Mãe, está chegando
seu dia e mil lembranças vêm à minha cabeça.
Quase ninguém acredita quando eu falo que minha
primeira lembrança da vida era de quando eu
ainda era um bebê, ou pouco mais do que isso. Eu
estava em seu colo e chorava bastante, mas não
sei o motivo. Era noite e chovia bastante e a
senhora andava comigo para lá e para cá tentando
fazer com que eu parasse de chorar. O pai ainda
não tinha chegado do trabalho e a senhora
parecia aflita, talvez com medo daquela chuva
forte que caía. Acho que morávamos em Tupã.
Lembro de tantas coisas mãe e tenho a certeza de
que a senhora não se lembra da maior parte
delas. Lembro de que quando eu tinha cinco anos,
a senhora me levava para tirar fotografias na
Avenida Indianópolis. A senhora me vestia com
calça curta, suspensórios e gravatinha
borboleta. Cabelo penteado, e eu me sentia um
idiota. Hoje gostaria tanto de ver essas fotos,
mas sumiram. Aliás, quase não tenho fotos de
minha infância e nem da juventude. E eram
tantas!
Lembro de uma vez que a senhora foi procurar um
emprego e na volta me trouxe um carrinho de
corda, luxo naquele tempo, e na primeira vez que
o pus em movimento ele bateu na parede e se
quebrou. Fiquei muito triste e percebi também a
tristeza em seus olhos. Essa passagem nunca saiu
de minha mente.
Meu aniversário de seis anos foi talvez o mais
marcante de toda a minha vida. Só estávamos nós
dois. O pai tinha dois empregos, trabalhava
durante o dia no banco e à noite numa gráfica.
Comemoramos meu aniversário com um bolo pequeno
que a senhora fez em uma forma que me parecia
ser uma lata de cera e cantamos os parabéns
ouvindo a hora da Ave-Maria no rádio. Não
tínhamos televisão naquele tempo.
Passamos por muitas dificuldades em nossas vidas
e até algumas humilhações quando o pai ficou
doente, mas sentir tua mão segurando a minha
sempre me deu proteção e segurança.
Já na adolescência tivemos momentos de grande
prosperidade e aproveitamos muito a vida sempre
eu, a senhora e o pai. Ele gostava de bancar o
Papai Noel e nos natais lotava o carro de
presentes e saíamos todos para fazer a entrega
para todos os tios e primos. E suas bodas então,
de 15 anos, que festa maravilhosa nós demos em
casa. Foi quando aprendi a dançar.
Mas um dia, o mundo desabou sobre nós né mãe? O
pai perdeu tudo e ficamos numa miséria danada,
sem ter onde morar, cada um de nós na casa de
alguém e o pai morando em um estacionamento.
Todas suas jóias foram penhoradas e nunca houve
dinheiro para resgatá-las e a senhora sempre
fazendo de tudo para que nunca me faltasse nada.
Lembro de uma manhã quando estava no exército
fazendo ordem unida e avistei a senhora e o pai
no portão do quartel com uma sacolinha na mão. A
senhora estava me levando refrigerantes,
biscoitos e doces. Apesar da vergonha que senti
diante das gozações de meus amigos, senti todo
seu carinho em cada doce que comi, em cada
biscoito e em cada gole de refrigerante, pois já
entendia que aquilo tinha exigido um pouco de
sacrifício de vocês dois.
Ah mãe! Quantas oportunidades a senhora me deu
para que eu dissesse todos os dias que a amava,
mas eu sempre dava só um “oi mãe”.
Lembro-me de que quando meu filho nasceu, a
senhora sempre ia com o pai levar presentes para
ele, até que um dia o pai teve um derrame e
nossas vidas sofreram um novo baque,
principalmente a sua. De novo uma mudança
forçada, embora fosse morar em minha casa, mas
não era sua casa. De novo a dependência e a
perda da liberdade, não que tivéssemos imposto
regras. Não! Mas entendo que nunca é a mesma
coisa que ter seu próprio teto.
Você sofreu bastante mãe, mas em nenhum momento
se queixou ou me abandonou e até hoje, já
velhinha, está sempre disposta a tomar conta de
mim.
Ao contrário do que possa parecer, eu tornei-me
um homem de princípios e aprendi a conviver com
as perdas materiais graças a sua garra de nunca
ter-se abatido pela perda da casa, dos carros e
das jóias. Você me fez descobrir que a vida
possuía outros valores muito mais valiosos do
que tudo aquilo.
Quando o pai morreu, eu me lembro de sua voz
chorosa me contando, eu tinha recebido a notícia
em um cliente e liguei para casa e a senhora
atendeu e conseguiu dizer apenas: “filho, seu
pai morreu!” Nesse dia eu entendi o quanto a
senhora o amava apesar de tanta dor que ele lhe
causou.
A senhora teve sempre o poder de se adaptar às
situações mais adversas. Moramos em cada lugar
né? Acostumados ao luxo, de repente nos víamos
morando em um quarto e sala mas a senhora nunca
perdeu a coragem e isso me fazia ver que eu
também não deveria perdê-la.
Seus mimos me transformaram num homem de bem e
sempre reconheci seu amor por mim embora quase
nunca eu tenha retribuído isso com palavras.
Houve uma vez em que escrevi uma mensagem de
Natal representada por uma carta a Papai Noel e
nela eu pedia que ele me ajudasse a entender
meus pais, mas acho que demorei muito para
aprender a lição. O pai se foi antes que eu
pudesse entendê-lo, mas você mãe, você não, você
está dentro do meu coração e mesmo quando temos
nossas diferenças saiba que eu te amo muito e
tenho um orgulho muito grande em ser seu filho.
Obrigado por tudo mãe!
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