Em 1942 a Segunda
Guerra Mundial já estava em seu terceiro ano. O
mundo vivia um período de grave crise. Hitler já
havia invadido quase toda a Europa. De um lado
as forças do eixo, formadas pela Alemanha, Japão
e Itália. De outro, os ingleses e o que restava
dos exércitos da França e de outros países
ocupados pelos alemães. A França nem tinha mais
exército, mas possuía uma forte resistência,
formada por seus cidadãos que não se conformavam
em ver seu país ocupado. Também na Iugoslávia,
havia um forte movimento de resistência aos
alemães. Entretanto, isso não era suficiente
para expulsar as forças germânicas de seus
países. Faltavam armas suficientes para isso, e
homens também.
Após o ataque a Pearl Harbor feito pelos
japoneses em dezembro de 1941, destruindo a
armada norte-americana ancorada naquela base
militar, os Estados Unidos entraram no conflito
com a declaração de guerra feita ao Japão.
O Brasil apenas declara solidariedade ao país
vizinho. Nesta época, o país vivia sob o regime
do Estado Novo de Getúlio Vargas, uma ditadura,
portanto.
Era neste panorama em que Elisabete e o Tenente
do Exército Luís Carlos viviam.
Elisabete era radiotelegrafista, profissão que
aprendera de seu pai e, naquela época, quase não
havia mulheres que sabiam essa profissão e, com
o país vivendo conflitos internos e ainda com o
mundo em guerra, seus trabalhos passaram a ser
bastante solicitados. Ela gostava do que fazia e
como era uma mulher muito atraente, costumava
distrair a atenção dos outros telegrafistas, o
que sempre era motivo de broncas dos
supervisores, não a ela evidentemente, que era a
mais eficiente do quadro.
Luís Carlos havia terminado a academia de
Agulhas Negras há pouco mais de um ano, saindo
de lá como Segundo Tenente, posto que ainda
ocupava. Ele era originariamente de São Paulo,
mas estava servindo no Rio de Janeiro. Luís
Carlos descendia de uma família de militares,
seu avô tinha sido General de Exército e seu pai
era Coronel e ainda estava na ativa.
O pai de Elisabete havia sido sargento do
exército e havia sido lá que aprendera o ofício
de radiotelegrafista. Quando se aposentara
prematuramente, devido a um acidente que fez com
que passasse a andar mancando, sua vida meio que
desmoronou. A insatisfação de sentir-se inválido
provocou nele algumas mudanças, entre as quais,
o consumo de bebidas. Sua mãe não suportando
mais ver o marido daquele jeito abandonou-o e
também a Elisabete, que na verdade preferia
ficar com o pai e tentar curá-lo do vício
dando-lhe um novo alento na vida.
Elisabete começou a trabalhar em uma tecelagem,
mas como o salário era muito pequeno, e ela era
uma garota estudada, logo mudou de emprego indo
trabalhar numa fábrica de gorduras vegetais, na
área comercial. Era uma exímia datilógrafa e seu
serviço era muito requisitado. À noite, quando
chegava em casa, Elisabete preparava o jantar
para ela e o pai e procurava conversar bastante
com ele. Aos poucos, o velho sargento ia
diminuindo o consumo da bebida para poder estar
sóbrio quando a filha chegasse, pois ela era a
única pessoa que ele tinha para conversar.
Nessas conversas, o velho sargento contava
coisas do passado para Elisabete e sobre o
trabalho que fazia como radiotelegrafista e as
vantagens que tinha em ser sempre o primeiro a
saber das notícias.
