Rádio Base - Escritos radiofônicos
Kid Vinil: "Detesto
essa coisa de tocar uma música três, quatro vezes por dia"
(6 de outubro de 2.003)
Por Enio Martins e Rodrigo Rodrigues
Da Rádio Agência
Transcrever entrevistas ou
decupar uma reportagem, no caso da televisão, é uma das coisas
mais chatas e braçais dessa divertida brincadeira de ser
repórter. Tudo se resume a ouvir e anotar, ouvir e anotar. Uma
pequena desatenção ou frase mal - compreendida bastam pra que a
gente precise voltar a fita e procurar aquele ponto que não
ficou claro. No caso dos modernos tocadores de MD (mini-disc), o
jeito é ficar ali brigando com o aparelhinho, tentando achar a
fala perdida.
Mas essa chatice toda desaparece ainda no meio do processo,
quando percebemos que o papo começa a tomar corpo e ficar
realmente parecido com uma entrevista de site grande. É claro
que pra que isso possa acontecer, a história do personagem
precisa ajudar. E disso o amigo aí do outro lado da tela não
pode reclamar: Heródoto Barbeiro, Nelson Motta e Washington
Olivetto, só pra citar alguns, não me deixam mentir.
Desta vez, caro leitor e amante do
rádio, você vai conhecer um pouco da trajetória de um dos
ícones mais pops e figuras do cenário musical tupiniquim: Kid
Vinil. O atual diretor artístico da Brasil 2000 bateu um papo
com a equipe do RA numa noite de quinta-feira no Finnegan's, um pub dos mais charmosos e
aconchegantes da paulicéia, e tentou explicar como alguém tão
artístico trabalha duro para transformar um cargo tão
burocrático em algo divertido, sem comprometer os números da
rádio, é claro. Kid, que já atuou de todos os lados possíveis
desse balcão do showbusiness, ainda abre o jogo sobre a delicada
relação com gravadoras, dá as dicas de como não ser traído
pelo próprio ouvido e conta dos planos (ou falta deles) para um
tal grupo chamado Magazine.
O Rádio Agência adverte: a leitura incompleta da entrevista
abaixo pode provocar um tic - tic nervoso.
Rádio Agência - Então, Kid... como você começou no
rádio ?
Kid Vinil - início da carreira ? Nossa... faz tempo !
(risos) Foi em 1979, na extinta rádio Excelsior, que hoje
é CBN e já foi Globo, ali na rua das Palmeiras.
Na época eu tinha voltado de Londres, daquela coisa do punk
de 77. Tínhamos voltado eu e o Pena Schimidt, que até
foi produtor do Magazine depois. Eu tinha vivido algum
tempo em Londres, acompanhado a coisa do punk e da new
wave e coisa e tal, até pintou uma idéia: eu trabalhava com
o Pena na Continental, e aí a gente começou a pensar em
rádio, porque na época tinha um cara que trabalhava na
gravadora que queria fazer um programa e sugeriu pra gente "ah,
porque vocês não fazem um programa sobre punk e new wave já
que vocês estão tão animados com essa onda toda que ta rolando
lá fora ?". Aí ele ofereceu um piloto pra gente na Excelsior.
Era a época do Antônio Celso e do Marco Antônio
Galvão. Aí a gente foi lá... até então eu não tinha
bolado nome nem nada, eu era muito cru. Fui sozinho, o Pena ainda
não tinha entrado na parada. Fiz um teste, não foi legal...
depois, quando conversei com ele (Pena), que sempre foi cheio das
idéias, ele falou "nós precisamos formatar essa
história...". Aí a gente começou a bolar um
personagem, pensar em nomes... tinham uns DJs ingleses que
a gente gostava: o Kid Jensen, da BBC, e um que
trabalhava com o (The) Clash, chamado Cosmo Vinil.
Aí foi só juntar os dois e ficou Kid Vinil. Achamos
divertido e resolvemos deixar o nome. E aí fui pra rádio e fiz
o primeiro piloto, que ficou bem à vontade. O Pena falou "toma
um DJ como base...". E eu falava muito rápido na época
por causa do Big Boy... não tinha os "hello,
crazy people !" que ele usava, mas eu falava bem gritado
rápido no ar. Aí o cara gostou do piloto e botou como primeiro
programa ! Depois começou a história... fiz um bom tempo, uns 2
anos. Em 1980, o Maurício Kubrusly (esse mesmo, o do Fantástico)
assumiu a rádio e foi legal... a primeira tentativa de uma
emissora mais independente, alternativa e de qualidade... uma
rádio legal. Eu nunca tinha visto isso acontecer no meio antes.
