LEONI IÓRIO
CAPÍTULO 2
VALENÇA ALDEIA
PARTE 4
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Os
Índios de Valença e suas Características
Os OS INDIOS DE VALENÇA E SUAS CARACTERÍSTICAS a e suas
Coroados
—
era a alcunha dada pelos portugueses aos índios que habitavam a região
existente entre os rios Paraíba e Preto, em virtude de terem esses mesmos índios,
o hábito de cortar os cabelos no alto da cabeça, à semelhança dos nossos
sacerdotes, ou de conservar somente uma calote de cabelos. Esses índios eram
conhecidos, também, pelo nome de “Coroados do Rio Bonito”, nome ligado ao
ribeirão que banha o município de Valença; essa denominação tinha por fim
evitar que se confundissem, com os Coroados
de Mato Grosso, Goiás, S. Paulo e Paraná, também conhecidos, nos sertões
de Curitiba, por “Dorins”.
Os
índios de Valença, segundo observa Saint Hilaíre, ter-se-iam originado dos índios
Goítacazes que, repelidos pelos
portugueses, em 1630, dos campos vizinhos da foz do rio Paraíba (Campos), se
embrenhavam pelas florestas das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais. O
cientista francês nos dá notícia de que os Goitacazes
não poderiam ter conservado, em florestas quase impenetráveis, os costumes
adquiridos em campo aberto. Renunciaram a sua basta cabeleira, e o modo por que
a cortavam fazia com que os vencedores lhes dessem o nome de “Coroados”.
Escreve
A. Gonçalves Dias:
“Entre
as mais nações se distinguiam os Goitacazes,
habitantes das férteis campinas de Campos, que deixavam crescer o cabelo,
em sinal de liberdade, motivo por que anteriormente o cortavam a seus escravos;
mas, afugentados pela força das armas para o interior de Minas, e
estabelecendo-se de preferência nas terras banhadas pelos rios Pomba e Xopotó
dos Índios, já não puderam conservar o mesmo distintivo que lhes embaraçava
a marcha através das florestas: apararam então o cabelo em roda da cabeça, e
este costume lhes valeu a designação de Coroados,
com a qual é hoje conhecida aquela antiga tribo, a qual, na sua emigração,
se incorporavam os “Coropós “.
“Os
Coroados, descendentes dos Goitacazes,
combatiam também no campo; no princípio traziam o cabelo todo crescido;
mas, obrigados a refugiarem-se nas matas, tiveram de o cortar para se não verem
embaraçados em suas marchas, e com a perda deste costume enfraqueceu-se sem dúvida
o sentimento de liberdade, que, entre eles, como entre os Francos,
a cabeleira simbolizava.”
Uma
índia “Coroado”
Um índio “Coroado”
(Rugendas)
“As
tribus que em maior número dominavam a província do Rio de Janeiro —
escreve Joaquim Norberto de Souza Silva —
parecem descender dos “Goitacazes”: — já pela semelhança de linguagem
— já pela igualdade nos costumes e usos. Tais são, sem dúvida, os Guarulhos,
os Coropós, os Coroados
e os Puris (também conhecidos
pelo nome de “Purus”), que desceram dos mais remotos sertões, e vieram dos
Andes. Os Goltacazes dominavam as
margens do rio “Paraíba” (Gabriel Soares de Souza — Noticia
do Brazil, 1a parte — cap. 47 — pág. 67). Simão
de Vasconcelos, em sua “Chronica da companhia de Jesus no estado do Brazil”,
liv. 1, § 49, exprime-se assim a respeito dos “Goitacazes”: — “Nação
de gentio pernicioso, bárbaro e terrivel por nome Goitacá. . . Era esta sórte
de gentío a mais feroz e deshumana que havia por tôda aquela costa; em corpos
eram agigantados, de grandes fôrças, déxtros em arcos, inimigos de tôdas as
nações e tragadores sobremaneira de carne humana, de cujos ossos faziam
grandes montes em seus terreiros, e era êste o mór brazão de seus feitos heróicos
as muitas ossadas dos que matavam e comiam em guerras, assombro perpétuo
daquela região.”
“Os
“Coropós” ou “Coropoques”, que na opinião do bispo D. José Joaquim de
Azeredo Coitinho foram vencidos pelos “Goitacazes”, e adotados pelos
vencedores, formaram uma só nação com o título de Coroados
(“Ensáio
Econômico”, cap. 6, § 7, pág. 88), são ainda hoje conhecidos e
distinguidos por “Coropós”, e foram aldeiados com os “Coroados”, e os
“Puris” pelos “Capuchinhos Italianos”, e, no dizer de Eschwege, falavam
a mesma língua.”