Elisabete foi se interessando em aprender o
código Morse e, em pouco tempo, ela já sabia
operar o código como um profissional. Ás vezes
ela e o pai se comunicavam em código Morse
dentro de casa. Ele usando um lápis que batia na
mesa e ela alguma coisa qualquer, às vezes, até
uma velha máquina de escrever. A rapidez dela
era tanta que seu pai começou a sugerir que ela
deveria procurar um trabalho nessa área
Um dia, ela criou coragem e dirigiu-se a um
grande jornal. Fizeram-lhe um teste de
datilografia e iam admiti-la como datilógrafa,
cargo que ela não aceitou, queria ser
radiotelegrafista. Não foi aceita e, sem
desanimar, procurou trabalho em agências de
notícias onde conseguiu o cargo que queria,
embora o horário de trabalho não fosse fixo,
havendo escalas de serviço, fato que nem de
longe a preocupou. Seu talento e precisão logo
fizeram dela a principal radiotelegrafista da
agência.
Numa determinada tarde de novembro de 1941, ela
conheceu o tenente Luís Carlos. Este havia
acompanhando um major do exército até a agência
onde ela trabalhava, pois o major levava um
“pedido especial” do presidente Vargas, para que
todas as notícias falando da guerra, fossem
enviadas imediatamente ao palácio do Catete,
sede do governo na época. Após a curta reunião,
o major pediu que o tenente ficasse no local e
participasse da reunião que o pessoal da agência
teria dali a minutos. Meio contrariado Luís
Carlos cumpriu a ordem. Durante a reunião, o
supervisor do setor explicou a todos os
radiotelegrafistas as novas instruções e que o
presidente da República exigia que todas as
notícias falando da guerra na Europa fossem
enviadas imediatamente a ele. Elisabete fora
encarregada de compilar as notícias e contatar o
tenente Luis Carlos. Eles dois seriam o elo
entre a agência e o palácio do governo.
Luís Carlos ficou satisfeito com esta decisão,
pois ficara encantado com a beleza de Elisabete
e com sua simplicidade e inteligência.
Naquela mesma noite, quando ela deixou o emprego
chovia forte no Rio de Janeiro e Elisabete, sem
guarda-chuvas, esperava sob a marquise do prédio
que aquele aguaceiro diminuísse para que ela
pudesse ir para casa. Estava absorta em seus
pensamentos quando uma voz atrás dela murmurou:
- Quando eu desci já estava chovendo e então
resolvi esperá-la para, quem sabe, nos
conhecermos um pouco melhor já que iremos
trabalhar juntos a partir de agora.
Ela virou-se, quase que não entendendo direito o
que aquela voz lhe dizia e deu de cara com o
tenente que sorria para ela. Aquele sorriso
pegou-a desprevenida obrigando-a sorrir também.
- Você mora longe daqui? – perguntou ele.
- Não muito, costumo vir e voltar a pé para
casa. É aqui mesmo no Centro.
- Mas acho que hoje talvez seja melhor você
pegar uma condução. Esta chuva não parece que
vai parar tão cedo.
- Parece que é verdade, mas terei que ir assim
mesmo para preparar o jantar de meu pai. Ele não
anda muito bem de saúde.
- O que ele tem?
- Não é um problema clínico na verdade. Ele era
sargento do exército e sofreu um acidente e foi
aposentado. Isso o abalou bastante, minha mãe
nos deixou há alguns anos e ele viveu momentos
de depressão devido à bebida. Tem-se esforçado
muito nos últimos tempos e quase não bebe mais,
apenas para conversar comigo.
- Quer dizer então que temos algo em comum,
familiares do exército. Acho que vamos nos dar
muito bem. Me diz uma coisa, para que lado é sua
casa? Direita ou Esquerda?
- Direita, por quê?
- Porque a Confeitaria Colombo fica aqui perto
na Rua Gonçalves Dias e eu pensei darmos uma
corrida até lá, tomarmos um chocolate e se a
chuva não passar, você estará mais aquecida e
mais perto de casa, o que acha?
- A idéia não parece má, mas a gente mal se
conhece, não sei de devemos e depois chegaremos
lá ensopados.
Luís Carlos não esperou ela terminar de falar,
pegou-a pela mão e atravessaram correndo para o
outro lado da avenida e foram caminhando a
passos rápidos por sob as marquises dos
edifícios. A confeitaria ficava a mais duas
quadras de onde estavam quando ele perguntou:
- Cansada?