Quem concorria com a gente na época era a Difusora.
RA - Foi bem nessa época que aconteceu o boom das
FMs... você continuou fazendo rádio ?
Kid - Eu continuei um tempo na Excelsior com o Maurício,
mas logo depois veio a banda (Magazine), a gente estourou
em 1983 e eu acabei dando uma parada. Mas em 84, quando rolou o
boom das FMs, o Arnaldo Sacomani, da Antena 1, me
chamou pra fazer um programa lá de new wave e anos 80 por
causa do estouro do Magazine. Depois eu dei uma outra
parada. Já em 86, pintou a 89 FM, com o Liuz Fernando
Magliorca, que me chamou pra fazer um horário... aí eu fui
pra lá e fiquei durante um bom tempo.
RA - Você chegou a coordenar ou dirigir alguma rádio
aqui em São Paulo na época ?
Kid - Não, não... era só produção de programas mesmo. Eu
até que achei que um dia fosse fazer isso, mas ao mesmo tempo
era meio inatingível. O coordenador era aquele cara cheio das
armações, dos esquemas... pra mim, o exemplo de coordenador era
o Kubrusly. Ele sempre foi um cara musical, e era isso que
uma rádio precisava. E não de um cara só armador. Tudo bem, o
coordenador tem que ir atrás, fazer certas coisas pela rádio.
Mas acho que ele tem que ser 70% ou mais musical, como era o Maurício
na época. O projeto dele tava indo super-bem. Pena que os caras
deram uma limada, porque a Globo tinhas outros interesses
para a rádio...
RA - E é com esse sentimento do Kubrusly que você
está assumindo a Brasil 2000 ?
Kid - exatamente. Acho que é a segunda vez que isso
acontece no rádio, pelo menos que eu saiba. A primeira aconteceu
justamente com o Maurício Kubrusly. Acho que é a segunda
vez que acontece de uma pessoa tão musical assumir uma emissora,
pra pensar em qualidade musical.
RA - Você trocou a equipe quando assumiu a Brasil
ou o pessoal antigo continua lá ?
Kid - é basicamente a mesma equipe, eu não mexi em nada.
Estou é trabalhando locutores... tem uns que eu gosto, muitos
amigos também. Na verdade eu já tava na Brasil há algum
tempo fazendo o programa (Happy Hour, segunda à sexta das
18h às 19h), então eu já tinha uma relação legal com todo
mundo lá dentro, conheço bem o pessoal. Têm pessoas com um
puta potencial: o Osmar, por exemplo, que tá comigo na
coordenação, é um cara que têm mais de 20 anos de Brasil
2000 e que conhece muito música e tava mal-aproveitado lá
dentro.
RA - E como essa equipe, que já convivia com você só
que na mão de outros diretores, está convivendo com a mudança
?
Kid - muitos deles até diziam que adorariam que eu
assumisse a rádio, tinha gente que estava a ponto de sair,
insatisfeita. Diziam "pô, Kid... é foda tocar sempre as
mesmas músicas, não dá pra repetir tanto... não tem nada a
ver", era um muro das lamentações de locutores,
programadores, o pessoal todo. Era uma galera que vivia torcendo
por mim. Quando eu acabei sendo nomeado, eles disseram que era a
melhor notícia que eles poderiam ter, achavam que eu deveria
tomar conta da programação.
RA - E como anda a resposta da audiência ?
Kid - eu diria que 99% são e-mails de pessoas
falando que ta maravilhoso, que é legal, dando até opiniões do
tipo "olha, toca mais isso, mais aquilo... mas a rádio
mudou pra melhor ! Eu deixei de ouvir rádio há muito tempo, mas
aí li na Folha que você tinha assumido e fui conferir.
Realmente a rádio ta maravilhosa, vou passar a ouvir, não vou
mais levar CD no meu carro...". Quer dizer, tenho
recebido todo tipo de e-mail. É muito legal saber que
essas pessoas estão dando esse retorno.