“E’
dificil saber o que sejam Coroados —
comenta
Joaquim Norberto de Souza Silva —
tribus assim, conhecidas nas diferentes províncias do Minas Gerais, São
Paulo, Mato Grosso e Rio de Janeiro, não obstante a saliente diversidade que
existe entre elas
(Miliet de Saint Adolfe, Dicc.
Geogr. Hist. £ Descript. do Imp. do Brazil).
No Rio de Janeiro, o nome de
Coroados foi generalizado a todos
os selvagens que se distinguiam pela maneira de cortarem o cabelo ou fosse em
torno e no alto da cabeça, como os “Goitacazes”, ou só no alto da cabeça,
ficando os cabelos longos e corridos, espargidos pelos ombros, como os “Ararís”,
os “Xumetós” e “Pitás”.
“O
príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, contestando a Ayres de Casal, (Corografia
Brazílica, tomo I, pág. 53) nega que os “Goitacazes” sejam os
“Coroados” (Voyage au Brésil, tomo I, chap. V, pág. 197), por deixarem êstes
crescer o cabelo, quando o autor de Ensaio
Econômico é tão explícito a este respeito:
“E suposto, ajunta o bispo que foi de Pernambuco, hajam outros muitos índios
que também cortam o cabelo ao redor da cabeça, como circírio de frade,
contudo os índios “Goitacazes” são hoje chamados por antonomásia os Indios
Coroados (Cap. VI, § 7o , pág. 88).
Indios Puris em cerimônia de dança (des. de Debret)
E
continua comentando Joaquim Norberto de Souza Silva:
“Os “Purís”- diz Eschwege que
-
“êles exprimem nêsse nome a sua índole
propensa a rixas e brigas”. — Journal
Brazileiro, tomo 1, pág. 108). O autor da Notícia
que se acha no “Livro 1 do. Tômbo da freguezia de S. João Baptista de
Queluz” afirma que
“purí ou pachí
quer dizer manso, e que disso
jatam” (Revista Trimensal, tomo V,
pág. 69). “Os “Purís” —
como
diz Joaquim Norberto — foram
por muito tempo senhores de vastos sertões, derramados pelas províncias do
Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, em contínuas guerras com os Coroados
e os Boticudos, o que tem
concorrido para facilitar o seu aldeiamento. São pequenos na estatura, de côr
morena e valorosos, si bem que pérfidos na guerra (Ayres do Casal — Corograjia
Brazílica, tomo 1, pág. 59). Errantes, suas habitações consistem em
ligeiras cobertas de folhas sustentadas por váras, onde acendem fogueiras
para se resguardarem do frio; sustentam-se da pesca que lhes fornecem os
rios; da caça que encontram nos bosques e de frutos silvestres, principalmente
de palmeiras (J. de Laet — Novus Orbis,
liv. XV, cap. 4. pág. 549).
Um índio “Puri” Uma índia “Puri”
(Rugendas)
Outras
tribos de índios que também reputamos tapúias,
existiam pelo interior; mas destas muito de leve nos ocuparemos, porque só
muito posteriormente á conquista é que se acharam em contacto com os europeus.
Degenerados então, confundidos com os Tupys,
influenciados pela civilização ainda que esta se barbarizava nos colonos
e seus descendentes, convertidos em soldados de bandeira e caçadores de
homens, tudo na sua vida e costumes indicava a fusão de tribos diferentes, e
tal que foram muitas delas classificadas como formando - uma só raça.
E’
isto o que Ferdinand Denis conjectura dos Coroados:
“Poder-se-ia
supor, diz
este autor,
que os Coroados formavam um grande
povo intermédio entre os “Tupys” e seus inimigos naturais.”
Com
referência aos Coroados de S. Paulo,
Saint Hilaíre escreveu:
“Além
disso, os traços dêstes últimos são bastante agradáveis, a julgar pelas
duas indias que vi, em 1820, em Curitiba, e, ao contrário, como disse no relato
de minha primeira viagem, não há, talvez, indígenas mais feios do que os do
Rio Bonito. As duas nações não têm, assim, de comum, senão o nome que não
é propriamente o seu, mas o que lhes foi dado pelos portuguêses, e, provàvelmente,
nem mesmo indica uma perfeita identidade na maneira de cortarem seus cabelos,
porque os Coroados, de S. Paulo,
fazem uma espécie de tonsura no alto da cabeça, e parece que os do Rio Bonito
reduziam outrora sua cabeleira a uma calote arredondada corno a dos Botucudos”.
