Fonte: Folha
de S.Paulo
Painel
S/A
São Paulo,
quarta, 18 de outubro de 2000
OPINIÃO ECONÔMICA
Erros da Booz Allen no
Banespa e nos bancos federais
CARLOS EDUARDO CARVALHO *
Um
"erro" da consultoria Booz Allen reduziu em R$ 1,198 bilhão
o valor do Banespa e causaria enorme prejuízo ao Tesouro não fosse a
ação do TCU, como informou a Folha no último dia 5. Incompetência,
má-fé, desleixo? É difícil saber ao certo, até porque a
consultoria é reincidente na falta de rigor, como se verifica no
relatório "Alternativas para a Reorientação Estratégica das
Instituições Financeiras Públicas Federais", divulgado no
final de junho pelo consórcio Booz Allen & Hamilton - Fipe, sob
encomenda do governo federal.
Trata-se
de documento repleto de afirmações de efeito, mas sem nenhum
embasamento técnico digno desse nome. O caso mais comentado foi a
projeção de prejuízos expressivos dos bancos federais nos próximos
anos, para o que não é apresentada fundamentação consistente. Além
de previsões de resultados de instituições financeiras em período
extenso produzirem resultados frágeis em qualquer parte atualmente, o
relatório não informa a metodologia adotada e inclui, na base de
referência, os anos de 1994-95, período de adaptação dos bancos à
inflação baixa e no qual o Banco do Brasil arcou com boa parte dos
custos da política de estabilização na época.
No
exame dos prejuízos do BB no período, a Booz Allen não discute a
questão polêmica da responsabilidade pelas perdas, se foi do próprio
banco ou da política do governo para o banco. Nessa segunda hipótese,
vale lembrar, o Tesouro iria arcar com o prejuízo, fossem as políticas
feitas pelo BB, pelo Tesouro ou por bancos privados operando para o
governo.
Outro
problema dos bancos federais apontado pelo relatório seria a
"sobreposição" de agências e pontos de atendimento
"não-rentáveis" em diversas regiões do país. O documento
não esclarece quanto pesam essas dependências no gasto total de cada
um dos bancos analisados. Nem explica o que entende por agência
"não-rentável", conceito que pode parecer intuitivo, mas
que está longe de ser simples para a administração bancária.
Uma
das questões mais graves do relatório é tratar como verdade
demonstrada a tese de que o setor privado poderia fazer mais barato e
melhor diversas atividades hoje desempenhadas pelos bancos públicos.
Até agora não apareceu nenhuma prova de que custaria menos para os
governos (federal, estaduais e municipais) trabalhar com os bancos
privados para a realização dos serviços financeiros desempenhados
até aqui pelos bancos públicos. Uma afirmação dessa natureza
deveria estar amparada por indicadores confiáveis, cálculos de
custos das operações dos bancos federais para o Tesouro comparáveis
com uma tabela de cobrança de serviços pelos bancos privados que
poderiam substituí-los. Não há nada disso. Há apenas a tese,
tipicamente fundamentalista, de que os bancos privados fariam mais
barato porque são bancos privados e ponto!
O
relatório não se dá ao trabalho de discutir essas e outras questões.
O mais espantoso é que, mesmo adotando um tom "isento" e
"técnico", admite que não houve pesquisa. Na página 1-8
do relatório lê-se que "as questões identificadas, de um modo
geral, constam dos balanços das instituições", "são do
conhecimento do mercado" e "muitas foram objeto de
reportagens na imprensa". Para que então foi contratada uma
consultoria se as informações já eram de domínio público? Nada
disso impede seus autores de pontificar sobre questões complexas e
apresentar propostas de "reestruturação" dos bancos
federais, com sérias implicações para o desenvolvimento econômico
e social do país.
É
possível que tanta despreocupação com o rigor do trabalho advenha
da expectativa de impunidade. Afinal, depois de criar o risco
potencial de um enorme prejuízo para o Tesouro no caso do Banespa, a
Booz Allen teria sofrido apenas uma "reprimenda" do Banco
Central, ou algo assim.
Pelas
chamadas "regras de mercado", tão ao gosto do governo, a
Booz Allen e seus associados locais estão certos ao vender caro serviços
de baixa qualidade, se há alguém disposto a pagar por eles. Inaceitável
é o governo brasileiro gastar fortunas por serviços ruins e que
poderiam ser desenvolvidos pelas universidades públicas e pelos
institutos de pesquisa do próprio governo.
Afinal,
o que fez a Booz Allen no seu "trabalho" sobre os bancos
federais? Subcontratou professores das universidades públicas, reuniu
informações produzidas pelos próprios bancos federais, arrumou tudo
em um relatório "técnico" e revendeu o "produto"
ao próprio governo.
Belo
exemplo da modernidade administrativa em prática no país. Belo
exemplo daquilo que muitas consultorias entendem como eficiência,
como a sua suposta capacidade de produzir avaliações mais
"isentas" do que as universidades e as instituições públicas
de pesquisa.
* Carlos Eduardo Carvalho, 47, é economista e
professor da PUC-SP.
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