RA - Dizem por aí que existe um grupo grande de órfãos
de rádio em São Paulo, o "Movimento dos Sem Rádio'. Você
acha isso também ?
Kid - tem muita gente que, mesmo antigamente, antes de eu
assumir, dizia que a Brasil 2000 era uma rádio que tocava
a mesma coisa que as outras. Daí esse discurso tipo "parei
de ouvir rádio".
RA - e você acha que esse público que andava carente vai
ser suficiente pra levantar a rádio, trazer faturamento ?
Kid - olha... de certa forma, eu não consigo medir o
tamanho desse público. Mas tem muita gente por aí que gosta de
música e já ouvia a Brasil. Eu não tô medindo só por
essas pessoas que deixaram de ouvir rádio e estavam querendo uma
coisa mais diferenciada. Acho que um público além do pessoal
que gostado gênero que a gente faz, além da segmentação que a
gente está, vai acabar entrando na nossa... esse é o meu plano.
Eu não deixei de tocar certas coisas, só deixei de repetir
muito, o que incomoda qualquer um.
RA - Como é o seu play list lá ? Alguma música
toca 4 vezes por dia ?
Kid - eu tô limando tudo isso, justamente porque eu
detesto essa coisa de tocar uma música três, quatro vezes por
dia... no máximo duas, e olha lá ! Só se for uma música
nova.. Outro dia saiu a (música) dos Strokes... eu mesmo
queria ouvir de novo pra gravar na cabeça porque era uma música
legal ! Mas isso você pode fazer durante uma semana no máximo,
tocando de manhã e à tarde, e acabou.
RA - Quanto tempo você acha que um artista como você vai
agüentar muito tempo num cargo mais burocrático ? Como lidar
com isso ?
Kid - olha, eu sempre trabalhei com essas coisas, fui de
gravadora muito tempo. Trabalhei na Trama três anos, mais
três na Eldorado. É pior ainda trabalhar em gravadora,
onde você tem que negociar contratos, royalites... essas
coisas. Trabalhei com direito autoral a vida inteira, pór isso
eu tenho um lado de executivo horroroso, que eu odeio, mas
sobrevivi muito dele. Trabalhei 10 anos com editora de música,
mexendo com royalites também, e é um dos trabalhos mais
chatos do mundo ! (risos) Mas ao mesmo tempo era música, e eu
sempre tive uma vida paralela. Na Trama eu negociava
contratos internacionais, não era muito divertido... mas também
tinha o seu lado bom: eu viajava muito, comprava muitos discos...
(risos). Mas o resto do tempo era dentro de feiras, gravadoras,
com aqueles executivos horrorosos... (risos).
RA - Então esse cargo na Brasil é "menos
chato" do que outros que você já ocupou ?
Kid - sim, pra mim é o mais relax. Eu tô muito mais
envolvido artisticamente nisso. É claro que o lado que tem
comercial da história, mas é muito mais fácil lidar com isso
do que estando numa gravadora, onde as coisas são muito mais
burocráticas do que numa rádio.
RA - Resgatando o papo do carro (fomos buscar o Kid na
Brasil 2000)... o que mais te incomoda estando à frente da
rádio ?
Kid - eu sei que tenho que gerar um faturamento, uma
série de coisas... às vezes não gosto de certas pressões,
tipo eu ter que ir por uma direção porque essa direção é o
rumo a ser tomado. E uma das coisas que eu deixei bem claro é
que eu teria que ter toda a liberdade pra fazer o meu trabalho.
Não quero que nenhum outro tipo de diretoria venha interferir
achando que a rádio tem que mudar pra esse lado ou para aquele,
o time é meu. (risos)
RA - Na verdade o artístico e o comercial quase sempre
batem de frente, certo ?
Kid - sempre tem isso, é normal. Em gravadora é a mesma
coisa. Na Trama, por exemplo, eu lançava as coisas mais
alternativas, independentes e o departamento comercial não
entendia nada daquilo, eu era um E.T., né ? Aí eu chegava lá
falando de Sigour Ross, Belle & Sebastian... e
os caras nunca tinham ouvido falar em nada ! Eu só calei a boca
do pessoal quando as bandas vieram pro Free Jazz ! (risos)
RA - Você está pensando em mexer muito na grade que já
existe ? Alguma projeto especial ?