- E molhada – respondeu rindo.
- Logo estaremos lá.
Não foi difícil arranjarem uma mesa, pois com
aquele tempo poucos se arriscavam a sair de
casa, mas a Colombo nunca ficava fazia.
- Diga-me uma coisa Elisabete, em qual unidade
seu pai servia?
- Ele servia no Quartel-General onde era
radiotelegrafista.
- E como ele se feriu?
- Foi num exercício de manobra. Ele carregava o
equipamento às costas e um jipe passou perto
demais e ele caiu num barranco e quebrou a perna
em dois lugares. Nunca voltou a andar
normalmente e por isso foi aposentado.
- Qual o nome dele?
- Afonso de Freitas Lima.
- Sargento Liminha.
- Você conhece meu pai?
- Todo mundo conhece seu pai e suas histórias,
um grande homem. Se você me permitir, gostaria
de acompanhá-la até sua casa e revê-lo.
- Desculpe Luis Carlos, mas não sei se ele
gostaria que você o visse do jeito que ele está
agora e depois não sei dizer se ele está sóbrio,
pois já passou do horário de eu chegar em casa.
- Eu entendo, mas eu ficaria muito feliz se
pudesse revê-lo e tenho certeza de que ele
ficará muito feliz em me ver também.
- Vocês eram íntimos assim?
- Não, na verdade quase nunca nos falamos, mas o
pouco que ele me disse mudou minha vida. Por
favor, se não for hoje que seja outro dia, mas
gostaria muito de vê-lo outra vez.
- Tudo bem, verei o que posso fazer. – E olhando
para fora: - a chuva ainda não parou. Eu preciso
mesmo ir.
- Está bem, vou pagar a conta e iremos.
Saíram da confeitaria e a chuva ainda caía. Iam
se despedir quando o tenente percebeu a
aproximação de um táxi e fez sinal para que ele
parasse.
- Vem, entra comigo e eu deixo você em casa e
prometo que vou embora.
- Para onde vamos senhor? – perguntou o
motorista.
- Eu vou para o Flamengo, mas a moça vai ficar
aqui mesmo no Centro, me parece que indo em
frente e no final à esquerda, é isso Elisabete?
- Isso mesmo, o senhor pode ir em frente até uma
quadra antes do final da avenida e lá o senhor
pega à esquerda.
Em menos de cinco minutos o táxi parava em
frente do prédio onde Elisabete morava. Era um
prédio pequeno de 3 andares e sem elevador. Ela
morava no segundo andar. Luís também desceu para
se despedir dela no mesmo instante em que a
chuva diminuía de intensidade tornando-se apenas
uma garoa.
- Bem, promessa é promessa, mas eu gostaria
muito de tornar a vê-la. Acho que temos coisas
em comum e gostaria de conhecê-la melhor, isso
se não houver nenhum motivo que torne minha
atitude inconveniente.
- Claro que não, pague o táxi.
- Como?
- Pague o táxi e suba comigo.
Luís pagou ao motorista e deu-lhe uma boa
gorjeta e, em seguida subiu o lance de escadas
atrás de Elisabete.
Quando Elisabete abriu a porta do apartamento
teve uma surpresa. A mesa estava posta e seu pai
estava acabando de preparar o jantar, coisa que
ele nunca fizera antes. Ela ficou boquiaberta e
seus olhos irradiavam felicidade quando beijou o
pai.
- Temos visita papai! Está esperando lá na sala.
Eu o conheci hoje e ele insistiu em me
acompanhar até em casa
Quando Elisabete e o velho sargento entraram na
sala, o tenente ficou em posição de sentido e
apresentou-se: “tenente Luis Carlos, senhor”
A primeira impressão é que o velho sargento não
sabia de quem se tratava e que estava confuso
pelo fato de um oficial se perfilar para se
apresentar a um velho sargento aposentado.
- Tenente Luís Carlos, é você mesmo?
- Sim sargento Liminha, sou eu mesmo e continuo
vivo como o senhor me deixou no último encontro.
