A revolução teen
Por Marcos Ribeiro
Nos últimos dias, o glutão
Grupo Bandeirantes de Comunicação diz estar travando uma guerra
suja promovida pela Editora Abril por uma certa hegemonia no
mercado de comunicação televisivo focado no público jovem. Diz
o grupo sediado no Morumbi que a Abril, sócia da operação
brasileira da MTV - emissora cujo target está voltado para o
público adolescente - está melindrada com entrada da rede 21
neste setor com a programação da Play Tv, cujo sócio é a
Gamecorp, de Fábio Luís Inácio Lula da Silva, filho do
presidente da República.
Nessa história toda, sobram acusações de que uma estaria com
medo da concorrência direta e assim usa seus veículos de
comunicação junto com o seu poder de persuasão para amedrontar
futuros patrocinadores. Do outro lado, vem as denuncias não
comprovadas de que o concorrente estaria se beneficiando do novo
sócio para usar seu poder de influência sobre empresas estatais
que são grandes anunciantes, entre outros diz-que-diz e
choramingos. Tudo "denunciado", nada comprovado.
Picuinhas corporativas e televisivas à parte, a verdade é que,
no rádio AM/FM, esses mesmos personagens travam uma guerra muda
pelo filão da audiência teen, cujo mercado de consumo é
promissor e atrai os cada vez mais escassos grandes anunciantes
de rádio. Comenta-se por aí que a ex- Rádio Brasil 2000,
emissora educativa da Universidade Anhembi Morumbi, teria sido
comprada, pela MTV Brasil, que pretende transformá-la no braço
radiofônico do canal de tv. Ao longo deste ano, a Music
Television brasileira começou a investir em internet e passou a
produzir conteúdo exclusivo para o seu novo site MTV Overdrive,
que também inclui o melhor da programação. Segundo alguns
especialistas em mídia, é uma tentativa de estar presente em
todas as mídias que seu público alvo frequenta: TV, Internet,
rádio FM, celular. Há quem diga que, com medo de um certo
estranhamento do mercado, a Abril poderia "comprar" a
ex-Brasil 2000 e transformá-la num braço radiofônico da
Revista Bizz, também de sua propriedade. Há pouco mais de um
ano essa publicação foi "ressuscitada", mas com um
viés multimídia: revista e internet e o que mais aparecer pela
frente.
Criada em 1985, a Rádio Brasil 2000, de São Paulo, foi ao longo
destas duas décadas pivô maior de suas crises. Teve um início
cambaleante, cuja programação musical oscilava entre o pop, o
popular e o popularesco. Na década de 90, sob o comando de
Roberto Miller Maia, ganhou prestígio e credibilidade junto ao
público jovem. Mas o lucro e faturamento não vieram dado à
baixa potência de seus transmissores. Com a saída de Maia, a
crise de identidade se instalou junto com equipamentos mais
potentes. Grandes nomes do mercado - e alguns medíocres também
- se revezaram no comando da emissora. O preestígio e a
audiência subiam ou desciam conforme a competência do diretor
de plantão.
Em certa época, a emissora da Anhembi Morumbi retransmitiu o
horário nobre da Rádio Bandeirantes AM pelo custo estimado de
R$ 70 mil por mês. Dizia-se na época que era o primeiro passo
para a Band adquirir a Brasil 2000 e transformá-la em Bandsports
FM, braço radiofônico da emissora homônima de TV por
assinatura. Tal profecia não se concretizou.
Em passado recente, o grupo Band adquiriu a lendária 89 FM, a
rádio rock. Segundo comantava-se então, é que a idéia era
transformá-la em Play FM, uma extensão da Play TV. Até o
momento esse projeto não se concretizou. Em contrapartida a 89
mudou sua programação, investindo numa grade musical pobre e
sem imaginação, visando brigar com redes de maior fôlego como
a Mix, a Transamérica, a Jovem Pan e nanica e insignificante
Metropolitana.
O grande filão teen e as nova tecnologias
O público que vai hipoteticamente dos 14 aos 29 anos é muito
promissor para o mercado de consumo. É justamente aquela faixa
que escolhe o que quer para si, mas ao mesmo tempo
"lê" a opinião de seus pares e de suas referências,
buscando uma identidade aos seus iguais. Ao sair dessa faixa, os
consumidores desse target tornam-se adultos com poder de compra.
Ganhar a confiança de um público dessa nesta hora pode
significar possuir um cliente para o resto da vida, se ele for
bem trabalhado.
