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NA PASSARELA TODO MUNDO PASSA
Jovens, idosos, crianças, todos desfilam por aquela passarela, numa caminhada ininterrupta. Tem-se a impressão que aquela jornada não leva a lugar algum. Mas se formos apurar os fatos e indagar, saberemos que cada pessoa tem o seu destino. Apressados, às vezes pachorrentos, com passos cadenciados, cada um, no íntimo, tem a sua história para contar. A jovem de pernas perfeitas, bumbum provocante, impressiona os homens e desfila de maneira a deixá-los excitados e sonhando acordados. O senhor de idade, sem resistir à tentação, não se contém e leva a mão boba às pernas daquela loira, que ri compreensiva e compenetrada. Se está provocando aquele madurão, o que não será capaz de fazer com os jovens?
Só quem não desfila por aquela passarela é a senhora de idade, sentadinha num engradado de cerveja vermelho, com papelões em volta. Sempre traz uma sombrinha descorada, pois não quer ser surpreendida pela chuva. Amarrada à grade da passarela, uma vistosa bolsa de couro que um dia, certamente, foi de alguma madame. Agora a bolsa lhe pertence. É sua, e é ali que ela amealha todos os níqueis arrecadados no correr do dia. Aos seus pés, uma latinha com duas pedras pequenas, para firmarem as cédulas que, porventura, alguém se dignar a jogar naquele recipiente. Mas, nas inúmeras vezes que passei por ali, jamais vi alguma cédula. Vale a intenção.
O que mais me impressiona naquela criaturinha é a mão direita, sempre estendida, implorando ajuda. Mexe tanto comigo ver aquela mão encarquilhada, que um dia já foi útil, já produziu, sempre estendida à caridade daqueles que desfilam pela passarela.
Às vezes, o sono domina. A mãozinha cai. Os transeuntes passam indiferentes ao descanso da guerreira. Ela bem merece este repouso. Afinal, o dia é grande e a luta é árdua. De repente ela acorda espantada. A mão retorna à posição inicial, ela esfrega os olhos demonstrando sentimento de culpa, sorri contrafeita e reinicia a tarefa.
Alguns nem olham para aquela figurinha insignificante. Hoje vi um senhor bem trajado parar ao seu lado. Já trazia separado uma moeda. Depositou na sua mão, sorriu e fez-lhe um carinho no ombro. Ela, feliz, agradeceu-lhe, mais pelo seu gesto carinhoso do que pela ajuda financeira.
Eu sempre paro. Cutuco a carteira, ponho-lhe  na mão uma moedinha e tenho sempre a preocupação de fechar-lhe dos dedos para que a mesma não caia. Hoje perguntei-lhe o nome: "Sinésia, minha filha, mas aqui me chamam de Maria. Eu não me importo, não. É bonito, é o nome de Nossa Senhora". Sorri compreensiva e acho que ela está com a razão. É muito bom Maria ser...
Sempre que ponho na sua mão a moedinha, sinto uma sensação de paz comigo mesma e sigo adiante. Caminhando, escuto a sua vozinha débil dizer: "Deus que te acompanhe". Olho para o lado. Não O vejo, mas tenho a sensação de Sua presença. Isso é o que importa.
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Textos de Palimira Guanais - Academia Caetiteense e Letras - Caetité - Bahia - 2003 - Todos os direitos pertencem à Autora.