BASE PARA UM PROJETO DE CONSTRUÇÃO DO REPERTÓRIO IDEAL
Dr. Elias Carlos Zoby - Médico Veterinário Homeopata - Docente da APH
Os atuais repertórios homeopáticos são de 2 tipos e modelos: impressos em papel e informatizados; modelos kentiano expandido [base kentiana com outros agregados] e de Bönninghausen [pouco usado, mas ainda editado na Índia e atualizado na Alemanha].
Seus principais problemas são também de 2 tipos: notação [erros de grafia e compilação por parte do autor ou editor e mantidos pelos compiladores posteriores] e compreensão.
Erros de notação são aqueles em que a rubrica ou abreviatura do medicamento está errada ou duvidosa. Eram mais comuns nos primeiros repertórios devido à necessidade de resumir ao máximo para poupar espaço no papel e também pelo sistema de impressão com tipos de chumbo. Tendem a ser corrigidos com o tempo e os atuais sistemas de impressão.
Há inúmeros casos de trocas como MERC x MERL, LIM x LIN-C etc.. Outros de redação, podendo levar a erro de compreensão, como em: GESTURES - GRASPING - CHEWING AND SWALLOWING, on: dulc [a1], sol-ni [Synthesis, de Schroyens]
Em Kent há GESTURES - GRASPING OR REACHING AT SOMETHING - CHEWING AND SWALLOWING: sol-ni. Barthel transcreveu acrescentando a preposição "on", o que mudou o sentido. Dulcamara vem do Index de Allen: SWALLOWING, MOTION AS OF. No entanto ao pesquisar a concordância vê-se que o texto de Kent é o correto, embora a rubrica seja desnecessária e Dulc devesse simplesmente ser agregada em FACE - CHEWING MOTION OF THE JAW.
SOL-NI -A1-250) Coma, convulsive agitation, plaintive cries (third day). A Singular proceeding is observed in the midst of their convulsions; they frequently stretch out their little hands, as if to grasp something, then carry them eagerly to their mouths, and go through the motions of mastication and swallowing (in three hours), [a2].
Erros de compreensão ocorreram por parte de Kent e dos compiladores e ocorrem por parte dos usuários. Um erro de Kent foi ter acrescentado M-ARCT em SLOWNESS - WORK, IN por não compreender o sintoma no original alemão. Enquanto CACT tem disposição a fazer vagarosamente seu trabalho, M-ARCT reclama por achar que o faz vagarosamente, portanto um é o inverso do outro.
M-ARCT -AL2-14) He would like to work a great deal, and does not satisfy himself; he thinks he does things slowly. H1-445) He would like to work hard, and cannot do enough; he does things too slowly. 446) He would like to work hard, and cannot do enough; he does everything too slowly. [Lr.]
M-ARCT -H1-442) Er möchte gern viel arbeiten, und thut sich nicht genug; es geht ihm zu langsam von Statten. 443) Er wollte gern viel arbeiten und thut sich nicht genug; es geht ihm alles zu langsam von Statten. [L-r.]
Algumas rubricas podem ser entendidas errado por falta de redação mais clara, ex.: DELUSIONS - FACES - REACHING THE CLOUDS (ON GOING TO SLEEP) - pode parecer ilusão de faces de outros alcançando as nuvens, quando o sintoma em verdade refere-se a partes do corpo do próprio paciente.
Outros problemas de compreensão vêm também quando se transpõe uma rubrica de um repertório para outro sem pesquisar qual o sentido dado por cada autor original à rubrica. Como é o caso de NIBBLE, DESIRE TO que foi transposta do Index de Allen [feito em ordem alfabética sem separação por capítulos] para o capítulo dos mentais de Barthel, quando na verdade é uma rubrica de apetite. Além disso a filosofia de construção e objetivos de cada repertório são diferentes. Assim uma rubrica num repertório de "key-notes" não pode ser usada da mesma forma que outra de Kent, o mesmo vale para as rubricas gerais do "Pocket book" de Bönninghausen.
Solução
A maneira de solucionar todos esses casos é verificar a concordância rubrica x matéria médica e construir um repertório que tenha acesso a ela. Essa matéria médica deve sempre ser a original em que foram obtidos os sintomas, evitando as traduções para não trocar um erro pelo outro. Hahnemann em alemão, Benoit Mure em francês [português seria melhor se fossem encontrados os diários das patogenesias brasileiras], Lippe e Kent em inglês etc.