O
escritor francês Debret adianta que os índios de Valença cortavam os cabelos
de maneira a formar uma espécie de coroa no alto da cabeça; entretanto, muitos
deles usavam a cabeleira negligentemente caída sobre os ombros.
Os
Coroados de Valença deixavam crescer
a guedelha, ou usavam cercilho; mas, o uso mais geral era tosquiar e aparar o
cabelo regularmente, obedecendo a uma linha que passava pela altura das orelhas.
Existiam
em todo o sertão, que separava as províncias de Mato Grosso e Goiás, tribos
de índios com essa denominação, em número de oitenta grandes aldeamentos,
indômitos, exercendo carnificina e tropelias tais que obrigavam o governo a
expedir “bandeiras” para bate-los, o que, em vez de serená-los, mais lhes
exarcebava o rancor.
Os
Coroados de Valença se compunham de
duas hordas: os “Tampruns” e os “Sararicões”, selvagens mestiçados que
se confundiam; entretanto, faziam parte deles outras hordas, como os Puris,
índios tão mesquinhos em seu físico e célebres pelo seu espírito rixoso.
Apaixonados e ciumentos, os Puris, iam
ao extremo: adotavam, temporariamente, a poligamia, consistindo a união
conjugal em ser o pai da noiva brindado pelo pretendente, que a recebia como
retribuição do seu presente.
Os
Araris eram outras tribos que
promoviam incursões em Sacra Família do Tinguá, em Conceição do Pati do
Alferes e em Conceição da Paraíba Velha, freguesias próximas, onde
resistiram, por algum tempo, à marcha da Civilização.
O
Padre Manoel Aires do Casal, autor da Chorographia
Brazilica, publicada em 1817, cuidando de Valença, assinala que — “Valença
era uma aldêa consideravel, de quatro hordas de indios christianizados “.
Em
Valença —
comenta Rodolfo Garcia, em seu livro Explorações
cientificas no Brasil —
existiam os remanescentes de quatro tribos: os “Purus”, os “Araris”, os
“Pitás” e os “Xumetós”.
Debret
afirma que os Coroados se confundiam
com os Coropós e essas duas nações
semelhantes — fragmentos da raça dos Tapúias
— uniam-se para fazer guerra aos Purus
que os perseguiam sem cessar, embora fossem de origem comum. E’ sabido que
os Coropós e a maior parte dos Coroados
eram civilizados.
Uma índia “Coropó” Um índio “Coropó”
(Rugendas)
Debret
se refere a que os Puris
(*)
eram selvagens da grande família dos Tapúias,
os quais se dividiam em várias tribos, continuamente em guerra. O nome genérico
da nação dos Puris tem sua origem
na língua dos Coroados, e quer dizer
— “audaz” ou “bandido” — nome insultante que lhes foi dado por estes
últimos, por causa da guerra contínua que lhes moviam os primeiros; do mesmo
modo, os Puris, indignados com o epíteto,
chamavam, também, os Coroados de —
“puris”, para injuriá-los.
(*)
Segundo alguns autores, “Puris» quer
dizer antropófagos.
Outras
denominações havia, das quais se não pode fazer menção para excitar idéias
desonestas.
Observa
Varnhagen que tais alcunhas não tinham lugar entre os índios da região
valenciana, mas também entre outras raças.
Para
o lado de Conservatória (Santo Antônio do Rio Bonito) existiam os índios Araris,
supostos descendentes dos Bacumins,
cabilda que, segundo Nélson de Sena, teve representantes entre Rio Preto,
Valença e o vale do Paraíba, na linha divisória dos territórios fluminense e
mineiro.
Uma índia da família dos "Purus" (Des. de Debret)
Milliet
de Saint Adolphe deu a denominação de Purus
aos índios dessa região. Entretanto, Rodolfo Garcia, na sua memória
sobre etnografia indígena, publicada no Dicionário
Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, assinala “Puris”, sem
qualquer explicação.
Joaquim
Norberto, ainda em sua Memória sobre as
aldeias dos índios da Província do Rio de Janeiro, acha que os índios Purus
eram descendentes dos Goitacazes, em
vista da flagrante semelhança de linguagem, de usos e de costumes.
