Entrevista com “Llavor d’Anarquia”

Agência de Notícias Anarquistas > Como surgiu o coletivo "Llavor d'Anarquia"?

Llavor d’Anarquia < O coletivo Llavor d’Anarquia se formou com pessoas de diversos setores anarquistas da Catalunha, alguns procedentes do anarco-sindicalismo, outros dos ateneus libertários, mais concretamente do grupo de pessoas que promoveram os encontros “entre anarquistas” celebrados em março/abril de 1998.

Nestes encontros tratávamos de superar a situação criada na Catalunha nos últimos anos, aleijando-nos do anarco-sindicalismo, ideologicamente e organicamente, voltando ao anarquismo desde as posições “libertaristas” que encheram a história do movimento anarquista do estado espanhol desde os princípios do século passado.

Os encontros foram um relativo êxito ou um relativo fracasso, segundo o olhar de cada um, mas serviram para consolidar o grupo promotor, que continuou existindo como grupo de debate. Há que se levar em conta que tínhamos posições diversas, desde o coletivismo ao anarco-comunismo, desde os que buscavam conciliar organização e anarquismo, até os que se opunham as organizações. Com a prática cotidiana de falar, sem tirar “as coisas velhas” da cabeça, e irmos fazendo algumas coisas juntos, fomos criando uma coesão.

Nossas primeiras atividades conjuntas giraram alredor da cúpula da WEF em Melbourne, e da WTO em Praga, formamos um pequeno mas decidido núcleo que levou a efeito uma campanha de boicote contra a multinacional DANONE, e propaganda diversas. E mais um bloqueio da sede central da Telefonica em Barcelona durante o “intento” da cúpula de Praga.

Seguindo o processo de discussão interna começamos a nos interessar pela crítica a civilização, levada a cabo por diversos autores anglo-saxões, Perlman, Moore, Munford. Aí finalmente fizemos uma tradução para o catalão e o castelhano do “Futuro Primitivista” de Zerzan, então editamos tudo em papel e num CD junto com material diverso de crítica a civilização. Também, fugazmente, nos relacionamos com Robin Terranova e John Zerzan no seu giro pelo estado espanhol em finais de 2001.

Para nós a posição de crítica a civilização não é uma extravagância moderna, e sim um retorno as raízes do anarquismo como crítica radical à sociedade em sua globalidade. Nós anarquistas temos perdido de vista esta globalidade por um conjunto de visões parciais: municipalismo, sindicalismo, anarquismo cultural, contracultural... que nos levaram de um modo inevitável a um possibilismo parcial, que nos aleija tanto da consecução da liberdade (a anarquia) como da consecução dos mesmos “objetivos parciais” enredando-nos em tratar de negociar com uma realidade que é a negação que buscamos.

ANA > Foram vocês que levaram Zerzan para uma "tour" na Europa, recentemente?

Llavor d’Anarquia < Não, quem levou foi a “Assembléia Libertária do Vallès”, da cidade de Granollers, e, fora da Catalunha, uma combinação de libertários, autônomos e outras pessoas. Com nós só esteve no último dia, participando de um debate que organizamos junto com Constantino Cavalleri, um insurrecionalistas Sardo.

ANA > Falando em insurrecionalismo, existe alguma diferença entre primitivistas e insurrecionalistas?

Llavor d’Anarquia < Nós preferimos a denominação anti-civilização que a de primitivista, nos parece mais rica. De todos os modos a autodefinição que fazem de si mesmos os anarco-primitivistas, coincide com nossa autodefinição em muitas coisas, quase todas.

Para nós, o insurrecionalismo é uma metodologia de ação, em que os protagonistas são os autores, onde não existem os intermediários, em que não há hierarquias de métodos.

O insurrecionalismo é um método clássico no anarquismo, ainda que o insurrecionalismo como tal há de ser um fato generalizado que não dependa de pré-determinações ideológicas, efetuadas por pessoas não necessariamente definidas como anarquistas, inclusive contra os quais nos denominamos anarquistas. A ideologia anarquista, se atua ou quer atuar como dirigente, condutor, um guia, não prática a insurreição.

Seguramente não é possível a prática insurrecional, ou tender a essa prática, e não ter assumido uma crítica global a sociedade atual e passada: uma crítica a civilização. Mas para nós isto é difícil (impossível?), já que a luta contra a divisão do trabalho, o patriarcado, a hierarquização, o especifismo, a destruição da terra... leva consequentemente a crítica da civilização.

ANA > O ludismo era um movimento radical de crítica ao mundo do trabalho, pregava à destruição das máquinas. Vocês, além da crítica ao trabalho, fazem também uma crítica radical à civilização...

Llavor d’Anarquia < Os ludistas tiveram a virtude de identificar o perigo, o inimigo e o método para combate-los, estavam tão certos que contra eles se ergueu um muro, cuja construção participou todo o “establishment de esquerdas”, desde a social-democracia aos anarco-sindicalistas.

Se analizarmos o que é trabalho, e o papel central que ocupa em nossas vidas (ainda que muitos, todavia, gostem de definir-se pelo trabalho que executam e, estão orgulhosos disso), podemos chegar a perceber a não-vida que levamos na sociedade atual, e portanto a questioná-la em seus aspectos mais imediatos, se o aspecto mais imediato é uma máquina, ou um torno, ou um computador de última geração... pois bem-vinda seja sua destruição.