Kid - basicamente, primeiro estou mexendo na programação, dando
uma cara. Eu detesto esse termos tipo "college", não
é nada disso, a rádio não vai nessa direção. Eu não vou
ficar tocando banda lado B. Na verdade, eu quero é trabalhar com
coisas legais, com qualidade musical, não importa a época. Eu
resgato anos 60, 70 e 80, tanto em termos de rock brasileiro
quanto o rock lá de fora.
RA - E projetos como o "atentado poético", por
exemplo ?
Kid - a gente tá com planos em relação à poesia ligada
ao rock, de fazer uns progametes. Eu ando trabalhando numa série
de idéias pra gente tentar vender. Você acaba criando produtos
pra que pessoas saiam vendendo. Também tô resgatando o Garagem,
que era um programa que criou uma tradição dentro da rádio,
com o mesmo formato. Era, junto com o Backstage, o mais
ouvido da Brasil. Tô até aumentando esse de heavy
metal em mais 1h, tem uma puta audiência, rola um público
que a gente não pode desprezar. Esses programas provocativos é
que acabam gerando alguma discussão... se é um programa normal,
que só toca música, ninguém presta atenção. Já fizemos um
piloto do Brasil 2000 Ao Vivo também. A princípio, são
esses. Não adianta entupir a grade, eu preciso é de boas
idéias. O que vai acrescentar um programa de blues na rádio,
por exemplo ? É legal um blues, mas eu já toco normalmente na
programação... blues é um estilo legal, mas têm suas
limitações, é um segmento muito fechado.
RA - E música brasileira ?
Kid - olha, às vezes eu até coloco alguma coisa no meio
da programação, mas eu tô tendo um cuidado pra não tocar
certas coisa, por exemplo: Tropicália eu acho legal...
teve um crossover com o rock. Mutantes, psicodelia,
uma época importante... legal resgatar. Eles (Mutantes)
tem a coisa tropicalista e a coisa rock. Eu toco até Caetano,
mas tô indo com calma. Outro dia chegou um e-mail dizendo
"você tocou Caetano ? Que merda !", porque têm
os roqueiros babacas que não aceitam. Mas teve um outro e-mail
que disse "caceta, que legal !". Teve ainda um
que mandou antes de eu tocar até, dizendo que tinha um disco
maravilhoso do Caetano, o Transa, que ele fez em
1970, que é uma obra-prima, parece um disco alternativo... quem
ouve pensa até que é uma banda de indie rock ! Mas
quando você coloca no meio da programação, tem que explicar
isso, que o Caetano da época era assim... não é o mesmo
Caetano Veloso de hoje, que uns gostam, outros odeiam. Mas
o que ele faz hoje é uma continuidade do trabalho. A fase mais
criativa dele foi, sem dúvida, na Tropicália, nos anos
70, onde ele era mais contestador. A mesma coisa o Gil, a Gal...
a Gal Costa, por exemplo, eu não toquei ainda, só no meu
programa. Mas quando eu ouço aqueles primeiros discos dela, vejo
que a Gal era uma louca, gritava pra caralho ! Tinha o Lenny
(Gordin), que era um puta guitarrista... era uma banda de rock !
Era a nossa Janis Joplin ! (risos) Mas hoje, se eu tocar Gal
Costa, vão achar que eu pirei. Então você precisa explicar
que essas pessoas são importantes, tiveram uma época mais
roqueira. Já recebi uns cinco e-mails pedindo Novos
Baianos também, Clube da Esquina... é legal isso.
RA - Sobre o som brasileiro mais atual... como andam as
relações com as gravadoras e com o jabá ?
Kid - dessas coisas mais novas, a Trama têm uns
lances legais. Não é porque eu tabalhei lá que eu vou defender
a rapaziada ! (risos) Mas eu acho essa nova geração deles bem
bacana: Max de Castro, já tô tocando o Otto, a
própria Fernanda Porto... Nação Zumbi. Los Hermanos é
uma banda que eu gosto que tem uma coisa engraçada: eles são
que nem Skank, ou ame ou odeie. Mas são dois grupos que
eu toco tranqüilamente, pelo seguinte: as pessoas tem que
entender que o trabalho deles não se resume aquele sucessozinho,
eles são muito mais inteligentes do que as pessoas pensam. E é
o que eu quero mostrar, não só as músicas da novela, mas as
outras faixas do disco.
