Anti-civilização: O
Ressurgir do Primitivismo
Antón FDR
Nos últimos anos o
movimento primitivista voltou à carga, principalmente nos EUA. Uns se chamam
anarco-primitivistas, anarco-indígenistas, anti-civilização,
insurrecionalistas... Mas este não é um movimento novo, nem original. Tampouco é
um movimento sem história. Mas o que é?
As lutas campesinas dos
metafóricos “Capitão Swing” ou de “Ned Ludd” podem ser apontados como seus
antecessores na modernidade; homens e mulheres que destruíam propriedades e
novas máquinas para as quais estava se redesenhando a sociedade em todos os seus aspectos.
Pessoas que destruíam máquinas porque lhes tiravam o trabalho e os condenavam a
miséria, que negavam o “progresso” e a industrialização como faz agora o
movimento anti-civilização.
Contudo, este movimento
é, desde um ponto de vista teórico, muito mais refinado que esses movimentos
campesinos, e muito mais radical, pois sua crítica não é somente contra o mundo
industrializado, mas contra a civilização em si, se bem que não existe um
consenso de crítica dentro do primitivismo.
A origem desse moderno
primitivismo, segundo o britânico John Moore, se encontrou em Detroit em 1986,
quando pessoas do jornal anarquista “Fifth State”, muito influenciadas pelas
obras de Fredy Perlman como “Contra sua história, contra o Leviatã”, começaram a
realizar uma análise “crítica das estruturas da civilização ocidental,
combinando com uma revalorização do mundo indígena e o caráter das comunidades
primitivas originais”, afirmando que “nesse sentido somos primitivistas”,
colocando especial ênfase no que para eles era ter “uma síntese da anarquia
primária e a contemporânea”.
E foi desde “Fifth
State”, que John Zerzan, conhecido anarco-primitivista americano, que participou
ativamente das “Batalhas de Seattle”, e catalogado pelo FBI e o “mass media”
como um dos “líderes” do movimento anti-globalização, começou a escrever seus
primeiros ensaios. Mas logo Zerzan e “Fifth State” se separam, por desacordos
ideológicos.
Heterogeneidade do
primitivismo
O primitivismo é uma
ideologia que pretende acabar com o poder em todas as suas formas, não obstante
é precisamente nisso, até onde se deve chegar para acabar com o poder, que
tropeçaram Zerzan e “Fifth State”, e onde se originam as diversas tendências
ideológicas dentro do movimento. Desta maneira é inviável falar de um
primitivismo, e sim de uma gama variada deles. Segundo Jason McQuinn, da revista
“Anarchy” dos EUA, é possível ver distintos pensadores com posturas diversas, e
às vezes antagônicas: “Fredy Perlman celebra um modo poético, o canto e a dança
das comunidades primitivas, sua imersão na natureza e sua harmonia com as outras
espécies”.
Para David Watson, do
“Fifth State”, o primitivismo implica ante tudo valorizar a forma de viver de
maneira “sustentável” e pré-industrial (não necessariamente pré-agrícola) de
numerosos povos que segundo ele, estão centrados em culturas tribais e em modos
e técnicas de convivência. Para John Zerzan é ante tudo uma posição propugnando
o fim de todas as alienações simbólicas possíveis e de toda divisão do trabalho
com o fim de que experimentemos o mundo como unidade de experiência nova, sem
necessidade da religião, da arte ou de outras compensações simbólicas.
Por outro lado, para
aqueles que são influenciados pela Ecologia Profunda (a organização ecologista
radical “Earth First! e autores como Arne Naess ou David Foreman), o
primitivismo significa o retorno a um mundo pré-industrial habitado por uma
pequena população humana capaz de viver, não somente em harmonia com a natureza,
mas com um mínimo impacto sobre as outras espécies de animais e plantas,
inclusive as bactérias”.
Futuro e tecnologia
Os primitivistas
distinguem claramente técnica e tecnologia, quer dizer, ferramentas e máquinas,
sua crítica se concentra nessa segunda. Mas devíamos negar toda tecnologia?
Certamente não há nenhuma corrente que pense que devamos negar tudo – como
nenhum primitivista pretende voltar a Pleistoceno. Nesse sentido “Fifth State”
contesta a pergunta anterior: “... as discussões sobre o futuro devem ser
sensíveis sobre o que queremos socialmente, e por tanto isto determina que
tecnologia é possível. Todos nós desejamos aquecedores, chuveiro elétrico, luz
elétrica, mas não a custa da humanidade. Quiçá sejam possíveis juntos, mas,
talvez não”.
Teodore Kaczynski, mais conhecido como “Unabomber”, foi uma figura importante desse novo ressurgir. Para ele a tecnologia, como para todo primitivista, jamais é neutra e sua existência configura uma ideologia e, por conseqüência, molda a sociedade. Unabomber acredita que a tecnologia é imparável, que sempre será aplicada, e em sociedades tecnológicas, que jamais se deixará de pesquisar, ou seja, tecnologizar.
O ex-professor de
Berkeley, no seu livro “A sociedade industrial e seu futuro”, mais conhecido
como “Manifesto do Unabomber”, predica um futuro em que o ser humano é escravo
de seus inventos, das máquinas, da genética... que criará uma crescente
alienação e infelicidade, a par de um modelo social condenado a auto-destruição
por ser, simplesmente, humana e ecologicamente insustentável. Ante essa
predição, Unabomber, que já atuou no “Earth First!”, pretende uma revolução
baseada numa religião da natureza – pois crê necessário uma forte ideologização
- que destrua a tecnologia industrial paara voltar a formas pré-industrializadas
(agrícolas ou de caças-recoletoras) aonde a tecnologia seja controlável, o ser
humano deixe de ser um câncer para o ecossistema, e sua sociedade uma escravidão
para o indivíduo.
Zerzan e Terranova,
primitivistas de Oregon, EUA, com uma mensagem mais otimista, mas ao mesmo tempo
com uma crítica demolidora dos conceitos “tempo”, “trabalho”... e a atual
situação psicológica da sociedade, ainda vão mais longe, até o ponto de suprimir
quase todo rastro de tecnologia, se bem que aceitam, numa etapa de transição
para o “Futuro Primitivo”, a permacultura – um tipo de agricultura onde o uso da
tecnologia, o impacto sobre o meio-ambiente e o trabalho humano se reduzem ao
mínimo.