ANA > Dentro do primitivismo moderno, existem algumas tendências. Por exemplo, entre Zerzan, Fifth Estate, Earth First!...  Quais as diferenças entre esses grupos? Vocês se situam aonde?

Llavor d’Anarquia < As diferenças não somos nós que vamos apontá-las. Em nosso ambiente imediato não existem estes grupos e não podemos nos guiar somente por impressões pessoais de seus escritos e de críticas e descrições feitas por terceiros.

De todos os modos, reconhecendo que não os conhecemos em profundidade, pensamos que há um caminho entre os “ecologistas profundos” que às vezes tomam posições pseudo-religiosas, os ecologistas radicais aleijados de uma posição social e os anarquistas verdes.

ANA > Explique para os brasileiros em que nível se dão as divergências com os partidários da Ecologia Social?

Llavor d’Anarquia < Às vezes estamos presos pelas palavras e o caso da ecologia social é uma delas. Se trata de um nome atrativo, mas, ao menos no estado espanhol, se entende por ecologia social aquela tendência que em ares de uma maior “eficácia” e para “resolver” problemas cotidianos “de uma maneira construtiva” acabou caindo na participação eleitoral e na subvenção institucional.

Se trata de outro caso em que uma visão parcial totalmente dissociada de uma visão global dá lugar a uma interpretação distorcida de nossos objetivos. Nos escasos lugares aonde há um “êxito” da ecologia social à nível de participação institucional, esta participação não se traduz em nada substancialmente diferente ao anterior.

ANA > Como se daria a extinção da linguagem tal como conhecemos e porque ela é nociva?

Llavor d’Anarquia < Não conhecemos ninguém que proponha a extinção da linguagem, mas a sua extensão, superando barreiras e limites da atual comunicação, limitada a umas poucas palavras. A comunicação há de que se estender, ser mais efetiva e com todo o corpo, temos que tê-la entre nós, senão não cambiaremos a sociedade nem a nós mesmos.

ANA > Vocês pensam que as pessoas estão dispostas a se livrar da tecnologia, de entrar em um Futuro Primitivo? Como se daria esta revolução?

Llavor d’Anarquia < Não se trata de abandonar os artefatos tecnológicos para ir a uma arcádia primitivista, e sim em ser capazes de avaliar as conseqüências de cada artefato e ter a possibilidade de escolher segundo nossos desejos. Seguro que o resultado seria muito diferente da utopia tecnológica que somente nos está levando a uma sociedade enferma de insatisfação, a um mundo dividido entre os que morrem de fome e os que morrem de tanta exploração, e a destruição da terra.

Se há uma utopia que está fracassando diariamente é a utopia tecnológica. Nos prometeram acabar com o trabalho e no lugar dele o que fizeram é estender a exploração e o trabalho precário a níveis praticamente da época da revolução industrial. Nos prometeram acabar com a fome mediante a biotecnologia, e há mais fome que há 50 anos atrás, as multinacionais se enriqueceram e os agricultores se empobreceram. Nos prometeram saúde e a juventude eterna, e cada vez estamos mais doentes, há mais alergias, mais cânceres novos, mais mal-estar e mais sofrimento psicológico...

Há quem diga que todas as espécies animais se defenderam, quando estão no trance da sua extinção, nós esperamos que a espécie humana não seja a exceção. Por outro lado, há uma corrente de pensamento e de idéias entre a gente comum (não entre os universitários e os “pensadores”), que é consciente de que perdemos muitas coisas, e que no caminho que estamos indo, podemos perder muito mais. O que é necessário é perder o fatalismo de que “sempre houve pobres e ricos”, “sempre haverá quem manda e quem obedece”...

ANA > Como é a relação de vocês com o tradicional movimento anarquista espanhol ligado aos sindicatos?

Llavor d’Anarquia < Bem, em Barcelona, e em boa parte do estado espanhol, o anarco-sindicalismo tem um peso considerável, mas há que se dizer que se trata de um movimento muito diverso, que numa mesma localidade há pessoas “obreristas” dogmáticas e outras que chegam a umas críticas radicais do trabalho, que há localidades em que a CNT é de fato um grupo anarquista local que atua em muitos campos diferentes do sindicalismo e outras em que pretende ser estritamente um sindicato. Há todo tipo de pessoas e todo tipo de desejos, não podemos dizer que as relações sejam boas ou ruins... ainda que com determinadas pessoas e determinados níveis de organização não são muito boas.

ANA > Vocês se sentem de alguma forma contemplados pelas idéias de Hakim Bey? O que pensam a respeito dele?

Llavor d’Anarquia < As idéias de Hakim Bey são muito motivadoras naquilo que tem de novidade e estimulante, porquê ainda que seja contraditório no movimento anarco/libertário/autoritário, faltam essas idéias. Por outro lado, é um pensamento muito diverso, com coisas boas sem dúvida, e, portanto, o grau de identificação é muito variável. A idéia da Zona Temporariamente Autônoma é particularmente atrativa, em tudo aquilo de transitório e nomadismo vital que implica.

Contato: llavorda@anarchie.net

 

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