RA - Mas e as gravadoras, como estão te recebendo ?
Kid - muitas estão reagindo "ah, mas você parou
de tocar certas bandas, como os Detonautas...o CPM" Eu
conheço os caras dos Detonautas, são meus amigos. Mas
nesse primeiro momento, preciso dar uma respirada na minha
programação, porque tem uma série de outras coisas que eu
quero tocar. Eu não to me recusando a tocar essas bandas, só
não vou tocar três vezes por dia como elas (gravadoras) queriam
antigamente. Vou tocar uma vez por dia, não todo dia, sabe ? Eu
sei que os Detonautas tem público, fãs. O Tihuana
também. Eu não quero ser aquele cara radical, senão a gente
não vai pra lugar nenhum, mas eu quero dar um espaço pra bandas
novas também. Hoje eu toco Tihuana, amanhã eu toco uma
banda nova, depois eu volto a tocar (Tihuana) daqui a dois, três
dias, uma música... assim, sem essa de três vezes por dia. A
gravadora fica puta, mas eu sinto muito, agora é outra
história...
RA - De quanto tempo você acha que vai precisar pra
deixar as coisas redondas ali dentro ?
Kid - eu acho que mais um mês, no máximo. Não adianta
eu querer fazer uma rádio igual à 89, à MIX.. Se
eu quiser ser igual à elas, ficar batendo nessa tecla, vou
acabar não tendo nenhum público. Eu tô do lado da MIX
(no dial), é muito fácil o cara fazer isso (mudar de
estação). Ele prefere a MIX porque ela pega melhor...
ele tem que ter um atrativo pra vir pro meu lado. E esse atrativo
é quando o cara pensa Pó... a MIX toca essa música
quatro vezes por dia, que saco ! Eu vou pra Brasil, porque lá
pelo menos tocam umas músicas diferentes.". Diferentes e
boas também. Sabe, eu acho que ninguém é tão burro... às
vezes a gente fica achando que o jovem é idiota, imbecil, e não
é tão imbecil assim. O jovem é pensante também, é que as
pessoas acabam fazendo dele um imbecil. Mas eu tenho certeza de
que é só ele dar um toque no dial pra perceber que tem
uma rádio mais pensante. Ele tem internet, tem tantas
ferramentas na mão hoje, é bem diferente. Eu geralmente falo
pra jovens, faço coisas em faculdades... e é uma molecada que
me cobrava muito isso, cobrava até da rádio.Cansei de ir em
palestras, pra garotada nova mesmo, uma média de 16, 18 anos, e
eles falavam "porra, como a Brasil tem um programa de
música mais alternativa como o seu e depois começa a entrar
aquelas porcarias que a MIX toca e que a 89 tocam ?". A
maioria dizia que não gostava de ouvir rádio por causa disso.
Muitos dos e-mails que eu recebo, sem brincadeira, dizem "puta,
que legal ! Era isso que eu tava esperando, há muito tempo
!".
RA - E esses problemas da Brasil que a gente sabe
que existem, como por exemplo a qualidade e o alcance do som aqui
em São Paulo... existe uma preocupação imediata com isso ?
Kid - é uma coisa mais pro futuro, de investirmos nisso.
Quanto mais a gente tiver resultados em relação ao nosso
trabalho, a gente vai investir, principalmente antena. Sabemos de
todas as precariedades da rádio, desde que era ela uma college...
então, acho que o próximo passo é cuidar disso. A faculdade (Anhembi
Morumbi) não dispõe de uma puta verba pra Brasil,
ela já segura todos os custos aqui, então é difícil que a
faculdade bote dinheiro agora pra botar uma antena melhor e tudo
mais, ela quer ver um retorno legal. Mas mesmo assim o pessoal
tá muito contente... de repente, pela primeira vez, a Folha
(de São Paulo) fez uma matéria "Anhembi Morumbi toma as
rédeas da Brasil 2000". O dono ficou felicíssimo !
Pela primeira a Folha citou a faculdade... espontaneamente
!
RA - Você se sente mais pressionado por ter sido
"aclamado pelo povo" ?
