Nos dias de
hoje, o homem nasce (quase) sozinho e morre
(sempre) sozinho. Mesmo depois do desmame ele
continua a depender, ao contrário dos outros
animais, do alimento que seus pais dão para ele.
O homem é o único mamífero que bebe leite por
quase a vida inteira. Totalmente dependente.
Alguns poucos saem mais cedo de casa ou por
causa de estudos, trabalho ou mesmo para
conquistar uma independência. E como é bom ser
independente e não ter que dar satisfações para
ninguém. Tomar banho na hora que der vontade,
comer só quando tiver fome, beber aquele uísque
direto no gargalo. No final de semana, acordar
só quando tiver vontade, seminu e zanzar pela
casa quase como veio ao mundo ou até mesmo
peladão.
Mas a noite anterior foi proveitosa e você não
agüenta de vontade de contar para alguém, mas
está sozinho em casa, ninguém para ouvir. E
começa a nascer em você o desejo de morar com
mais alguém. Logo você pensa em dividir o
apartamento com um amigo, um companheiro de
verdade e você imaginando quem poderia ser ele.
Você até conhece uns caras legais, mas são muito
diferentes de você. Um não bebe, o outro não
curte sexo a quatro, o outro é cheio de manias,
o outro vai usar suas roupas e assim por diante.
A amizade vai acabar e durante um tempo você vai
viver debaixo de um teto em total desarmonia.
Você então resolve comprar um cachorro, um bicho
amigo, fiel e companheiro para todas as horas.
Chega em casa carregando o bicho e assim que
abre a porta você o solta e a primeira coisa que
ele faz é urinar no chão da sala, por sorte, foi
ali, pertinho do tapete. Você corre para a área
de serviço, pega um pano de chão e vai secar a
urina do bicho e quando chega na sala descobre
que o intestino do animalzinho também funcionou,
Tudo bem, é só o primeiro dia e logo ele vai
acostumar que essas coisas têm lugar certo para
fazer. Só que você se esquece de dizer isso a
ele. E todas as noites ao chegar do trabalho
você tem limpeza para fazer. Talvez aquele amigo
cheio de manias tivesse sido uma melhor escolha.
Chega o sábado e você vai tomar seu café peladão,
como sempre faz. O bicho vai atrás de você e
curioso mete o focinho onde não deve. Você dá um
pulo e seu pé cai bem em cima de uma pasta mole
que seu cão havia deixado no meio da cozinha.
Você toma a decisão e logo depois do banho sai
com seu animalzinho e o devolve de graça à loja
onde o havia comprado. Chega de volta em casa
perto do meio-dia, abre a porta do apartamento e
diz: “Enfim só”! Tira a camisa, joga em cima do
sofá e vai para a cozinha para ver o que tem
para comer. Vê um pacote de biscoitos para
cachorro e se deixa invadir por uma tristeza e
um pouco de remorso. Distraído, morde um
biscoito. “Já, já eu me esqueço dele”, você
pensa. Não tem nada pronto e você resolve sair
para comer algum lanche em algum lugar ali por
perto. Volta para a sala, pega a camisa e vai
vestindo-a enquanto sai do apartamento e corre
para o elevador que ainda está parado em seu
andar. Aperta o térreo e começa a descer
enquanto abotoa a camisa. De repente, você sente
uma ligeira umidade nas costas, levanta o braço
e vai cheirar, é cheiro da urina do cachorro,
aquele danado mijou no seu sofá. A tristeza e o
remorso logo foram embora e você se sente livre
de novo. Ao invés de procurar uma lanchonete
transada, você opta por comer um sanduíche na
padaria da esquina, ali ninguém vai sentir seu
cheiro. Alimentado você volta para casa.
Assim que chega você corre para limpar o sofá e
tirar aquele cheiro e ainda procura por mais
surpresas, mas, felizmente, não encontra mais
nada.
Sábado, livre, solto, agenda cheia de nomes de
mulheres, começa a discar para ver se arruma
algum programa para a noite. Mas qual, a semana
inteira voltou cedo para casa por causa daquele
infeliz daquele cachorro e não plantou nada e,
assim, não vai colher nada.