Elisabete olhava de um lado para o outro
tentando entender o que os dois conversavam.
Apesar do olhar atônito, ela parecia feliz ao
ver os olhos do pai brilhando como há muito ela
não via.
- Vocês dois querem me dizer o que está
acontecendo aqui?
- Você nunca contou a ela sargento?
- Contou o quê papai? O que é que eu não sei?
- Nada demais filha, são histórias de quartel!
- Histórias de quartel coisa nenhuma pai, por
favor, eu quero saber.
- São bobagens filha. Sabe como no quartel todo
mundo gosta de aumentar as coisas.
- Luís, eu confiei em você, acho que você me
deve isso, por favor me conte, seja lá o que
for. Quanto a você pai, não sei o que preparou
para a gente jantar, mas coloque mais um prato
na mesa.
- Ta bem, filha, mas não acredite na metade do
que ele te contar.
- Estou esperando Luís.
O velho sargento deixou a sala e foi para a
cozinha terminar o jantar.
Luís começou sua narrativa:
- Bem Bete, posso chamá-la assim?
- Não
Ele corou.
- Meus amigos me chamam de Lisa – ela disse,
rindo do embaraço dele.
- Bem Lisa, na verdade eu nem sei porque seu pai
nunca contou essa história para vocês, pois é
talvez a história mais bonita que ele teria para
contar.
- Mas do que se trata, fala logo!
- É sobre o acidente de seu pai, não foi só um
acidente isolado. Ele se atirou na frente do
jipe.
- Como é que é? – Lisa estava atônita.
- É verdade, ele se atirou na frente do jipe que
vinha em velocidade e meio desgovernado pelo
barro da estrada.
- Ele tentou se matar? O que há de bonito nisso?
- Eu estava fazendo os exercícios com minha
tropa quando pisei em falso em um buraco e caí,
torcendo o tornozelo. Era um trecho em curva e
só dava para escutar o barulho do jipe se
aproximando. Quando seu pai percebeu o que ia
acontecer ele atravessou na frente do jipe e me
puxou, me pondo a salvo num barranco, mas não
deu tempo dele subir, pois o jipe pegou suas
pernas e o atirou longe, barranco abaixo. Foi
assim que ele quebrou a perna em dois lugares e
teve outros machucados também. Ele salvou a
minha vida.
Lisa estava emocionada, os olhos marejados, e
olhou para o lado e viu seu pai parado na porta
que dividia a sala e a cozinha. Dirigiu-se a ele
e o abraçou com muita ternura e carinho.
- Por que pai? Por que nunca contou isso pra
gente?
- Não contei, porque antes mesmo de me lembrar
de contar, eu ainda estava no hospital, sua mãe
me deu bronca dizendo que aquilo tinha
acontecido comigo porque eu devia estar bêbado.
Por isso não contei. Ela já tinha feito o seu
julgamento.
-Ah papai! Como o senhor deve ter sofrido com
isso!
- Não, meu sofrimento maior foi ter dado baixa
do exército.
- E aposto como nunca mostrou a ela sua medalha
também. Por heroísmo! – e virando-se para Lisa –
seu pai deu baixa como herói.
Lisa estava emocionada ao lado do pai e olhando
para Luís, murmurava entre dentes: “obrigada,
muito obrigada!”
O Brasil continuava com sua política de
neutralidade até que no final de janeiro de
1942, Vargas finalmente corta relações com os
países do eixo.
Navios brasileiros começam a ser afundados por
navios alemães. No Rio, e nas principais cidades
manifestações populares exigiam que o país
unisse suas forças aos exércitos aliados para
combater o fascismo e o nazismo, declarando
guerra aos países do eixo. Fato que só iria
acontecer em agosto daquele ano.
Lisa e Luís Carlos passaram a se ver quase todos
os dias, quando não por causa do serviço, ele
aparecia nos finais do expediente de Lisa e iam
juntos para casa. Eles estavam se entendendo
muito bem e conversavam muito sobre o trabalho
dela na análise das notícias que chegavam
diariamente. Parecia ser iminente que logo o
Brasil teria que entrar na guerra, pois o país
já vinha sofrendo pressões dos Estados Unidos.