Os adolescentes atuais possuem uma grande diferença dos de
décadas passadas. Eles podem ter acesso à interatividade por
meio da internet, comunicação celular, etc. Isso era
impensável até para jovens que viviam na década de 90. A
interatividade mudou os conceitos do mercado, sobretudo o do
mercado "teen". O ouvinte / telespectador / leitor
deixou de ser mero receptáculo de conteúdo e passou a consumir
e selecionar muito mais informações e a produzir também.
No caso do rádio, podemos dizer que Excelsior, Difusora, Tamoio
e Mundial, emissoras musicais AM de grande sucesso na década de
70, cuja principal função era despejar conteúdo e ditar a moda
musical, são impensáveis hoje em dia. Até poderiam dar certo
comercialmente, mas talvez não tivessem prestígio ou
credibilidade. Esse tipo de programação começou a dar sinais
de fadiga a olhos vistos.
Com a derrocada da ditadura militar e a chegada das FMs, tudo
levava a crer que novos tempos se instalariam nas ondas do rádio
nos anos 80. Mas a crise econômica e fatal falta de visão do
meio publicitário e dos comandantes desta nova mídia, levaram o
rádio para o atraso. A ordem era martelar um sucesso até ele se
desgastar. O jabá corria solto e as grandes gravadoras
multinacionais impunham o que o consumidor iria ouvir e comprar,
uma vez que eles eram os grandes produtores de música sem
concorrentes.
Lentamente, criou-se uma geração de profissionais acostumados a
não inovar, a não pesquisar, a não criar e a não aprender
sobre a principal matéria prima de seu trabalho: a Música Pop.
Ao menos na década de 70, os profissionais de rádio, mesmo com
poucos recursos, se esmeravam em aprender mais sobre música,
apesar da censura e da minúscula produção de então. Os poucos
profissionais que teimaram e não sucumbiram à "má
formação" da maioria, acabaram indo para a mídia
impressa, ou conquistaram espaços minúsculos mas altamente
importantes de resistência em alguma FM independente de baixa
potência, mas de muita garra. Boa parte da audiência, aquela
que ansiava por novidades, cobrava criatividade dos profissionais
de então, saiu frustrada da década perdida, com um sentimento
de derrota nos ouvidos. Eles não conseguiram o espaço
suficiente no rádio para expressar suas idéias, muito menos
dominar os meios de produção da música, manifestação
artística que lhes é tão caro e que fala direto aos seus
corações.
A década de 90 traz o Brasil toda a desilusão de um presidente
almofadinha, equivocadamente eleito pelo povo. E também a Music
Television. Rapidamente a MTV assumiu o posto de
"referência na moda musical" do país, posto este que
pertencia às FMs de um modo geral. Os gênios da rádio -
aqueles que na década anterior contribuíram enormemente para a
queda da qualidade radiofônica - decretaram que a ordem agora
era segmentar, uma vez que o surradíssimo modelo de
"broadcast" americano apontava para isso também nos
EUA. Como não poderia deixar de ser, a segmentação foi
deturpada em terras tupiniquins. Simplesmente separaram as
emissoras de rádio por gênero de programação que transmitiam,
e não por tipos de público alvo. Afinal para que fazer o
ouvinte pensar por meio de uma identificação com a sua rádio
predileta, não é mesmo? Foi o fim da diversidade musical,
último traço de vida inteligente no rádio herdado dos anos 70.
Como foi dito, a falta de visão dos homens de rádio, foi
minando a qualidade do veículo aos poucos. Alguns até apostavam
que o rádio sumiria de vez com as novas tecnologias. Para
felicidade dos ouvintes e órfãos dos anos 70 e 80, tudo saiu ao
contrário. Nenhuma mídia se beneficiou tanto da parceria com a
internet e a telefonia celular como o rádio. Novas formas de
transmissão de rádio foram criadas dentro da web. Aos poucos,
quem apenas lamentava ou se contentava em "consumir" as
sobras culturais das rádios FM musicais de agora, passou para
atividade e montou sua própria programação de rádio.
Emissoras literalmente virtuais criadas em "fundos de
quintal" começaram a competir de igual para igual com
rádios convencionais. Em favor destes pequenos empreendedores, a
vontade de mexer com essa mídia, o gosto pelas ondas hertzianas
e a experiência acumulada em outros campos de atuação.
Músicos, jornalistas, especialistas em informáticas e leigos
começaram a produzir coisas novas e novas formas de linguagem
para o rádio. Passou a ser emissor e destinatário de si e de
outras emissoras virtuais ou não.
