da alegria e da liberdade daqueles que usam a túnica ocre,
nos deixou repentinamente e, num breve momento,
escreveu o seu  Canto do Sanniasyn, 
poema cheio de uma verdadeira paixão 
de sacrifício e renúncia. 
Creio que o que mais me impressionou naqueles dias
foi sua infinita paciência e doçura, 
como um pai para com seus filhos,
embora a maioria de nós fosse mais velho do que ele. 
Depois de uma manhã na classe, durante a qual parecia 
como se tivesse contemplado a face do infinito, 
abandonou a casa, voltando em seguida para dizer-nos:
“Agora vou cozinhar para vocês.” 
E com que paciência, de pé, ao lado do fogo,
nos preparou alguns pratos da Índia ! 
A última vez que estivemos reunidos em Detroit, 
nos fez os mais deliciosos guisados. 
Que lição para seus discípulos ! 
- o brilhante, o grande, o sábio Vivekananda, 
atendendo às nossas menores necessidades ! 
Se mostrou, durante aquelas horas tão gentil, tão afável ! 
Que legado de sagradas e ternas memórias nos deixou !
     Um dia, Vivekananda se referiu à história 
que mais o havia impressionado, em sua vida. 
Foi contada e ele, repetidas vezes por sua babá 
e nunca se cansava de ouvi-la. 
Vou repeti-la, aqui, procurando, dentro do possível, 
empregar as suas próprias palavras .
“A viuva de um bramim ficou muito pobre, muito pobre,
só com uma criança, um garotinho que era quase um bebê. 
Por ser filho de um bramim, 
o menino devia receber instrução, porém, como fazê-lo ? 
Na aldeia onde vivia a pobre viúva não havia mestres, 
por esta razão, o menino tinha que ir ao povoado vizinho 
para estudar e como sua mãe era muito pobre, devia ir a pé. 
Um pequeno bosque separava as duas aldeias 
e o menino tinha que atravessá-lo. 
Na Índia, como em todos os países quentes, as aulas se dão
pela manhã, muito cedo e outra vez ao entardecer. 
Durante o calor do dia não se trabalha, de modo que reinava 
a escuridão completa quando o garoto ia para o colégio 
e também, quando voltava para casa. 
Em meu país, o ensinamento da religião é livre para quem
não pode pagar, assim o menino podia assistir às aulas sem gastar, 
mas tinha que cruzar o bosque e ia sozinho e sentia um medo terrível. 
Aproximou-se de sua mãe e lhe disse: 
“Sempre tenho que atravessar sozinho esse terrível bosque
e sinto medo; os outros garotos tem empregados 
que os acompanham e cuidam. 
Por que eu não tenho um empregado que vá comigo ?” 
A mãe lhe disse: “Ah, meu filho, sou muito pobre
e não posso pagar um empregado para você.” 
“Que posso fazer, então ?” perguntou o garoto. 
“Te direi” - disse a mãe - “faz isto: no bosque, 
está seu irmão Krishna, o pastor 
(Krishna é conhecido na Índia como o Deus-Pastor) 
chame-o, que Ele virá e cuidará de ti, 
e assim, não estarás mais sozinho.” 
No dia seguinte, o menino penetrou no bosque e chamou:
“Irmão pastor, irmão pastor, estás aí ? “
Escutou uma voz que disse: “Sim, aqui estou.”
O garoto se sentiu consolado e não teve mais medo.
Depois, podia encontrar-se, ao sair do bosque, 
com um rapaz da sua idade, que brincava 
e caminhava com ele, e ele se sentia feliz. 
Ao cabo de algum tempo, morreu o pai do mestre 
e se celebrou uma grande cerimônia, 
(como é comum, na Índia, em tais casos) 
na qual todos os alunos trazem presentes para o mestre. 
O pobre menino foi à sua mãe e lhe pediu
que lhe comprasse um presente para levar,
assim como todos os demais alunos. 
Porém sua mãe voltou a lhe dizer que era muito pobre. 
Então, chorando, perguntou: “Que poderei fazer ?” 