Quando a declaração de guerra de fato aconteceu,
Lisa ficou apavorada, pois ela sabia que Luís
Carlos teria que ir para o front. Eles estavam
cada vez mais apaixonados e não conseguiam mais
ficar longe um do outro, embora isso acontecesse
às vezes por força dos plantões que Luís tinha
que dar no quartel
No mês de setembro, numa noite quente, ao chegar
em casa Lisa deparou com a apartamento às
escuras e imaginou que seu pai tivesse saído,
pois nos últimos tempos ele vinha se sentindo
muito bem, desde que a verdade foi contada por
Luís, ele voltou a sentir orgulho de si mesmo.
Lisa até sorriu um pouco pensando “velho danado”
mas, ao acender a luz, viu os pés de seu pai
próximo ao banheiro. O pai estava caído e
imóvel. Ela chamava, gritava por ele, mas não
obtinha resposta. Abriu a porta do apartamento e
gritou por socorro, mas quase não aparecia
ninguém, até que um morador do andar de cima
desceu correndo e constatou que o velho sargento
estava morto. Lisa entrou em pânico, tentando
reanimar seu pai, mas o vizinho tentou acalmá-la
dizendo que ele se fora e que não havia nada que
pudessem fazer.
Refeita do pânico ela disse que precisa
telefonar e como não possuía telefone, o vizinho
ofereceu-se para ajudá-la. Ela não sabia que
providências tomar e precisava da ajuda de Luís
Carlos e tentou desesperadamente localizá-lo,
mas era tudo em vão. Deixou diversos recados em
todas os lugares onde ele poderia estar e,
então, ligou para seu supervisor no trabalho e
logo depois ele estava no apartamento dela. O
vizinho chamou a esposa e os dois também faziam
companhia para Lisa. Por volta das nove horas da
noite chegou Luís Carlos que imediatamente
começou a tomar todas as providências, ligando
para o Hospital do Exército e também para seus
superiores.
No dia seguinte, os jornais noticiavam a morte
do heróico sargento Liminha, por um infarto
fulminante do miocárdio. O enterro seria naquele
mesmo dia e o sargento seria sepultado com todas
as honras de herói. E foi no sepultamento que
Lisa teve outro susto ao avistar sua mãe,
chorando copiosamente, fato que deixou Lisa
irritada, pois durante anos seu pai vivera só e
sofrendo sozinho as dores do abandono da mulher
que ele sempre amara, mas de quem nunca recebera
um carinho sequer.
A mãe de Lisa aproximou-se dela e foi recebida
com frieza.
- Eu não sabia que ele era um herói.
- Eu sei, pra você ele era um bêbado e ele só
bebia porque você o julgou antes dele poder
contar sobre o acidente.
- Me perdoe filha!
- Você não me fez nada. Não é a mim que tem que
pedir perdão. Eu preciso ir agora, estão me
esperando.
E foi assim que Lisa viu sua mãe após dez anos
passados.
Luís Carlos acompanhou Lisa até seu apartamento
e ela foi preparar um chá para eles. Ela estava
exausta, com olheiras de tanto chorar e por ter
ficado toda a noite em claro. Seu chefe a
dispensara do serviço no dia seguinte, ordenando
que ela descansasse bastante. Ela cumpriu bem as
ordens e, ao acordar no dia seguinte, viu Luís
Carlos dormindo no sofá. Ele havia passado a
noite lá. Ela sorriu e beijou-lhe o rosto o que
fez com que ele prontamente acordasse.
Os dias que se seguiram foram agitados. A
política interna vivia momentos difíceis e a
política externa vinha sofrendo muitas pressões
também, pois era fato conhecido que Vargas tinha
simpatia pela Alemanha, apesar de já haver
rompido relações diplomáticas com os países do
eixo.