Em
virtude da confusão reinante nas crônicas antigas, e das dúvidas levantadas
pelos estudiosos, a contradição veríficada nos documentos conservados não
permite conhecer-se, em definitivo, todas essas tribos errantes. Não tinham
tais tribos habitação fixa: mudavam-se voluntariamente, ou eram compelidas
pelos inimigos indígenas ou deslocadas pelos brancos desbravadores.
Seja
como for, a denominação Coroados ficou
consagrada pelo uso antigo. A denominação Purus
persiste como geralmente a mais conhecida, e é encontrada no Dicionário
Geográfico, Topográfico e Etnográfico do Império — de Moreira Pinto.
(Pág. 753 — vol. II).
Taunay,
citando Ribeyrolles, escreve:
“E
si por volta de 1798, nesse ano de imenso fragor e procelosas tempestades,
qualquer estrangeiro se desgarrasse pelas matas intermediárias aos rios
Paraíba e Preto, descortinaria, apenas, por aquela zona bravia, choupanas
cobertas de palmeiras, residências dos fidalgos da Natureza, apelidados
“bugres”. Estes índios da tribo Puris,
raça pequena, cor de cobre carregada, e dos Araris,
mais claros e membrudos, verdadeiros guerreiros de flecha, faziam freqüentes
correrias pelas terras dos civilizados, de modo que as gentes das freguesías
do Paty do Alferes e de S. Pedro e S. Paulo da Paraíba faziam, a custo, suas
derrubadas no meio das tormentas do céu e das avalanches
da Mantiqueira”.
Conquanto
indolentes, esses selvagens eram possuidores de bondade e muito apaixonados pela
caça e pesca, e aceitavam facilmente a domesticidade.
Saint
Hilaíre, avistando-se com os índios de Valença, na fazenda de Ubá, achou-os
feios, imundos, grosseiros, acanhados e imbecis.
Oliveira
Viana nos relata em Evolução do Povo
Brasileiro que os índios Purus e
Coroados, pintados por Rugendas, ao
contrário de Saint Hilaire, eram de rara beleza, principalmente a índia Puru.
Um índio “Coroado” não civilizado - Des. de Joaquim Alves
As
principais características dos índios de Valença, relativamente aos Coroados,
se definem pela sua compleição robusta e musculosa, mostrando eles uma
fisionomia sempre agradável, apenas tornando-os feios, o uso estranho dos
cabelos, como observa aquele escritor.
Os Coroados, segundo o botânico Saint Hilaire, eram feios, de estatura baixa, cabeça enterrada sobre largas espáduas e achatada no alto e de grande volume. A pele se apresentava com uma cor de tijolo característica, bastante esmaecida, geralmente pintada de urucu, que lhe dava uma tonalidade estranha. Estúpidos, indiferentes, tristes e apáticos, considerava-os o naturalista francês, que assim escreve:
“Só
encaram com quem os agrada e lhes faz presentes, e seus modos fazem lembrar os
dos indivíduos da nossa raça, quando acometidos de imbecilidade. Ora mostram
uma espécie de timidez ingênua, e quando se lhes fala, abaixam a cabeça como
o fazem as crianças; ora dão francas gargalhadas sem que se saiba do que as
provocou “.
Nada
lhes agradava mais que um presente de alfinetes... Não lhes causava grande
prazer se lhes oferecesse, de presente, um espelho: os homens, apenas, o
contemplavam, indiferentes; e as mulheres, mirando-se nele, repeliam-no, brusca
e inesperadamente ocultando o rosto com as mãos. Aqueles, porém, que estavam
em contacto mais direto com os brancos (portugueses), acabavam por aceitá-lo e
serviam-se dele como faca...
Entre
os índios, cada família elegia o seu chefe, cuja autoridade sobre os
selvagens,
que viviam dispersos nas matas, era muito limitada.
O
governo dos índios era dos mais infelizes! Tudo se reduzia ao “cacique”,
que era cabeça de governo. Em geral, o “cacique” era uma espécie de rei e
senhor de trinta, oitenta ou cem famílias que lhe obedeciam,
acompanhando-o com afeição, mediante a paga de algum tributo. Lavravam suas
terras e colhiam seus frutos.
Os
índios livres de gravames eram fiéis aos “caciques”: tributavam-lhes o
mais terno carinho e lhes eram sinceramente solidários.
O
“cacicado” passava de pai a filhos, herdando-o o primogênito, e, na falta
deste, o segundo ou terceiro filho. Às vezes, sem taxar de usurpação, se
algum índio se tornasse célebre por suas façanhas militares e adquirisse
muitos adeptos, estes o aclamavam “cacique” e o constituíam seu rei, a
quem obedeciam cegamente: Toda a distinção entre nobreza e plebe vinha dos
“caciques”: os que não eram da raça de “caciques”, eram tidos por
plebeus; mas, os desta raça eram considerados com respeito e veneração.
