Contos, Causos e Crônicas
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Textos de Elza Souza Teixeira Silveira - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem à Autora
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O CAUSO DO MARIDO INSATISFEITO
Como a árvore não pode florescer sem os nutrientes que ela retira do solo, as lembranças de tudo que vivi com os meus pais e irmãos estão profundamente plantadas em meu coração, alimentando minha alma.

Após o jantar, seguido da prece, vinham as conversas sérias, as brincadeiras e os causos.

Uma noite, lampião aceso no centro da mesa, meu pai começou a nos mostrar como podemos ser felizes, cultivando as pequenas alegrias ou vivermos carregando uma insatisfação interior que não nos deixa ver a beleza das coisas nem sentir o sabor de nada.

Assim, infelicitamos a nós mesmos e aos outros.

E lá vem mais um causo.

Era uma vez uma família que morava em um sítio na zona rural de um município qualquer.

O marido vivia sempre insatisfeito.

A esposa fazia o impossível a fim de vê-lo contente. Mas qual nada! Ele sempre achava tudo muito ruim.

Cansada de não obter resultado foi pedir conselho à sua mãe.

Filha, já ouviu dizer que os homens são presos pelo estômago? Tenta fazer cada dia um quitute mais gostoso.

_Obrigada, mãe. Começarei amanhã mesmo.

No dia seguinte a esposa preparou um frango cujo cheiro apetitoso era sentido na porta da rua.

Colocou um jarro de flores no meio da mesa e esperou. Tudo parecia tão perfeito, pensava ela.

À hora do almoço, o marido sentou-se à mesa, fez cara feia e disse:

_Você não poderia ter pensado em algo melhor? Detesto frango assado; se fosse pelo menos cozido... Assim, cada dia era uma nova decepção; ele criticava o que tinha e punha-se a desejar o que não havia.

Certo dia ele avisou à esposa que passaria algum tempo fora e marcou a data do retorno.
Novamente, ela foi procurar a progenitora.

_Nada adiantou, mãe, o homem não se alegra com nada! Adora reclamar!

_Olha, filha, quando ele voltar, você prepara de tudo um pequena quantidade.

No dia marcado ela caprichou.

Arrumou a casa, escolheu a melhor toalha e de cada iguaria fez um pouco.

Avistou o marido aproximando-se, correu para recebê-lo. Mas aí, que tragédia!

Uma galinha subiu na mesa e fez cocô na toalha de linho. E agora? Não há tempo para lavar e não tenho outra tão bonita. Para resolver o problema rápido só há uma solução: cobrir a sujeira com um prato.

O marido chegou, sentou-se à mesa e a ladainha começou. Descobriu o 1º prato.

_Frango de novo, eu queria um bife acebolado.

_Fiz bife também, está aqui - e levantou outro prato.

E assim continuou a cada alimento anunciado como preferido, ela respondia: Está aqui.

Quanto mais não encontrava razão para desabafar seu mau humor, mais irritado ficava. Até que, gritou:

_Hoje, nesta mesa, só falta merda.

E ela, tranqüilamente: Não falta nada. Há merda também. Fiz de tudo o que conhecia de melhor para lhe agradar e não consegui.Se é merda que você prefere, esteja à vontade, sirva-se.

Pois é, companheiro. Quando não conseguimos perceber o valor das coisas simples, apreciar a beleza à nossa volta, tornamo-nos eternamente insatisfeitos, amargos, perdemos a condição de ter atitudes sábias e... acabamos na merda.