O público "teen" mais acostumado ao uso destas novas
ferramentas, foi o primeiro a entrar de cabeça. O rádio,
comandado por gente atrasada e sem visão, percebeu e começou a
perder ouvintes aos montes. Aquele jovem que décadas atrás se
resignava apenas a ouvir e consumir a música que lhes era
imposta, de repente, sumiu. O FM deixou de ser referência na
hora do ouvinte escolher o que vai ser a sua trilha sonora
pessoal. Okut, My Space, Trama Virtual, Itube, Google, MSN
Messenger, entre outros portais e ferramentas, passaram a ser o
referencial de música em quase todos os gênero. Grandes hits
começaram a ser forjados em ringtones de celulares para depois
caírem em algum site especializado e daí sim, ganhar as
decadentes lojas de CD e FMs "campeãs de audiência".
Hoje em dia é comum ver bandas novas criarem seus sites, com
direito ao internauta baixar as músicas do grupo, antes mesmo de
eles lançarem o primeiro CD. Outros artistas disponibilizam
obras inteiras ao seu público de forma totalmente gratuita.
Assinando serviços de podcast ou RSS, o usuário recebe
automaticamente atualizações de todos os sites ou rádios
virtuais que costuma ouvir, sem se preocupar em ter de visitar as
urls todos os dias.
Apesar desse admirável e desconhecido "mundo novo" o
rádio de um modo geral, sobretudo aquele que quer se voltar ao
público jovem, insiste em permanecer na idade média do
"broadcasting". Timidamente, estações voltadas ao
jornalismo - CBN, Bandeirantes, Band News FM, Eldorado, Gaúcha,
usam algumas destas ferramentas para colocar à disposição dos
ouvintes os seus principais programas, quadros e atrações para
aquele que não pode acompnhar a programação ao vivo em tempo
real. Revistas especializadas em música, esporte, notícias
incrementam seus sítios com gravações e programaetes de rádio
que complementam ou até atualizam suas edições impressas. As
rádios "teens" - objeto de nossa análise, por terem
uma programação musical totalmente anacrônica e superada, não
consegue sucesso com o uso dessa implementação. O prbolema é
que maioria continua no atraso, há 20 ou 30 anos. Não chegaram
à era da internet ainda. Os recursos que disponibilizam em seus
portais não atraem ninguém. Não há uma interatividade
verdadeira entre eles e os ouvintes porque o Jabá - prática
abominável que, por ironia do destino, foi esvaziada pela
pirataria contra as grandes gravadoras - não tem como imperar
onde o destinatário tem voz ativa.
Emissoras como a 89, Fluminense, Rádio Cidade (Rio) que não
compreenderam essa nova relação mercado / consumidor vão sumir
sem deixar rastro ou saudade. Grandes redes como Transamérica,
Mix, Jovem Pan, Atlântida , vão evaporar, caso não se integrem
aos novos tempos. Aos poucos, a ditadura das FMs vai minguando.
Novos conceitos de rádio - como a Oi FM, uma emissora voltada
exclusivamente para o público da operadora de celulares Oi -
levam a sério a relação rádio/internet/ouvinte/internauta e e
expandem seu mercado de telefonia usando inteligentemente o
rádio como ferramenta de marketing. Emissoras virtuais como a
Hype, Fênix, Pool web radio, Rádio Mundo Rock, se especializam
em nichos de mercado, com públicos altamente qualificados, não
disperdiçando um byte sequer para atingir seu target, como é do
gosto do anunciante de rádio. Ainda não foi dessa vez que o
estrábico mercado publicitário enxergou esse apuro de
audiência. Se não começarem a pesquisar o quanto antes, vão
perder clientes também.
É engano dizer que na pré-historia da internet que ainda
vivemos, todas estas constatações caem por terra porque o
número de internautas é pequeno. Mentira! O número de
aparelhos domésticos pode ser ainda pequenos. Mas o acesso à
rede mundial de computadores aqui no Brasil é mais facilitado do
que se imagina: Lan Houses que cobram R$ 2, 00 a hora de uso nas
periferias das grandes cidades e nas cidades do interior
distante; Centro de consulta digital instalados em instituições
de ensino privados e públicos; terminais de consulta gratuitos
em diversos locais públicos; as facilidades de crédito para
aquisição de computadores domésticos em lojas do grande
varejo; tudo isso contribui mais do que se imagina para a tão
propalada "inclusão digital".
Em suma, a responsabilidade dos que trabalham em rádios dita
jovens torna-se enorme: ou eles mudam essa postura de não ousar,
não arriscar, não tentar e venerar o status quo do jabá em que
vivem desde a idade média, ou nem mesmo o rádio digital que vem
por aí salvará o lixo sonoro imposto aos ouvidos adolescentes.
29/11/2006 12:50:00