AVENTURAS NUM GURGEL( PENSE NO BONECO !)
                                                     Autor: Guaipuan Vieira
 
Foi no sábado dia quatro
Data do santo querido
Francisco de Canindé
Que me fiz de atrevido
Furei a promessa feita
Ele porém com despeita
Me fez um cabra sofrido.
 
Na véspera de viajar
Procurei Mane Canção
Um borracheiro do bairro
Caboclo de boa ação
E sendo um cabra fiel
Mandei fazer no Gurgel
Nos pneus a revisão.
 
Perguntou-me é pra viagem
Respondi como advinha?
Ele logo acrescentou:
É experiência minha
Deixe aí vou revisar
Mas depois qu’eu consertar
O pneu desta gatinha.
 
Uma loura taliquá
Um precipício arrumado
Corri fundo na donzela
Para tirar meu pecado
E pra dar certo a conversa
O borracheiro com pressa
Consertou muito apressado.
              
Ela quando foi pagando
Eu lhe disse: está pago
De donzela só se cobra
Porque ela tem afago
Sei que você é a santa
Que me cobre com a manta
Pra tirar o meu amargo.
 
Perguntou-me quer carona
Meu coração pulsou forte
Respondi você devolve
Neste instante a minha sorte
E saímos na banguela
Até a casa amarela
Onde a cobra deu o bote.
 
Meia-noite retornava
Pra cuja borracharia
Tava o borracheiro bêbado
Brigando com a freguesia
Perguntei e o Gurgel
Respondeu: até pro céu
Tem a minha garantia.
 
Já era tarde da noite
Minha mulher me ligando
Eu desabei para casa
Uma desculpa arrumando
Ao chegar disse querida
Faremos boa corrida
Tava o carro revisando.
            
Oito e meia da manhã
Do sábado aqui citado
Depois de um bom café
Pra ficar bem reforçado
Eu dava adeus a ressaca
Por questão da carne fraca
Que nos leva pro pecado.
 
Tudo ia as maravilhas
Minha mulher satisfeita
O motor do carro novo
E os pneus sem desfeita
Na estrada assobiava
Alguém se impressionava
Dando a mão pela deleita.
 
Nove e meia em Maranguape
Lá na Praça do Mercado
O Gurgel de cara alta
De Xavante batizado
Fez marca no calçamento
Porque naquele momento
Eu tinha encontro marcado.
 
Um colega de trabalho
Amigo posso afirmar
De nome Paulo José
Prestes pra se aposentar
Desses cabras do sertão
Que come angu e pirão
E bebe a pinga exemplar.
           
Enquanto ele arrumava
Toda a bagagem que ia
Dei um pulo na bodega
Pensei tomar uma fria
Mas logo me dei de cara
Com a tal da sapupara
Foi a primeira do dia.
 
Retornei disse se embora
Paulo disse satisfeito:
Toque os pés neste Gurgel
Se não tiver um defeito
Receberá meu aval
Na lagoa de Juvenal
Será um dia perfeito.
 
Aquilo foi com agouro
Quase o peste não pegava
Mas na manha ele pegou
Logo um silêncio estampava
Havia desconfiança
Como alguém a esperança
Sentindo que terminava.
 
Mas na reta da estrada
Cantou pneu e roncou
O silêncio se quebrava
E o Paulo se animou
Foi contando até piada
Mas quando numa lombada
O Gurgel se assombrou.
             
Foi lá no Amanari
Essa lombada esquisita
Que marca poucos quilômetros
Quarenta naquela pista
Que a marcha escapoliu
E o carro não reduziu
Parando de oportunista.
 
O Paulo pulou do carro
Vendo uns desocupados
Disse: caros companheiros
Não vi mais ninguém do lado
Por favor vamos empurar
Este carro pra pegar
Nos deixa preocupados.
 
Foi ligeiro que pegou
No embalo do empurrão
Mas a bagagem do Paulo
Por causa do supetão
Da estrada esburacada
Sacudiu e fez zoada
Pense na orquestração.
 
Prato, faca com talher
Panela, tampa e chaleira
De contra-peso um pinico
Além disso, uma mangueira
E três carás bem crescidos
Uma ossada pros cosidos
Tão magra que nem caveira.
              
Onze e meia nós chegamos
No rancho tão esperado
Paulo vendo seu chará
Paulo Roberto chamado
Gritou logo abre a porteira
E o Gurgel na buraqueira
Estancou por assustado.
 
Lá fomos bem recebidos
Descobria assim a sorte
Logo dona margarida
Assadeira de capote
Preparou um tira-gosto
Pra tirar qualquer desgosto
E a cerveja correu forte.

