RUMOS DA HOMEOPATIA VETERINÁRIA NO BRASIL
Elias
Carlos Zoby
eczoby@carrier.com.br
Homeopata veterinário
Docente e orientador de ambulatório da EPH, ex-coordenador do
Curso de Homeopatia para Veterinários da APH
Presidente da 1ª Comissão de Elaboração da Prova de Título
da AMVHB
"O médico homeopata é o que prescreve o medicamento único na dose mínima em forma potencializada, selecionado de acordo à lei dos semelhantes." (Kent)
Cabem algumas definições do que é:
a) 'eclético' - médico, veterinário etc. que tendo algum
conhecimento em Homeopatia a utiliza rotineiramente junto com
alopatia (qualquer terapêutica medicamentosa baseada em
'diferentes'), não pode ser apropriadamente chamado de
"homeopata";
b) "homeopata pluralista" - usa rotineiramente mais de
um medicamento homeopático por vez, mas não mistura com
alopatia;
c) "homeopata unicista" - rotineiramente usa um
medicamento por vez e analisa o resultado do anterior para
depois, se necessário, usar outro;
d) "organicista" - crê estar a doença no plano
físico orgânico, independentemente de ser unicista ou
pluralista.
Pela própria imperfeição do conhecimento humano, não é
prudente manter o mesmo tratamento no paciente que evolui mal
quando é esperado o contrário, é necessário ter humildade e
ser responsável para reconhecer o próprio limite e usar outros
recursos, ou encaminhar o doente a um colega quando o insucesso
colocar a vida em risco. Entretanto o veterinário que recorre à
alopatia com frequência não pode ser chamado de homeopata, no
máximo é um candidato.
O Brasil se encontra numa posição privilegiada em relação aos
outros países ocidentais no que se refere à Homeopatia. Nossa
formação foi principalmente herdada dos unicistas argentinos,
sendo o veterinário Dr. Juan Gomez um de seus expoentes.
A expansão começou na década de 80. O CFMV
reconheceu a AMVHB como capacitada a conferir título de
especialista em julho/2000 e em setembro já houve a primeira
prova, de cuja elaboração participei.
Agora espalham-se os cursos de Homeopatia "ecléticos",
ao lado dos "unicistas". A Europa e EUA por outro lado
têm uma Homeopatia Veterinária quase insignificante, raros
praticam apenas a medicina dos semelhantes, a maioria é de
ecléticos.
Mas que futuro é esperado de um curso de "Homeopatia
Eclética"? O termo é absurdo, por contraditório, mas o
seu pretenso significado está sendo posto em prática em
diversas escolas. Como pode se chamar 'curso de homeopatia' a um
curso que propaga e mistura coisas diferentes? Mais bem empregado
seria o termo "medicina alternativa", por misturar
diversas terapêuticas com o intuito de oferecer uma
"alternativa" à medicina oficial. Bem assim pode ser
dito do "homeopata eclético", se fosse possível tal
coisa.
É preciso ter clareza quanto ao que é homeopático e não
confundir com isopatia, terapia floral, naturopatia, fitoterapia
etc.. Independente dos benefícios que essas terapêuticas sejam
capazes de trazer ao doente e não duvido que sejam muitos, elas
não são Homeopatia.
Kent se revoltou na virada do século passado contra a
prevalência dos ecléticos no American Institute of Homoeopathy
(Address. In New Remedies, Clinical Cases, Lesser
Writings, Aphorisms and Precepts. Chicago: Ehrhart &
Karl, 1926. p. 208-220.) De longe, parece simplesmente a luta
entre duas correntes antagônicas. Mas, analisando as
publicações da época, salta claramente que o Instituto
Americano havia se transformado numa sociedade prevalentemente
alopática. Na "The New England Medical Gazette", v.
XXXII, 1897, jornal mensal que divulgava os escritos ecléticos,
entre eles muitos do Instituto, são poucos os artigos tratando
de Homeopatia e a imensa maioria trata de alopatia e cirurgia.
Então, o que houve foi o clamor de um homeopata contra a
descaracterização de sua medicina. E o resultado é conhecido,
a Homeopatia quase desapareceu dos EUA. Raros homeopatas
americanos ultrapassaram a metade do século XX, entre eles
Herbert Roberts, Harvey Farrington ( 1958), Glen Irving
Bidwell (ainda praticava em 1951), Garth Boericke ( 1968,
foi o último professor de Homeopatia do Hahnemann Medical
College), Arthur Hill Grimmer ( 1967, um dos últimos
discípulos de Kent).
Hoje estamos frente a problema parecido. Por um lado os médicos
humanos têm já estabelecido e sedimentado o unicismo como base
do estudo e prática homeopáticos, procurando uma convivência
amistosa com as correntes mas sem questionar o fato de que só o
unicismo é capaz de fazer a Homeopatia evoluir como ciência
experimental. Por outro lado a veterinária ainda engatinhando e
com perigo de incorrer no mesmo erro americano.
- Mas qual o problema do ecletismo? Afiinal ninguém sabe tudo e a
Homeopatia não cura tudo.
O problema é que sendo o Homem limitado, ele não pode estudar
amplamente tantas áreas de conhecimento ao mesmo tempo.
Fatalmente será um especialista em várias coisas, o que
equivale a dizer: em nada, ou coisa nenhuma.
Que não se confunda a separação das ciências para melhor
poder aprofundar-se, com a separação do organismo em fragmentos
a serem estudados como se o ser vivo fosse composto de partes
reunidas. Não, o ser é indivisível, o clínico generalista tem
de ser o médico principal e os especialistas seus auxiliares.
Mas o homeopata deve usar homeopatia.
Por isso se faz imperiosa a conscientização de que um curso de
Homeopatia tem de ser apenas de Homeopatia.
Associações de Homeopatia não podem permitir que grassem
outras terapias em seu meio. Para esse intercâmbio mais amplo
há as Assoc. Médicas, Veterinárias etc. Na Sociedade de
Medicina Veterinária deve haver o convívio
entre as diversas linhas seguidas por seus filiados. Na Soc. de
Homeopatia deve residir somente esta, o que não impede que
outras medicinas sejam recebidas como visitas vez por outra, mas
como visitantes em palestras ou reuniões específicas e não
misturadas nos cursos.
O futuro é construído pelo agora. A Homeopatia veterinária no
Brasil ainda é incipiente e por isso não pode se dar ao luxo de
compartilhar a mesma sala de aula com outras
terapias sob pena de atrofiar-se, dando origem a uma excrecência
que a ninguém beneficiará. No entanto pode e deve partilhar as
salas de discussão da medicina em geral.
Cabe aos que estão nessas salas hoje, principalmente os
docentes, e todos mais que ousam ostentar o honroso
título de "homeopata", meditar e decidir qual o
caminho que desejam para a Homeopatia veterinária no Brasil: que
ela seja estudada, pesquisada e aprendida a fundo de modo a
frutificar e trazer benefícios a nossos pacientes e aos de
nossos filhos, e filhos de nossos filhos, ainda que isso nos
custe sacrifício pessoal de tempo, dedicação, errar e acertar
com responsabilidade, construir a cada dia uma semiologia
homeopática veterinária que nos dê uma base segura para
prescrição e torne menos árduo o caminho de nossos seguidores;
ou que ela seja descaracterizada no nascedouro e só após seu
quase desaparecimento surja uma nova geração com a mesma chance
que temos hoje e que poderá decidir corrigir o dano causado por
nós.
Este artigo é dedicado a Georg Heinrich Gottlieb Jahr que teve a
coragem de se corrigir.