Lisa e Luís Carlos, cada vez mais apaixonados,
encontravam-se sempre que possível e na virada
do ano de 42 para 43 eles passaram a noite
juntos literalmente. Ela preparou um jantar bem
especial, um assado, uma champanha e uma
sobremesa deliciosa. Após o jantar Lisa disse
para Luís Carlos:
- Meu querido, se você tiver mesmo que ir para
esta guerra estúpida eu vou esperar por você
todos os dias e prometo que quando você voltar
vai encontrar uma mesa como esta, para que
tenhamos um jantar maravilhoso de reencontro. Em
seguida, ela o beijou com muita paixão e esta
foi a primeira noite de amor dos dois.
Em 1943 a guerra tomava seus momentos mais
cruéis com a participação dos exércitos aliados
em toda a Europa já começando a expulsar os
alemães de alguns territórios ocupados. Mas aqui
no Brasil o confronto maior era interno com
muita movimentação de protesto de estudantes e
de políticos querendo a volta do país à
democracia.
Nesse período todo Lisa e Luís Carlos viviam uma
vida quase que em comum. Apesar dela não ter-lhe
entregado uma cópia da chave, ele sabia que ela
sempre deixava uma cópia em baixo do tapete na
porta de entrada. Ele respeitava a vontade dela
e só aparecia quando convidado por ela.
O tempo ia passando e as notícias de que o
Brasil iria participar da guerra estavam mais
fortes a cada dia o que apavorava Lisa. Luís
Carlos era tudo o que ela tinha. Tinham pensado
em se casar, mas a guerra fazia com que
esperassem mais.
Os rumores estavam cada vez mais fortes, a
pressão popular também.
Lisa recebia diariamente notícias da guerra,
li-as, selecionava-as e depois fazia com que
chegassem às mãos de Luís Carlos ou então iam
direto para o Palácio do Catete.
Uma notícia chegada dos Estados Unidos fazia
referência a morosidade que o Brasil vinha dando
à Segunda Guerra, talvez pela simpatia que o
presidente tinha pelos nazistas. Isso deixou
Lisa preocupada, pois ela sabia que agora era só
uma questão de tempo para o país entrar na
guerra para valer.
Apesar da declaração de guerra em agosto de
1942, somente em maio de 1944 é formada A FEB
Força Expedicionária Brasileira. E dois meses
após, desembarcaria seu primeiro contingente na
Itália.
Luís Carlos estava nesse primeiro contingente.
Antes do embarque ficaram aquartelados muito
tempo realizando os treinamentos necessários que
os preparassem para os dias difíceis que estavam
por vir. Desta forma ele ficou muitos dias sem
ver Lisa e somente no dia do embarque é que
puderam se despedir pessoalmente.
Na noite de despedida, Lisa estava chorosa, mas
não queria passar essa impressão para Luís
Carlos e, desse modo, quase evitava olhar para
os olhos dele. Estavam sentados no sofá, ela com
a cabeça apoiada nos ombros dele. Os dois
praticamente em silêncio.
As horas haviam se passado rapidamente sem que
eles conversassem sobre qualquer assunto. Ela
queria apenas a proteção de seus braços e ele
queria tocá-la por inteiro, mais uma vez.
- Lisa, se o mundo acabasse nesse exato momento,
com você em meus braços, eu teria uma morte
muito feliz.
- Saiba que eu também, meu amor!
Luís com as pontas de seus dedos levantou o
rosto de Lisa, e ao ver aqueles olhos
brilhantes, puxou-a para si e beijou-a
docemente, apertando seu corpo contra o seu,
sentindo-a mais sua do que nunca.
Lisa entregou-se de corpo e alma aquele homem
que em poucos dias estaria numa guerra que não
era a dele, mas para cumprir com seu dever de
militar.