Um livro impresso tem limitações de tamanho e portanto não pode ter a concordância, embora deva ser feito baseado nela. Já os programas de computador podem perfeitamente vir com acesso direto a ela.
A correção dos erros de notação de abreviaturas será mais demorada, os de rubricas serão mais rápidos pois ao estudar alguns poucos medicamentos de uma rubrica original de apenas um autor já se percebe o que ele quis dizer com ela.
Outra vantagem da concordância na precisão do trabalho repertorial é dispensar o sistema de pontuação, pois passará a valer a semelhança sintomatológica e não mais os valores computados nos quais os policrestos invariavelmente vencem. Assim o homeopata irá comparar da mesma forma Paris quadrifolia e Lachesis num paciente egocêntrico e loquaz e não terá dúvidas entre Aconitum e Natrum muriaticum na rubrica INCONSOLABLE.
PAR -A1-1) Foolish; talks a great deal about every subject, changes from one subject to another, talks in order to talk, and even would do so if alone, is seven delighted with his own frivolity and ridiculous talk (first day), [a8].
ACON -H1-516) Inconsolable anxiety and piteous howling, with complaints and reproaches about (often trifling) evils (aft. 5 h.). HR1-42)/ Inconsolable anxiety, piteous wailing; peevish and impatient. C1-19) Great agitation and tossing of the body with anguish, inconsolable irritability, cries, tears, groans, complaints, and reproaches.
NAT-M -H2-13) If she merely thinks of troubles past, tears come into her eyes. K2-767) No matter how cheering the circumstances are she cannot bring herself into the state of being joyful. She is benumbed to impressions, easily takes on grief, grieves over nothing. Unpleasant occurrences are recalled that she may grieve over them.
Segue-se uma digressão intitulada "O Meu Repertório". Uma síntese de minhas idéias a respeito.
O MEU REPERTÓRIO
Repertório Homeopático é o índice para a matéria médica, é [idealmente] a compilação de todos os sintomas produzidos e observados e os respectivos medicamentos responsáveis pelo seu surgimento e ou cura.
Como e para quê foi inventado?
Bem... os repertórios nasceram da necessidade sentida pelos primeiros homeopatas de acessar rapidamente os sintomas para comparar medicamentos que pudessem adequar-se ao paciente que estivesse sendo examinado. Eles tinham relativamente poucos medicamentos estudados, se compararmos com o número atual. Mas tinham a ENORME vantagem de terem experimentado boa parte deles, desse modo, conheciam os sintomas por senti-los na própria carne e não por ouvir dizer. Mesmo assim já era muita coisa compilada e a memória não suportava tanto, precisavam de um lembrete.
O primeiro repertório a ser usado em larga escala foi o Therapeutisches Taschenbuch [1846] de Clemens Maria Franz [Barão von Bönninghausen, nascido em 12-3-1785 e falecido a 26-01-1864 na Alemanha], mais conhecido como Therapeutic Pocket Book, mas antes dele já haviam sido lançados o dos Anti-psóricos [1832-3?], dos Não Anti-psóricos [1835?], o de Jahr [1835], Hahnemann tinha um manuscrito próprio [1817] etc. Mas o que foi realmente utilizado por gerações de homeopatas foi o Pocket Book, ainda hoje é usado. É um livro pequeno, no qual estão colocadas as rubricas referentes ao local do sintoma, a sensação e queixa, e as modalidades de agravação e melhoria que servem para todas as partes e sintomas, há capítulos especiais para sono/sonhos, febre/calafrio/suor/circulação e relacionamento dos medicamentos. Cada um dos ítens num capítulo separado, ou seja você encontra dor de cabeça num capítulo e agravação dela pelo calor em outro, sendo que esta mesma rubrica de agravação pelo calor serve para qualquer outro sintoma com essa modalidade. Simplíssimo de usar e, descontando a falta dos medicamentos e experimentações posteriores, eficientíssimo. O método é perfeito, desde que o usuário conheça a matéria médica e as patogenesias como eles conheciam, porque o fato do indivíduo ter sua dor de cabeça com determinada modalidade não implica em que outros sintomas sofram a mesma modificação. Este foi o ponto fraco que levou James Tyler Kent a construir outro repertório, com filosofia totalmente diferente, no qual as modalidades fossem dadas em cada sintoma, separadas daquelas que fossem de todo o indivíduo ou de vários sintomas.
