Contos, Causos e Crônicas |
Textos de Elza Souza Teixeira Silveira - Academia Caetiteense de Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem à Autora |
Um sonho que não se realizou |
Acho que sonhar faz parte da natureza humana. Quando alguém não se dá o direito de fazê-lo torna sua vida mais triste. |
Meu pai tinha uma opinião a meu ver muito interessante: "Cultive sempre belos sonhos, dizia, ainda que não se realizem o tempo utilizado em se lembrar deles alegra o coração. Estar sempre temendo o pior transforma a vida em pesadelo." |
Creio que as pessoas racionais sabem estabelecer limites para seus sonhos, enquadrando-os dentro do realizável. Outras, não, deixam o coração voar, são os poetas, os românticos ou os loucos. |
Morou aqui outrora uma mulher chamada Clementina. Em sua loucura mansa não agredia ninguém, apenas desejou o impossível. Enfeitava-se com muitos colares, pulseiras, passava no rosto uma camada de pó de arroz, coloria as faces e pintava os lábios tornando-os bem vermelhos. Saía toda feliz à procura do noivo, um estudante de 15 ou 16 anos, e ela andava aí pelos cinqüenta e uns. |
Gostava de ficar à porta da Catedral. A missa terminava, a porta da igreja era fechada e ela ficava lá, fazendo quadrinhas amorosas. Eis uma delas: |
Vem cá, Verim |
Cravo de amor |
Moreno bonito |
Coração namorador. |
Quando alguém perguntava se ela iria mesmo casar-se, respondia: Se meu irmão Quelé quiser, eu caso. E sorria feliz, deixando à mostra os dentes que ainda restavam. Ela não se lembrava da maior dificuldade: o noivo querer. |
Admirava-me a bondade natural daquele jovem. Não se irritava com a paixão da Clementina. Quando, por acaso, a via, cumprimentava-a alegre e gentilmente. |
Certa vez alguém escreveu para ela em nome do rapaz, pedindo-lhe para ir à igreja, pois o casamento seria naquele dia. Arranjaram um vestido branco, cobriram seus cabelos com um pedaço de filó representando o véu, e ela foi. |
A missa terminou, a porta da igreja foi fechada, e ela firme, aguardando. |
Meio-dia, sol a pino e ela esperando um noivo que jamais viria. |
Pessoas tentaram convencê-la a ir para casa, pois tudo não passava de brincadeira. Ela se zangou, não sairia sem a chegada do noivo. |
Até que escureceu e ela desistiu. |
Os anos se passaram e em uma noite da Festa de Santana, meu marido e eu o encontramos na praça. |
A conversa fluiu alegre. Ele nos contou que depois de ter deixado o colégio fora morar em outra cidade, mas às vezes vinha aqui matar a saudade. |
Em uma das visitas, encontrou Clementina, já bem mais velha. Perguntou-lhe: Você ainda quer se casar comigo? E ela respondeu-lhe: Não, você não é Verim. Quis colocar o braço sobre seus ombros, ela não permitiu. Recusou o abraço tão desejado anos atrás. |
Quem sabe não o reconheceu. Talvez, naquela tarde triste, a dor a fez deixar seu sonho enterrado na porta da igreja ou o tempo tenha se encarregado de apagá-lo, como tantos outros que não se realizaram. |