Sua mãe lhe respondeu: “Vá a procura de teu irmão pastor
e peça a Ele.”  Se dirigiu para o bosque e chamou: 
Irmão pastor, irmão pastor, pode dar-me algo para
presentear a meu mestre?” 
E apareceu diante dele um pequeno jarro, com leite. 
O garoto o pegou, muito agradecido, foi a casa do mestre e, 
em pé, num canto, esperou que os empregados
pegassem seu presente. 
Porém, como os outros eram muito mais bonitos e delicados, 
os empregados não prestaram muita atenção ao seu; 
então exclamou: 
“Mestre, aqui está um presente que trouxe para você.”
Nem assim, ninguém lhe fez caso. Novamente, insistiu,
do seu canto : “Mestre, aqui está o seu presente.” 
O mestre olhou e vendo e vendo o insignificante objeto,
o desprezou e disse ao empregado: “Já que está incomodando 
tanto, pegue o jarro, ponha o leite num vaso para que ele se vá.” 
O empregado pegou o jarro e derramou o leite numa xícara, 
porém tão depressa como tinha esvaziado, 
se encheu novamente, sem que conseguissem mantê-lo vazio. 
Todo mundo se surpreendeu e perguntou: 
“O que é isso ? Onde conseguiu esse jarro ?” 
O garoto respondeu: “O irmão pastor me deu, no bosque.” 
“Que ?, exclamaram todos, tu viste a Krishna e Ele te deu isto?” 
“Sim”, respondeu o menino “brinca comigo todos os dias 
e me acompanha quando venho à escola.” 
“Que ?”, voltaram a exclamar todos,
“Tu caminhas com Krishna, brincas com Krishna?”
O professor perguntou então: 
“Podes levar-nos e O mostrar para nós ?” 
o garoto respondeu :”Sim, posso, vem comigo.” 
O garoto e o mestre foram para o bosque e o menino
começou a chamar, como de costume:
“Irmão pastor, irmão pastor, aqui está meu mestre 
que veio ver-te. Onde estás ?” Não chegou resposta alguma . 
Chamou  uma vez e mais outra e ninguém respondeu. 
Chorando, exclamou então:  “Irmão pastor, vem,
porque senão me chamarão de mentiroso !” 
Então, ouviu-se uma voz longínqua que dizia: 
“Vou para ti, porque és puro e tua hora chegou,
mas teu mestre tem muito, muito que andar 
antes de poder ver-me.”
     Depois de haver passado o verão em Thousand Island Park,
Vivekananda partiu para a Inglaterra 
e eu não o vi até a primavera seguinte (1896) 
quando voltou a Detroit por duas semanas. 
Em sua companhia, vinha seu taquígrafo, o fiel Goodwin. 
Ocuparam um apartamento no Richelieu, um pequeno 
hotel familiar e destinava 
a sala maior para aulas e conferências. 
O lugar não era suficientemente grande para que coubessem
todos os que para lá acorriam e com muito pesar nosso, 
muitos tinham que voltar. 
A casa, assim como o vestíbulo, a escada e a biblioteca 
ficavam literalmente repletos. 
Naquela ocasião ele era todo bhakti; 
o amor a Deus era sua fome e sua sede. 
Uma espécie de loucura divina parecia possuí-lo,
como se seu coração estalasse de desejo pela Amada Mãe.
     Sua última aparição em público, em Detroit, 
foi no Temple Beth El, cujo pastor, o rabino Luis Grossman,
era um ardente admirador do swami. 
Realizou-se num domingo à tarde e foi tão grande
a receptividade que quase temíamos o pânico. 
Havia uma fileira compacta que ia até a rua 
e centenas tiveram que voltar. 
Vivekananda manteve o grande auditório absorto, 
sendo seu tema: Mensagem da Índia ao Ocidente 
e O Ideal de uma Religião Universal. 
Nos brindou com um brilhantíssimo e magistral discurso. 
Nunca havia visto o Mestre como estava esta noite;
havia em sua beleza algo que não era deste mundo. 
Parecia como se o espírito houvera rompido os laços da carne
e foi então  que pressenti, pela primeira vez, 
que o fim se aproximava. 
