No Viaduto do Chá, parado em uma banca
de jornais, o homem lia as manchetes do dia que
falavam no aumento de vendas das lojas. Nas
revistas especializadas em economia, as matérias
falavam do crescimento econômico e no
aquecimento do mercado. A paisagem mostrava
pessoas num corre-corre frenético, como de
hábito acontece numa grande cidade. Muitas delas
passavam carregando sacolas e pacotes e todas
pareciam apressadas. Indiferente a toda essa
correria, o homem continuou vendo os jornais.
Cabeça inclinada, mãos nos bolsos, vazios,
parecia não entender o que se passava. Vez por
outra, olhava para o lado e via com ar de
indignação a correria das pessoas. Afastou-se da
banca e debruçou-se sobre a grade do viaduto e
ficou olhando o movimento lá de baixo. Saíra
cedo de casa à procura do trabalho que lhe
garantisse ao menos um frango no jantar. Todos
dormiam em casa quando ele saiu. Beijou a esposa
e a filha. A menina dormia de meias e o dedão do
pé aparecia inteiro em uma delas. Puxou
suavemente a ponta da meia para cobrir o dedo da
filha. Uma lágrima correu-lhe pela face. Era
véspera de Natal e ele continuava de pé na
amurada do viaduto. Nem reparou na chuva de
papéis picados que caia das janelas dos
edifícios. Também não sentiu a chuva de verdade
que começara a cair. O movimento tornara-se
menos intenso. As pessoas começavam a ir para
suas casas. Algumas lojas começavam a fechar
suas portas. Os bares estavam lotados. As
pessoas bebiam e falavam alto. Aos poucos o
movimento ia diminuindo e a cidade foi ficando
vazia. Quando a noite chegou o homem pensou se
voltava ou não para sua casa. Afastou a idéia de
pular do viaduto, embora nessa hora a morte não
lhe parecesse assim tão horrivel. Caminhou pela
já deserta rua Direita pensando no que fazer da
vida. Na porta de uma loja fechada viu um Papai
Noel sentado. Pensou consigo mesmo que ali
estava mais um infeliz. Olhou para o homem e
notou que alguma coisa nele lhe era familiar.
Parou e ficou olhando. O homem levantou a cabeça
e disse: aproxime-se, estava esperando você
chegar. Ele foi de encontro ao Papai Noel e
sentou-se a seu lado e por um momento ficaram
ambos em silêncio.- Parece que seu Natal não
está nada bom, disse o Papai Noel. - É verdade,
respondeu. - Estou desempregado, sem dinheiro e
com fome. O Papai Noel começou a falar do
passado e o homem começou a ver sua vida passar
em sua mente. Viu que naquele instante, um monte
de gente fazia um movimento diferente daquele
que ele observou durante todo o dia. Eram
pessoas catando coisas do chão, deitando sob as
marquises das lojas. Viu que não estava sozinho.
Tinha uma família esperando em casa. Levantou-se
cheio de coragem e quando ia se despedir do
Papai Noel, este tirou do bolso alguns trocados
e um pequeno embrulho e colocou tudo na mão do
homem dizendo: - Isto é para o ônibus e este
embrulho é algo que roubei da loja. Talvez possa
ser útil para você. Tenha um Natal muito feliz.
O homem pegou o que Papai Noel lhe entregava e
partiu. No ônibus, a caminho de casa, abriu o
pequeno embrulho e o que viu encheu-lhe os olhos
de água: era o mais lindo par de meias que tinha
visto.