 

 

Seu Paulo dono do rancho
Sujeito trabalhador
Se sentou e foi contando
Estórias de caçador
Depois foi cortar cabelo
Dum burro de desmantelo
De gado farejador.
 
Paulo José no alpendre
Tratava o peixe levado
Mas de vez tomava uma
Esperando ser assado
Mas depois do prejuízo
Tome cana no juízo
Sem se queixa de enfadado.
             
A fartura esta pronta
Peixe, capote e galinha
E um feijãozim no preço
Da sertaneja cozinha
Pra melhorar a conversa
Chegou ali bem de pressa
A comadre Francisquinha.
 
Chamam de magra valente
Porque não guarda segredo
Mas é gente muito boa
Eu afirmo sem enredo
Veio com Yuri o netinho
Conhecido Galeguinho
Dos zói azul e sem medo.
 
Pois a dona Francisquinha
Trouxe ali pra completar
Pra Dadá minha mulher
Outro prato exemplar
Baião-de-dois com capote
Água gelada do pote
E eu fiquei só de espiar.
 
A conversa tava boa
No alpendre da varanda
A família mais unida
Disso ninguém se engana
Pra completar a platéia
Tava o invocado Eneias
Vendo o Paulo beber cana.
            
O Paulão aperreado
Pouco ele se sentava
Entrava cozinha adentro
Pro terreiro ele voltava
Depois trouxe em duas lonas
Cinco centros de bananas
No Gurgel depositava.
 
Sentou-se pra tomar uma
Por a conversa em dia
Logo ali nos escutamos
Um alguém com gritaria
Depois que baixou o tom
Era o tal Chico fonfom
Que gritava por mania.
 
Vendo o homem em tremelique
Que nem boneco teimoso
E dançando no caminhado
Disse o cabra é horroroso
De tão bêbado vai ao chão
Alguém disse: este cristão
Só tem jeito desastroso.
 
Mas ele Demorou pouco
Falou meio atrapalhado
Pegou beco foi embora
Seu Joaquim tinha chamado
Quando olhei Paulo José
Com seu chará fazia fé
Em um mourão agarrado.
             
Vinham lá da casa nova
O Paulo que nunca pára
Com um tronco de imburana
Que é madeira tão rara
Pra fazer xilogravura
Além disso, escultura
Que de gente tem a cara.
 
Agora assim vou contar
Nesse oportuno momento
A minha visita ao rancho
Que não houve descontento
Assino se for preciso
Foi como num paraíso
Esqueci todo tormento.
 
Pra santa virgem Maria
Fiz então uma promessa
De pagamento eu fazer
E isso com muita pressa
Embora sendo profana
Sua imagem de imburana
Porque muito me interessa.
 
E depois dela esculpida
Em São Paulo eu deixarei
Em Aparecida do Norte
Lugar que sempre sonhei
Eis aí minha razão
Pela preocupação
Porque saúde encontrei.
               
Na traseira do Gurgel
O tronco foi amarrado
Quatro horas despedimos
Daquele povo educado
E chave na ignição
E o bicho que nem o cão
Saiu no mundo espritado.
 
Na rodagem foi ligeiro
Que chegamos sem demora
Paulo olhava pro relógio
Dizia vamos se embora
Tenho ainda um compromisso
Pra que foi que disse isso
Foi outro agôro na hora.
 
Logo o Gurgel foi pendendo
Um pneu tava furado
Pra nossa sorte o traseiro
Foi outro drama arretado
Paulo serviu de macaco
Levantou provando taco
Pois foi assim consertado.
 
Às dezoito nós chegamos
No Maranguape afamado
À casa de outro amigo
Do Paulo,agente é levado
Pra entregar encomenda
As bananas para venda
Que ele trouxe ofertado.
           
A demora fora curta
Enfadado me encontrava
O Paulo eu foi deixar
Aonde seu carro estava
E com Dadaá sem tristeza
Seguimos pra Fortaleza
A viagem terminava.
 
Se houve então sacrifício
Explico aqui a questão
Foi pra testar a promessa
Deste poeta cristão
Quem então acompanhou
Sei que a santa abençoou
Pela fé no coração.
 
Assim termina a história
Do personagem fiel
Que envolveu um amigo
Do direito bacharel
Se foi culpa é do destino
Assim fiz sem desatino
Um registro no cordel
 
Farei outra aventura
Convidarei outro amigo
Helder Campos com certeza
No Gurgel terá abrigo
Por ser muito falador
Não paga nada se for
Só quero ver seu castigo.
                           Fim
     Folheto com 12 páginas -Edição Cecordel - Outrubro/2003

           

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