A noite chega e você fica brigando com o
controle remoto da TV. Num canal está passando
Beethoven, aquele cachorro babão, no outro
Scooby Doo, em outro K9, e no Discovery você vê
um filme sobre corrida de trenós puxados por
cães. Antes de mudar de canal novamente e dar de
cara com Rin-Tin-Tin ou Lassie, você desliga a
TV. Parece um complô contra você. Nada para ver,
ninguém para conversar. "Amanhã vai ser pior"
você pensa. E claro que não dá outra. Sai para
caminhar no parque e assim que chega lá se
desespera, parece que todos os cães da cidade
levaram seus donos para passear no parque. Sai
de lá correndo e resolve ir almoçar na casa dos
pais, faz tempo que não aparece por lá e os
velhos vão gostar.
Assim que chega ao portão, ouve um latido forte,
parece ser um pastor alemão. O pai vai abrir o
portão e vai avisando: “ele não morde”. Ele
acredita e vai beijar a mãe e ouve um rosnado
terrível à suas costas. Só faltava essa. Ele
almoça de olho no cão e o cão o tempo todo com o
olhar nele. Quase não fala, pois cada vez que
vai abrir a boca o cão abre primeiro. Os pais,
preocupados, querem saber o que passa com ele,
embora a experiência saiba que se trata de
solidão e sugerem: “Meu filho, temos uma
surpresa para você, acho que vai gostar de saber
que depois de dez anos a Ritinha voltou para cá.
Ficou todo esse tempo estudando medicina em
Ribeirão Preto e, agora, formada, voltou para
São Paulo. Por que não vai visitá-la? Ele
lembrava-se dela, sua primeira namoradinha,
menina tímida e sardenta, mas domingo, sem nada
para fazer, ele foi bater no vizinho. Uma jovem
muito bonita sai ao portão e ele diz:”Vim
visitar a Ritinha, soube que ela voltou de
viagem”. “Eu sou a Ritinha, não lembra mais de
mim”? Ele não conseguia articular palavras de
tão admirado que estava com aquela mulher linda
e madura à sua frente. “Na verdade, ninguém mais
me chama de Ritinha, chamam-me mais pelo
sobrenome”.
Ele não se lembrava do sobrenome, mas não tinha
importância, pois para ele ela seria sempre a
Ritinha. Conversaram bastante até quase
anoitecer e ficaram de se falar ao telefone
durante a semana.
No caminho de vota para casa foi pensando na
jovem doutora o tempo todo e pela primeira vez
na vida a idéia de casamento passou pela cabeça
dele. Namoraram quando bem mais jovens e
podia-se dizer que eram apaixonados um pelo
outro, mas a vida seguiu seu rumo e cada um foi
para um lugar. Agora, após o reencontro, quem
sabe?
Falaram-se quase todos os dias naquela semana,
saíram juntos para jantar algumas vezes e logo
estavam namorando firme e, em pouco tempo,
noivos.
O casamento não demorou para acontecer e, no
início, foi tudo às mil maravilhas.
Compartilhavam tudo. Mas a vida de cada um
sempre segue seu rumo e começaram alguns
desencontros. Uma noite, ele chegou com flores
para ela e uma garrafa de um bom vinho. Ele
estava a fim de um bom jantar caseiro e depois,
um sexo de primeira. Ao abrir a porta do
apartamento a primeira coisa que viu foi um
bilhete em cima do móvel: “Querido, me pediram
para ficar de plantão esta noite. Volto só
amanhã para casa”. Deixou as flores em cima da
mesa, abriu o vinho e começou a beber direto do
gargalo. Foi ao banheiro e quando foi usar o
papel higiênico ele estava ao contrário do jeito
que ele estava habituado durante toda sua vida,
mas ela insistia em colocá-lo sempre daquele
jeito. Desta vez ele não suportou mais,
desenrolou o rolo quase inteiro, espalhando
papel por todo o banheiro.
Entrou no box para tomar um banho, tomou um gole
do vinho, saboreou-o e, de olhos fechados, abriu
a torneira. Sentiu algo macio nas mãos, mas esta
suavidade o irritou. Ela tinha, de novo, deixado
a calcinha pendurada na torneira. Ele não
agüentava mais isso. Todos os dias havia uma
calcinha pendurada na torneira. Ele nunca falou
nada para não magoá-la. Ele a amava, mas
sentia-se tolhido em sua liberdade.
No dia seguinte brigou com seu melhor amigo.
Estava desabafando o que sentia e o amigo
sugeriu: “Por que você não compra um cachorro”?
WebDesigner
Isolda Nunes
Juliana® Poesias ²ºº³ - Copyrigth© ²ºº³
Todos os Direitos Reservados®
Melhor visualização 800x600 ou 1024x768
Salvador - Bahia - Brasil
07/02/2007
|