Há horas em minha vida que
sou tomada por uma enorme sensação de
inutilidade, de vazio;
Questiono o porquê de minha existência e nada
parece fazer sentido.
Concentro minha atenção no lado mais cruel da
vida, aquele que é implacável e a todos afeta
indistintamente: AS PERDAS DE NÓS SERES HUMANOS.
Ao nascer, perco o aconchego, a segurança e a
proteção do útero.
Estou a partir de então, por minha conta.
Sozinha.
Começo a vida em perda e nela continuo..
Paradoxalmente, no momento em que perco algo,
outras possibilidades surgem.
Ao perder o aconchego do útero, ganho os braços
do mundo.
Ele me acolhe, me encanta, me assusta, me eleva
e tenta destruir.
E continuo a perder e sigo a ganhar .
Perco primeiro a inocência da minha infância;
depois a confiança absoluta na mão que segura a
minha, a coragem de andar na bicicleta sem
rodinhas, porque papai ao meu lado me assegura
que não me deixará cair....
E por força de circunstâncias ao perdê-la
adquiro a capacidade de questionar.
Por que? Pergunto a tudo e todos.
As respostas das mais variadas não me contam
verdades.....
Abro portas para um novo mundo e fecho janelas,
irremediavelmente deixadas para trás.
Estou crescendo:
Nascer;
Crescer;
Criançar;
Adolescer;
Envelhecer e morrer
Vou perdendo aos poucos direitos e conquistando
outros.
Perco o direito de poder chorar bem alto, aos
gritos mesmo quando algo me é tomado, arrancado
contra a minha vontade.
Perco o direito de dizer absolutamente tudo que
se passa pela minha cabeça, sem medo de causar
melindres.
Receio dar minhas risadas escandalosas da
bermuda ridícula do vizinho e constatar
ruguinhas em meu pai, minhas tias e puxá-las ou
acariciá-las com a maior naturalidade do mundo e
ainda falar bem alto sobre o assunto.
Estou crescida e me ensinam que não devo ser tão
sincera mais, assim e assado....
E aprendo
E vou adolescendo
Ganho peso, seios, pelos, menstruação, ganho
altura, forma ( cintura, coxas e
quadris)...ganho o mundo.
E aí começa e vem um grande conflito:
O mundo me parecer inadequado aos meus próprios
sonhos, inadequado para um ser como eu...
Ah! Os sonhos....
E vou ser hippie em Visconde de Mauá.
N’uma comunidade alternativa.
Sonho dormindo, acordada.
Sonho o tempo todo.
Aí, de repente, caio na real!
Estou amadurecendo e isto por si só já é um
ganho real e alguns já me admiram.
Torno-me meia que equilibrada, contida,
ponderada...avisto sofrimentos, pois não aprendi
a não questionar...
Perco muito da minha espontaneidade.
Percebo as regras do jogo, as regras do bem
viver....
Passo a utilizar o raciocínio, a razão e algumas
vezes deixo meu coração de lado.
Mas me pergunto durante todo o tempo: Não é
justamente essa a condição que vai me colocar
acima(?????) dos outros animais?
A racionalidade, a capacidade de organizar
minhas ações de modo lógico e racionalmente
planejado?
E continuo amadurecendo...ganho carro novo, o
primeiro diploma, um companheiro, um filho.
E infelizmente perco o direito de gargalhar, de
andar descalço, de ouvir musica alto, de tomar
banho de chuva, de contar as estrelas, apreciar
por horas a lua, lamber os dedos e imaginar o
tesouro atrás do arco íris e soltar pum sem
querer.
Mas perco peso!
Já não pulo mais no pescoço de quem amo e não
mais uso o beijo estalado tão de repente!
Mas aperto as mãos de todos, ganho novos amigos,
começo a trabalhar, ganho um bom salário, ganho
reconhecimento, honrarias, homenagens, placas e
titulo de cidadã.
E assim, vou ganhando tempo enquanto envelheço.
Quero ser avó....
De repente percebo que ganho cabelos brancos,
algumas marcas de expressão, rugas, algumas
dores nas costas, no abdômen...ganho celulite,
peso, cabelos caem mais.
E acabo dando conta que perdi também algum
brilho no olhar, esqueci alguns sonhos, deixei
de sorrir, perdi muito de esperança.
Estou envelhecendo.
E não posso deixar para fazer algo quando eu
estiver morrendo.
Afinal, quem me garante que haverá mesmo um
renascer, exceto aquele que se faz em vida, pelo
perdão, que nos dá todos os dias, pelo
compreender que as perdas fazem parte, mas que
apesar delas , o sol continua brilhando e
felizmente chove de vez em quando , que a
primavera chega após o inverno, que necessita do
outono que o antecede.
Que eu cresça e não envelheça simplesmente.
Que venham as dores , mas que não calcifique meu
coração.
Que eu tenha dores nas costas e alguém para
massageá-las.
Que eu tenha rugas e boas lembranças, que eu
tenha juízo, mas que mantenha o bom humor e um
pouco de ousadia.
Deus, que eu seja racional, mas que eu continue
a sonhar....
Eu necessito de sonhos...
E principalmente que eu não diga apenas eu te
amo, mas aja de modo que aqueles quem amo
sintam-se amados.
Afinal, o que é o tempo?
Nada, não é nada em relação ao que posso viver
ganhando e perdendo, pois sou militante da vida.
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