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Nota de repúdio do
FORAFRO contra as afirmações da ministra Matilde Ribeiro
Nota do FORAFRO em apoio à Câmara Municipal de Manaus
História da África e Afrodescendente brasileira
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UM
PRÍNCIPE NEGRO NAS RUAS DO RIO
Obá 2º, amigo de Pedro 2º, atacou o racismo e defendeu a igualdade
Dom
Obá 2º d’África, ou melhor Cândido da Fonseca Galvão, como foi
batizado, nasceu na Vila de Lençóis, no sertão da Bahia, por volta de
1845.
Filho de africanos forros, brasileiro de primeira geração, era, ao mesmo
tempo, por direito de sangue, príncipe africano, neto, ao que tudo
indica, do poderoso Aláafin Abiodun, o último soberano a manter unido o
grande império de Oyo na segunda metade do século 18.
Príncipe guerreiro, Dom "Obá" (que quer dizer "rei"
em ioruba) lutou na Guerra do Paraguai (1865-70), de onde saiu oficial
honorário do Exército Brasileiro, por bravura. De volta ao país, fixou
residência no Rio, onde sua posição social era, no mínimo complexa.
Tido pela sociedade de bem como um homem meio amalucado, uma figura folclórica,
era, ao mesmo tempo reverenciado como um príncipe real por escravos,
libertos e homens livres de cor.
Amigo pessoal, uma espécie de protegido de Dom Pedro 2º, Dom Obá
assumiu, nos momentos decisivos do processo de abolição progressiva, o
papel histórico, até então insuspeito de elo entre as altas esferas do
poder imperial e as massas populares que emergiam das relações
escravistas.
Sua figura imponente de homem de 2m de altura, seus modos de soberano,
como que captavam a atenção dos contemporâneos, embora poucos
estivessem realmente preparados para acreditar no que viam. Um príncipe
afro-baiano a perambular pelas ruas do velho Rio, barba à moda de
Henrique 4º, muito bem vestido em suas "finas roupas pretas",
como foi descrito, de fraque, cartola, luvas brancas, guarda-chuva,
bengala, pince-nez de aro de ouro.
Ou, em ocasiões mais especiais, muito ereto e importante em seu bem
preservado uniforme de alferes do Exército, com seus galões e dragonas
douradas, sua espada à cinta, seu chapéu armado com penachos coloridos,
seu "pacholismo admirável".
Dom Obá, para ser breve, defendia uma visão alternativa da sociedade e
do próprio processo histórico brasileiro. Talvez pelo conteúdo mesmo de
suas idéias, talvez por sua linguagem crioula, colorida com expressivas
pitadas de ioruba e mesmo latim, a verdade é que seu discurso parecia
opaco, incompreensível para a elite letrada de então.
Escravos, libertos e homens livres de cor, contudo, não apenas
compartilhavam de suas idéias, como contribuíam financeiramente para a
publicação das mesmas e reuniam-se nas "quitandas ou em família"
para ler os artigos.
O que defendia este homem e porque parecia interessar tanto seus leitores?
Sendo um príncipe, era Dom Obá, ao menos teoricamente, um monarquista
acima dos partidos, nem inteiramente conservador nem liberal, talvez por
achá-los muito parecidos uns com os outros, inspirados apenas por
interesses materiais e casuísticos.
Por essas e outras, tinha o príncipe posições políticas muito
matizadas. "Por isso sou conservador para conservar o que for bom e
liberal para reprimir os assassinatos que têm havido nesta atualidade a
mando de certos potentosos", quer dizer "potentados",
pessoas muito influentes e poderosas.
O combate ao racismo, a defesa da igualdade fundamental entre os homens,
foi um dos pontos mais importantes de seu pensamento e da prática,
explicava, "por Deus mandar que quando o varão tiver valor não se
olharia a cor". Contrariava não apenas concepções senhoriais,
contrariava a própria ciência fin de siècle com suas poderosas
filosofias evolucionistas e etnocêntricas.
A miscigenação brasileira, para o
príncipe, nada tinha a ver com idéias evolucionistas de inevitabilidade,
como pensou Nina Rodrigues; ou desejabilidade, como pensou Sílvio Romero,
do "branqueamento". Tinha a ver, ao contrário, com um
sentimento de igualdade fundamental entre os homens. O príncipe
orgulhava-se de "preto ser" e, por não acreditar em
superioridades, era "amigo dos brancos e (de) todos os varões
sensatos e conhecedores (...) que o valor não está na cor".
Saída do mesmo universo cultural, uma carta de
apoio ao príncipe lembra o absurdo da discriminação, "visto da
preta cor ser assemelhada todas as raças".
Outra carta, em 1887, chega a formular um projeto de
"enegrecimento", antes que de "embranquecimento" da nação.
Para o missivista, súdito de Dom Obá, a raça negra já não era
problema, mas a própria solução. Por isso apoiava a nomeação do príncipe
como embaixador plenipotenciário na África Ocidental, onde prestaria
relevantes serviços, "mandando transportar colonos africanos, para
nunca mais sofrer o Brasil decadência na sua exportação de fumo e café
(...) e o açúcar e o algodão nunca deixem de fertilizar o solo onde
nascera o mesmo Príncipe Obá 2º d’África, de Abiodon neto".
Também aqui a discriminação é tida por absurda, sendo, afinal,
"cada qual como Deus o fez".
O próprio príncipe publica, vez por outra, poesia abolicionista e
antidiscriminatória. "Não é defeito preto ser a cor/É triste pela
inveja roubar-se o valor", reza uma delas. Para ele, "o certo é
que o Brasil deve deseistir (da) questão da cor, pois que a questão é
de valor e quando o varão tiver valor não se olhará a cor".
Na verdade, para Dom Obá, não parece existir exatamente uma "questão
racial", mas uma questão de cultura, de informação, de refinamento
social. Daí, muitas vezes, o seu desconsolo com a pátria amada, "um
país tão novo onde completamente não reina a severa civilização
colimada, porque ainda há quem apure a tolice (...) do preconceito de
cor".
O príncipe, como seus seguidores, chega a formulações pioneiras também
no sentido da criação de uma estética autônoma, na linha do black
is beautiful norte-americano dos anos 60. Na verdade, segundo um de
seus súditos, a raça negra não apenas era linda, era "superior do
que os mais finos brilhantes".
Às vezes parece existir, no fundo, a idéia de superioridade negra. Não
no sentido biológico ou intelectual, parece, mas no sentido moral, em função
da vivência histórica de diáspora. Sua "humilde cor preta"
era, assim, "cada qual como Deus, Maria Santíssima, virgem, sempre
virgem sem ser pesada aos cofres públicos, sem ser assassina da
humanidade". Tudo isso, concluía, "por preta ser a cor
invejada".
Eduardo Silva é autor de Prince of the
People The Life and Times of a Brazilian Free Man of Colour, editora
Verso (Londres). Publicado na Folha de São Paulo, Mais! 19.3.95.
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