Os
índios não só olhavam com distinção os “caciques”, mas, também, a sua
descendência. Eram, com efeito, dotados de caráter nobre e majestade varonil.
Na sua extrema pobreza e em sua rudeza, apreciavam as atitudes nobilitantes, e
se sentiam honrados de ser senhores de vassalos, que o serviam com fidelidade.
“Não
consta que tivessem leis para regular seus costumes; viviam sem Deus, sem lei
estável. As leis que mais os caracterizavam estavam na prática da sensualidade
sem limite das mulheres, da embriaguez ordinária, do ódio violento, das vinganças
atrozes, das superstições e da ambição descomedida de subir ao grau supremo
de feiticeiro ou de mago extraordinário. Iniciavam-se, com certas cerimônias,
por intermédio de outro feiticeiro ou mago, que, então, “ungia” ao
candidato com graxa de animais, em todo seu corpo nu, como ordinariamente andavam.
“O
pudor entre os Coroados era, então,
desconhecido. Os indígenas de ambos os sexos satisfaziam suas necessidades
biológicas — publicamente, com a maior naturalidade, “como si bebessem água
quando tivessem sede”. Conquanto mais recatados, depois de se familiarizarem
com os brancos, os índios Coroados não
compreenderam logo a noção da decência que os portugueses lhes ensinavam
a... desprezar, corrompendo-os, em vez de civilizá-los. As mulheres indígenas
não se envergonhavam dos gestos pouco decentes dos brancos e não raramente
cediam às menores solicitações...”
Segundo
observam alguns historiadores, os índios Coroados,
muitos deles, se cobriam com um couro preso aos ombros, até pouco abaixo
dos joelhos. Muitos faziam um tecido de penas que atavam à cintura, e, as
vezes, ao redor da cabeça, em tempo de guerra, ou durante as festividades.
Alguns se cobriam com peles de animais diferentes. Índias de certas tribos eram
mais recatadas e menos licenciosas. Não é exagero dizer-se que os índios Coroados,
tanto os homens como as mulheres, andavam sem o menor
vislumbre de recato.
Um índio "Coroado" civilizado (Des. de Joaquim Alves)
A indumentária era simplesmente extravagante: os chefes usavam “cocares” em ocasiões solenes, e, às vezes, usavam-nos para se abrigar do sol. Eram feitos de penas amarelas e vermelhas — cores de sua predileção. Os “cocares” cobriam o crânio até as orelhas, aos quais se dava a denominação de acanguape, que quer dizer — “guarnição para a cabeça”. Nos pés traziam uma axorcas, feitas de certos frutos que, juntos, tiniam como cascavéis, e da cintura lhes pendia uma espécie de tanga constituída de plumas de ema.
Mais
usual que as penas, era a pintura, que os Coroados
usavam sob duas formas distintas: pinturas leves, que se apagavam
facilmente, e pinturas indeléveis, que se fixavam resistentemente. A primeira
classe de tintas provinha de sumos de ervas, de mistura com barro de cores
diferentes, com que, se desenhavam, sobre o corpo, figuras disformes, confusas
e extravagantes. A segunda classe de tintas, destinadas a pinturas fixas, era
constituída do molho de uns pós de
certas ervas; e, quando a infusão estava no ponto certo que conheciam, nela
molhavam a ponta de um espinho com que, então, picavam o rosto e mais partes do
corpo, até que afluísse o sangue que, misturado à tinta, formado um botão,
deixando visível sinal no lugar picado.
Relativamente
aos adornos, os índios de Valença tinham particular predileção pelos brincos
de favas, pelos colares de pedrinhas e pelos dentes de animais. As velhas índias
de algumas tribos tinham, por dever, o privilégio de arrancar aos defuntos os
dentes com que confeccionavam adornos de variado gosto.
Os
“caciques” Coroados usavam o
cetro, feito de coco decorado com desenhos coloridos. Enfeitavam-se com cordões
de plumas vermelhas, enrolados quatro vezes ao pescoço. Usavam, igualmente,
presos ao tornozelo e pernas, vistosos adornos feitos de penas de aves. Do seu
busto caíam cordões e enfeites de várias cores, constituídos de pequeninos
ossos de animais e aves. Eram os “balangandãs”... da época.