Luís Carlos beijava-a com ardor agora, e suas
mãos percorriam todo o corpo de Lisa, arrancando
suas roupas ao mesmo tempo em que ia tentando
livrar-se de suas próprias roupas. Em poucos
instantes, Lisa estava nua em seus braços, a
pele arrepiada pelo desejo e Luís possuiu aquele
corpo maravilhoso de todas as formas imagináveis
e Lisa correspondia a cada carinho, a cada
toque, como se fosse a última vez.
Pouco tempo depois, adormecidos um nos braços do
outro, Lisa acariciava os cabelos de Luís Carlos
e chamava-o baixinho. Era hora de partir.
Era julho de 1944 e a opinião de todos era que a
guerra já estava quase em seu final. Os aliados
estavam conseguindo expulsar os alemães dos
países invadidos e, na verdade, nem precisavam
da ajuda do exército brasileiro. A decisão havia
sido mais política do que qualquer outra coisa,
mas os dirigentes populistas sempre gostaram de
se exibir. Da mesma forma, na Argentina, Perón
declarou guerra à Alemanha quando esta já estava
praticamente derrotada. Mas, ainda assim, A
Europa era um campo de batalha muito feroz. A
Alemanha já estava sendo cercada pelos ingleses,
pelos americanos e, também pelos russos que já
haviam iniciado uma contra ofensiva.
Nos campos da Itália, um exército já desmontado
resistia mais pela honra do que pelo ideal e era
num desses campos que estava a Força
Expedicionária Brasileira. Parecia estranho
brasileiros na Itália lutando contra alemães;
No início, logo após o embarque, Lisa escrevia
quase todos os dias para Luís Carlos e ele para
ela. Mas após o desembarque as cartas raramente
eram entregues devido aos movimentos das tropas.
Assim, Luís Carlos parou de escrever e Lisa
continuou escrevendo, mas como não obtinha
respostas foi diminuindo seu ritmo.
Diariamente, no entanto, ela acompanhava as
notícias que chegavam do front e por elas sabia
que Luís Carlos estava bem, pois seu nome não
aparecia na lista de baixas. Quando da tomada do
Monte Castelo, a batalha mais sangrenta que a
FEB participou Lisa teve a notícia da vitória
das tropas brasileiras, mas também ficou sabendo
que o jovem, agora Primeiro Tenente Luís Carlos,
sofrera um ferimento na perna e que havia sido
conduzido para uma base aliada.
Diante do ocorrido, Lisa ficou aliviada, mas
cada dia mais apreensiva, pois não recebia
notícias.
Em abril de 1945, Lisa deu à luz a um menino. Na
última noite que tiveram ela engravidara de Luís
Carlos e esperava pela volta dele para registrar
o menino, embora ela desejasse que o menino se
chamasse Afonso, como seu pai.
O tempo foi passando e os aliados retomando a
Europa. Os alemães já haviam se rendido e os
americanos concentravam todas as sua forças
agora contra o Japão, que também resistia como
podia à ofensiva americana.
Com a rendição do Japão, após as bombas de
Hiroshima e Nagasaki, a guerra chegara ao seu
final e Lisa sem notícias de Luís Carlos.
No Brasil havia muita alegria pelo final da
guerra, mas a situação interna estava cada dia
pior, com todos os segmentos da sociedade
querendo destituir Vargas do poder, fato que
iria acontecer ainda em 1945.
Lisa concentrava-se em seu trabalho, acompanhado
diariamente notícias vindas da guerra na
tentativa de descobrir algo sobre Luís Carlos.
Até que um dia uma notícia dizia que o mesmo
navio americano que transportara os soldados
brasileiros estaria atracando no porto do Rio de
Janeiro trazendo o mesmo contingente que havia
levado para a Itália.
No dia anunciado como o dia da volta, Lisa
dirigiu-se ao porto na esperança de reencontrar
Luís Carlos, mas o táxi em que se encontrava não
conseguia andar, pois milhares de pessoas
acorriam ao porto vindos de todas as direções.
Seria impossível seguir em frente, então ela
pediu que o motorista fizesse meia-volta e a
levasse ao local onde ele a apanhara. Logo
depois chegava em casa e correu para preparar o
jantar para ela e para Luís Carlos. Afinal ela
tinha certeza de que ele iria para casa o mais
cedo que pudesse.