Kid - não, ninguém chegou pra mim e falou "você
tem um prazo pra dar resultado". Não, não... me deram
toda a liberdade, não ficam me cobrando. Esperam apenas que eu
tenha um bom-senso musical. Me conhecem há mais de 20 anos, a
gente já é amigo há muito tempo. São pessoas que, além da
gente trabalhar junto, tem um compromisso muito mais amigável do
que essa coisa de revólver no peito "olha, tem que fazer
isso aqui dar certo em um mês ou dois".
RA - Você é um cara respeitado, que manja de música e
coisa e tal... pode ensinar pros nossos leitores como reconhecer
uma música boa ? Como um crítico analisa profissionalmente uma
canção ? Se é que isso existe...
Kid - olha, leio muito a respeito antes de comprar um
disco. Eu nunca vou na loja à toa. Essa coisa do ouvido, às
vezes você ouve e é legal... mas eu gosto de ter um feedback
sempre, antes de comprar qualquer coisa. Pode ser um disco
antigo, novo... eu nunca comprei um disco aleatoriamente, de
chegar na loja e achar a capa bonita e comprar, ou porque tal
música anda tocando insistentemente. Eu compro umas 20
publicações musicais diferentes por mês, entro em vários
sites, faço uma análise de todos os reviews de cada
disco pra depois sair comprando. Pode até ser um Neil Young,
antes, eu leio todas as críticas pra conseguir entrar num acordo
se o disco é bom ou não. Eu acho que é importante você ter
esse feedback porque é um parecer crítico lá de fora, e
pegar a críticos bons, de publicações importantes. Pode
acontecer de eu não concordar, mas muitas vezes bate. Você
acaba pegando sempre referências interessantes no meio desse
caminho todo. Com esse tempo todo de música, certas coisas não
falham.
RA - Mas o seu próprio ouvido não te trai de vez em
quando ?
Kid - eu não sei, sou muito seletivo... pode acontecer de
eu já ter sido traído, mas eu procuro ser muito cuidadoso. E
mesmo se às vezes eu cometo algum erro de comprar um disco ou
outro que depois de repente não se mostra tão legal -
principalmente com coisas da década de 60, que têm coisas mais
obscuras, às vezes têm bandas com discos bons numa certa época
e numa outra época perdeu um pouco a qualidade - conserto
depois. No fim eu acabo entendendo, você tem que ir fundo pra
saber.
RA - Então você sabe explicar porque gosta de tudo o que
gosta ?
Kid - exatamente, tudo tem explicação (risos). O ouvido
te trai sim, a primeira audição acaba te traindo... mas tem que
ter o tal do feedback. Essa coisa de ser músico... eu já
tive até ouvido pra dizer o que ao ter sucesso ou não. Quando
eu vi o EMF pela primeira vez na televisão, em Londres,
falei "essa porra vai ser sucesso !", trouxe
até uma fita pro Brasil e mostrei pra uns amigos. Certas coisas
você acaba sacando que o apelo comercial é muito forte e que
podem estourar. Acho que quando a música é muito grudenta,
qualquer pessoa com bom-senso musical acaba sacando que pode
fazer sucesso.
RA - O que você quer é criar uma espécie de rádio
jovem com mais conteúdo musical ?
Kid - eu acho, a gente já tenta fazer isso. A Brasil
já fazia isso no passado, pra gente isso é importante, e não
ficar só nas babaquices, no oba-oba. A gente vai investir mais
em jornalismo, em não ficar só no "toca e
desanuncia".
RA - Pra terminar, qual o Kid Vinil mais forte à
frente da Brasil 2000: o músico, o cara da gravadora ou o
homem de rádio mesmo ?
Kid - hoje eu tô focado muito na coisa da rádio. Chego
às 8h da manhã e saio às 21, 22h. Não tenho hora pra sair. A
banda eu deixei um pouco de lado, passou a ser uma diversão, nem
tenho planos futuros...
RA - Então não vai tocar Magazine na Brasil
2000 ?
Kid - olha... eventualmente, só se alguém pedir.Mas eu
não vou querer puxar pro meu lado, não faz nenhum sentido, eu
fico até com vergonha às vezes. É uma questão até ética,
acho que quem deve aparecer é a rádio, e não a pessoa. Eu tô
por trás da história, nem quero tocar a minha banda... os caras
do grupo é que vieram com idéias tipo "agora podia ter
um programa Magazine, né ?", e eu, falei: "cala
a boca, porra !". (gargalhadas).