Os
índios Coroados tinham o desmesurado
vício da aguardente. Tudo faziam, a tudo atendiam e por tudo se sacrificavam
por uma boa dose de cachaça. Conta-nos o naturalista francês Saint Hilaire a
seguinte passagem: “Logo
que cheguei (ao visitar a fazenda de Ubá), pediram-lhes que dançassem e não
foi sem custo que anuiram, prometendo-se-lhes que ganhariam aguardente...”
E
explica Saint Hilaire: “Em
duas filas — os homens na frente e as mulheres atrás — eles, com seus arcos
e flechas em posição horizontal; elas, as que amamentavam, conservavam os
filhos nos braços. Um cântico lúgubre e monótono era o início das danças:
— adiantavam-se uns aos outros, grave e compassadamente, ora com um, ora com
outro pé. Caminhavam em linha reta uma dúzia de passos; depois, toda a fila
retrocedia; os que estavam à frente
passavam para trás, e vice-versa, e recomeçavam em sentido contrário. A essa
primeira dança seguia-se outra, com a qual — diziam os índios —
celebravam a derrota do jaguar, e a acompanhavam cânticos menos tristes. Avançavam
do mesmo modo, em duas filas, mas em espaço mais curto; em vez, porém, de
manterem o corpo erecto, curvavam-se para frente, tendo uma das mãos sobre o
quadril e saltavam com mais vivacidade”.
Os
índios que se internavam pelas matas de Valença, sem habitações permanentes,
vivendo exclusivamente da caça, já se iam acostumando com alimentar-se de feijão
e fubá. As mulheres tinham o hábito de, às mãos cheias, comer com os dedos.
Os homens usavam cascas de madeira, à maneira
de colher, e tinham o costume de comer, juntos, à beira de grande gamela. Os índios
Purus alimentavam-se da caça e
comiam carne assada, extremamente tostada. Não raro, os selvagens tinham
grande apetite pelos frutos, principalmente pelas raízes. O inhame, comiam-no
os índios sob a forma de farinha, ou cozido na água, ou, ainda, assado - na
brasa. O cipó, também conhecido dos indígenas pelo nome de cará
do mato, era comido cozido ou assado. O aipim — também denominado mandioca
mansa, cuja raiz os selvagens comiam crua, cozida na água ou assada na
brasa, indiferentemente — era o alimento predileto de algumas tribos.
Os
índios Coroados eram muito práticos
no serviço de transporte. Os Purus faziam
uso de uma espécie de balaio, feito unicamente de folhas de palmeira, com o
qual transportavam seus produtos de caça. Os Coroados
usavam também, para o mesmo fim, outros tipos de balaio, feitos de folhas
de caniços e de tiras de taquara poca.
Para condução de água, o pote de barro cozido, chamado camucim, era muito
usado pelos índios Coroados. Para a
apanha da água, utilizavam de um pequeno utensílio muito cômodo, constituído
de um coco atravessado por um pedaço de madeira que servia de cabo. Os Coroados
eram exímios fabricantes de objetos de cerâmica, assim como peritos na
arte de trançar. Faziam, com muita habilidade, arcos e flechas; sabiam
aproveitar as fibras dos galhos novos de imbaúba e, com elas, fabricavam suas
redes. Também fabricavam um tecido, muito forte, porém, grosseiro, com o
qual faziam camisas para uso dos portugueses, que as encomendavam a troco de um
pouco de aguardente.
Os
utensílios dos índios se reduziam a testos para cozinhar a mandioca, panelas
ou uma cumbuca para guardar farinha, bem como algumas cuias singelas, que
serviam de copos para beber água, e, raramente, de pratos.
Com
perfeição, confeccionavam redes (maquiras)
e cordas (mussurana), feitas de
várias espécies de embiras. O machado de pedra era uma das suas principais
ferramentas.
O
índio Coroado, a pretexto de que
devia ir ligeiro para combater, isto
é, desembaraçadamente, só levava o arco e a flecha, e tudo o mais, a mulher
é que conduzia: a rede ao ombro, a cabaça e a cuia dependuradas a um lado, e o
filhinho, numa tipóia, às costas.
Outro
utensílio indispensável à cabilda era a canoa (igara).
O uso da trombeta militar só era feito pelo chefe para dar o sinal de
combate e animar a coragem dos guerreiros durante a luta contra os inimigos
indígenas. Esse instrumento, original pela sua feitura, era feito de madeira,
e produzia um som bastante agradável. O bocal, pouco fatigante, era accessível
à mais leve vibração dos lábios.