Pegou o bebê no apartamento do vizinho de cima e
foi até a um açougue quase ao lado do prédio,
comprou um bom pedaço de carne, batatas,
verduras frescas e ainda uma garrafa de um bom
vinho, voltando em seguida para o apartamento
onde iniciou os preparativos para o jantar,
olhando para o relógio a cada minuto.
- Vai dar tempo, eu sei que vai! – murmurava a
cada segundo.
Enquanto a carne assava e o arroz cozinhava, ela
correu para o banheiro e tomou uma ducha rápida,
sempre murmurando: “vai dar tempo, eu sei que
vai!”
Saiu do banho, olhou-se por segundos no espelho
e ficou admirada, pois ainda era uma mulher
muito bonita. Correu para a cozinha, ainda
enrolada na toalha e o assado já estava quase no
ponto e o arroz já estava pronto. Preparou
rapidamente uma salada e foi se arrumar.
Vestiu-se com seu vestido mais bonito, um
vestido azul que ela quase não usara nos últimos
tempos, mas que marcava bem seu lindo corpo.
Voltou à sala e começou a preparar a mesa, uma
toalha bonita, os pratos, os talheres, as taças
de vinho, o vinho, flores ao centro da mesa e...
“falta alguma coisa” – pensou. “As velas!”
Correu para o armário, pegou os castiçais, teve
que limpá-los primeiro para tirar as marcas de
oxidação da prata e colocou as velas. Foi até o
quarto e o bebê dormia a sono solto.
Ela pôs uma música bem suave na vitrola,
sentou-se e, de repente deu um pulo do sofá:
“Meu Deus! A sobremesa!” Como havia se esquecido
da sobremesa? Saiu correndo do apartamento,
deixou a chave em baixo do tapete e foi correndo
até a Confeitaria Colombo, que por sorte, era
ali perto.
Um homem subia vagarosamente as escadas do
prédio de Lisa, degrau por degrau, apoiando-se
em uma bengala. Estava barbado e usava um
uniforme em cujas ombreiras brilhavam as duas
estrelas de primeiro tenente. Abaixou-se com
certa dificuldade, tateou a mão sob o tapete e
achou a chave. Colocou-a na fechadura e entrou.
O que viu deixou-o atônito, Lisa esperava
alguém, a mesa posta, um cheiro bom vindo da
cozinha, mas a casa parecia vazia. “Talvez
esteja no vizinho” – pensou. Sentou-se no sofá
para aguardar sua chegada quando um choro de
criança despertou sua atenção. Dirigiu-se ao
quarto e viu aquele bebê já crescidinho que
acabara de acordar e por isso chorava. Sentiu
seus olhos se encherem de lágrimas e imaginou
que talvez tudo aquilo fosse o motivo de não ter
mais recebido cartas de Lisa. Saiu do quarto,
apanhou sua mochila no sofá, olhou em volta para
as paredes e saiu do apartamento, deixando a
chave no mesmo lugar onde a pegara, sob o
tapete.
Desceu lentamente as escadas do prédio e,
chegando à rua, fez sinal para o primeiro táxi
que passou, dizendo ao motorista: “Estação
Rodoviária”.
Assim que o táxi partiu, Lisa virou a esquina da
rua onde morava . Andava apressada, com o
coração pulando de ansiedade. Chegando ao prédio
ela murmurava:”Vai dar tempo, eu sei que vai!”
Subiu as escadas e já ofegante, abaixou-se para
pegar a chave, ela ainda estava lá, no mesmo
lugar em que ela deixara. Entrou em casa, foi
ver o filho que choramingava, sorriu para ele
dizendo:”Hoje você vai conhecer seu pai, você é
muito parecido com ele”.
Pegou o filho no colo, terminou de arrumar a
mesa, abriu o vinho, serviu-se de uma taça,
sentou-se no sofá e esperou.
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