Os registros não dizem, mas não parece simples coincidência o fato do repertório de Kent ter surgido justamente quando o hábito de fazer experimentações estava diminuindo. O de Kent é muito mais preciso, mais detalhado, não é melhor simplesmente porque tem mais rubricas e remédios, ou porque os mentais estão bem feitos, e este é um dos poucos pontos ruins do de Bönninghausen. É melhor porque foi feito para que nós dependéssemos menos da matéria médica. Com o de Böninghausen o homeopata tem de estudar matéria médica até encontrar um medicamento cujos sintomas se assemelhem aos do paciente em questão, caso contrário as chances de acerto são mínimas. Quando o "Velho Barão" lia uma rubrica ele lembrava de qual sintoma tinha levado cada medicamento até ali, e se não lembrasse ele ia às patogenesias.
E nós, como ficamos? Temos o repertório de Kent atualizado a cada dia [a 1ª tradução para o português foi a de A. Ribeiro Filho], até com certa febre de agregar, mesmo apoiando-se em sintomas no mínimo discutíveis. Mas é a era da informática, na qual tudo flui na velocidade de um Pentium, as rubricas têm que ser atualizadas, medicamentos, linguagem, parturition não serve mais, agora é delivery; inquisitive transformou-se em curious... E eu sinto uma baita saudade do tempo em que se consultava as patogenesias antes de prescrever, do tempo em que os médicos consultavam o medicamento após escutar o paciente. Hoje, com essa pressa, tem "homeopata" que não tem paciência nem de ouvir o cliente, quanto mais consultar medicamento... coisa de doido!
Há diversos tipos de rep.: regionais [Diarréia por J. B. Bell], gerais [Boericke], de sintomas [Bönninghausen, Kent], clínicos [Clarke], de concordância [Gentry, Zoby], "artísticos" [Boger e Phatak], de modalidades [Worcester] etc. Cada um deles com sua própria maneira de construção e significado. As rubricas de um não podem ser diretamente transplantadas para outro porque cada um deu um sentido e conteúdo à mesma. É necessário que o leitor entenda o que aquele autor quis dizer com aquela rubrica, muitas vezes ocorrem rubricas com a mesma palavra mas em cada repertório com um sentido diferente. Para resolver esse problema o único caminho é o estudo da matéria médica homeopática.
Em tempo, para quem não é do ramo: rubrica é a palavra[s] usada no repertório para agregar sintomas [de diversos medicamentos] com algum conteúdo em comum; sintoma é a expressão do desequilíbrio da energia vital observada pelo médico ou dita pelo experimentador ou paciente ou cliente.
Mas como seria o repertório ideal?
O "meu" repertório... ele teria todos os medicamentos que tivessem aquele sintoma, nem precisaria ter pontuação, não peço tanto [mas se tivesse o sistema de 4 pontos e meio de Bönninghausen estaria bom]. Ao lado de cada medicamento o indicativo de qual a fonte para inclui-lo na rubrica e o número do sintoma [como o de Hughes], ao dar um duplo "click" ali haveria um "link" imediato para aqueles sintomas [e eu riria de Nash que teve de procurar na matéria médica, partindo do A, pelo sintoma de enjôo por cheiro de comida de Colchicum]. Se o sintoma fosse uma lesão também haveria um "link" para a imagem, se fosse uma ação o "link" seria para uma filmagem dela. Sim, meu repertório seria informatizado, claro. Mas usaria os recursos de hoje para agregar informações que o Pocket Book não suportava e não apenas para agregar medicamentos e velocidade.
Atualmente diversos pesquisadores trabalham na construção de algo assim, partindo dos repertórios kentianos. Temos o trabalho temático de José A. Mirilli [RJ], de concordânia [Elias C. Zoby, pernambucano radicado em Santos-SP], de Aldo F. Dias [RJ], todos na mesma área: ligação do rep. com a matéria médica.
Dentro de alguns anos vocês verão o nosso repertório, de todos aqueles que julgam que as patogenesias ainda são o fiel da balança. E poderemos todos achar graça de Nash.