Estava muito esgotado depois de tantos anos 
de excessivo trabalho e, desde já, dava a impressão 
de que não haveria de estar muito tempo neste mundo. 
Tratei de fechar meus olhos a isto, porém,
meu coração conhecia a verdade. 
Necessitava de descanso,
mas sentia que devia  prosseguir com sua obra.
     A próxima vez que o vi, foi em julho do ano de 1899. 
Estava extremamente doente e se pensou 
que uma grande viagem por mar lhe seria benéfica; 
por isso, partiu de Calcuta para a Inglaterra 
no transatlântico Golconda. 
Para grande surpresa sua, quando o navio atracou, 
dois de seus discípulos americanos estavam no cais de Tilbury,
em Londres.  Havíamos visto, em uma revista da Índia, 
a notícia de que embarcaria em tal data e nos apressamos 
para chegar lá e esperar sua chegada, 
já que estávamos muito alarmados com as informações 
que tínhamos sobre a sua saúde.
     Havia emagrecido muito, parecia um menino e agia como tal. 
Estava muito contente porque a viagem lhe havia devolvido
um pouco de sua antiga força e vigor. 
A Irmã Nivedita e o swami Turyananda o acompanharam 
a Inglaterra; procurou-se hospedagem para os dois swamis 
numa cômoda e velha casa situada em Wimbledon, 
não muito longe de Londres. 
O lugar era aprazível e tranquilo e passamos ali um mês felicíssimo.
     Naquela época, o Swami não se apresentou em público, 
na Inglaterra e logo embarcou para a América, 
acompanhado pelo swami Turyananda e seus amigos americanos;
foram dez dias inesquecíveis passados no mar. 
Lendo e comentando o Gita, empregávamos toda a manhã, 
e também recitando e traduzindo poemas e histórias 
em sânscrito e cantando antigos hinos védicos. 
O mar se mantinha tranquilo  e, nas noites, 
a lua brilhava fascinante. 
Aquelas foram noites maravilhosas; 
o Mestre andava de um extremo ao outro do convés, 
e sua figura majestosa se destacava a luz da lua .
Parava, de vez em quando para nos falar dos encantos da natureza.
“Se toda esta Maya é tão linda, pensem na admirável beleza 
da Realidade que há atrás de tudo isto !” costumava dizer.
     Numa noite singularmente clara quando a lua estava
em sua plenitude, docemente calma e brilhante, 
uma noite de mistério e encantamento, permaneceu em pé, 
silencioso por longo tempo, extasiado ante a beleza da cena.
De repente, voltou-se para nós e disse: 
“Para que recitar poemas, quando ali, 
(mostrando o mar e o céu) 
está a verdadeira essência da poesia ?”
     Chegamos a New York demasiado rápido, sentindo que nunca 
poderíamos estar bastante agradecidos por estes benditos 
íntimos dez dias passados com nosso Guru. 
A próxima vez que o vi, foi em 4 de julho de 1900, 
quando voltou a Detroit para uma rápida visita a seus amigos.
     Estava tão magro, que quase era etéreo;
se via que este grande espírito não ia permanecer
por muito tempo aprisionado ao corpo. 
Uma vez mais, fechamos nossos olhos à triste verdade, 
alimentando uma esperança.
     Nunca voltei a vê-lo, porém um outro discípulo 
teve o privilégio de estar com ele, na Índia, 
durante umas poucas semanas, 
antes que nos deixasse para sempre. 
Me é intolerável voltar meus pensamentos até aquela época. 
A tristeza, a angústia daquele tempo, continua viva em mim,
porém, no fundo de toda a dor e pesar, permanece 
uma grande calma, uma doce e bendita certeza 
de que as Grandes Almas vêm a Terra para ensinar 
aos homens “o caminho da verdade e da vida” 
e quando penso que me foi dado sentir de perto a influência
de um Ser assim, achando cada dia uma nova beleza, 
um mais profundo significado nos seus ensinamentos,
quase posso crer, ao meditar sobre isso, 
que ouço uma voz que me diz:
“Descalça-te, porque o lugar onde pisas, é terra santa.”

                                                                                    M.C.F.
Detroit, Michigan, 1908.