Contos, Causos e Crônicas
Voltar
Textos de Elza Souza Teixeira Silveira - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem à Autora
Voltar
Com apenas um ano de existência a Academia Caetiteense de Letras já tem algumas realizações dignas de nota. Que ela se torne cada vez mais dinâmica a fim de ser estrela brilhante na constelação da história de nossa gente.
  Garimpou nos corações e trouxe à tona muita beleza que estava guardada.
  Participar de suas atividades tem sido um refrigério para minha alma.
  Ajudou-me a sonhar, reviver o passado, abrir o baú de lembranças e de lá tirar algumas das estórias que povoaram minha infância.
  Vida longa à nossa Academia!
  Aí vai mais uma do estoque.
A TIGELINHA AZUL
Sr. Pedro dos Santos era um próspero comerciante de uma cidade nordestina.
Exemplo típico do sertanejo lutador.
Quando menino, morava em um sítio com seus pais e irmãos.
O pai faleceu quando ainda tinha 13 anos e tudo ficou mais difícil.
Um dia sua mãe lhe disse: _Filho, a cidade não fica muito longe. Como você é o mais velho, precisa ir à feira vender alguns ovos e comprar comida para nós.
Ele ficou um pouco assustado, mas foi. Vendeu os ovos; no sábado seguinte voltou com outros produtos e criou gosto pelo trabalho.
Estava assim selado seu destino como comerciante.
Mais tarde, mudou-se para a cidade com sua mãe e irmãos.
Teve um modo sui generis de ampliar suas atividades comerciais: escolheu pessoas que precisavam trabalhar, abriu pequenos negócios e deu-lhes participação nos lucros. Cresceram juntos. Dessa forma deu a mão a quem precisava e progrediu. Estabilizou-se.
Foi convidado a entrar para a política. A princípio teve dúvidas, mas depois aceitou, imaginando que poderia ajudar a mais pessoas. Foi eleito prefeito.
Nas noites de sábado, sua casa enchia de amigos, políticos locais fazendo-lhe os mais diversos pedidos.
Muitos casais traziam-lhe os filhos para que os batizasse. Tornou-se compadre de muita gente, porém o mais querido era o Sr. Antônio.
Quando ia visitá-lo sentia-se bem naquela casa simples, onde era recebido com muito carinho.
Uma vez, tomando o café que a comadre lhe servira, fez um comentário sobre a beleza da xícara branca com frisos dourados.
_Olha, compadre, esta xícara foi de meu avô. Louça antiga, coisa finíssima! Fica guardada. Só quem bebe nela é o compadre e o padre quando vem por aqui. Os outros bebem nas tigelinhas de esmalte azul.
Durante algum tempo foi político influente. Depois a maré mudou. Tentou a reeleição mas não conseguiu.
Gastou muito na campanha, porém foi derrotado por um candidato mais jovem. Ficaram altas dívidas.
_Nem que precise vender o que tenho mas pagarei tudo. Não quero manchar meu nome nem deixar credores batendo à minha porta.
Finalmente salvou a casa de residência e um pequeno depósito de cereais gerenciado por um amigo leal.
Os companheiros foram se afastando até que desapareceram.
Uma noite de sábado, em sua casa, agora silenciosa, comentou com a esposa: _Veja, quantas pessoas ajudei e poucas se lembram. Hoje percebi que um amigo dos bons tempos até se desviou para não me cumprimentar.
_Não se deixe abater. Você é um homem forte. Jesus curou dez leprosos e só 1 voltou para agradecer-lhe. O povo que o aclamou no domingo, na quinta-feira gritava: crucifica-o. Você recomeça. Se conseguiu jovem, quanto mais agora, amadurecido e experiente.
_Sabe, mulher, senti saudade de compadre Antônio. Sempre foi um bom amigo e faz tempo que não o vejo. Seu sítio é um pouco distante, mas fica em belo lugar. Vai me fazer bem.
No dia seguinte foi visitá-lo. A chegada foi uma festa.
_Mulher, vem ver quem chegou! Mas que boa surpresa! Andou sumido...
_Tenho tido muitos problemas. Não sei se você sabe. Perdi a eleição, fui forçado a vender muita coisa para saldar as dívidas. Estou pobre. Muitos amigos afastaram-se de mim. Vir aqui e ser recebido com a mesma alegria, revigorou-me o coração.
_Ah! compadre, aqui nada vai mudar. Nossa amizade é a mesma.
_Obrigado, suas palavras trouxeram-me alegria e novo ânimo. Até logo, compadre, estou voltando renovado.
_Espera, vai sair sem o café de costume? Mulher, traga o café do compadre!
_Espero sim, não perderei o café da comadre, o melhor da redondeza!
Ela trouxe a bandeja com o café. Depositou sobre a mesa.
Sr. Pedro olhou e viu o bule, o açucareiro e... uma tigelinha azul!