Quando
se estabelece a insuficiência cardíaca de baixo débito, a fração de
ejeção diminui; isso significa que o ventrículo falha em sua função
de bombear todo o volume de sangue que recebeu, via retorno venoso, na
diástole anterior. Assim, se elevam o volume diastólico final (VDF) e
pressão diastólica final (Pd2VE). Com isso, ocorre aumento da
pressão de enchimento ventricular, incrementando a força da contração
dos batimentos seguintes via mecanismo de Frank-Starling.
O
sangue excedente é, desse modo, bombeado, mas volta a se acumular logo em
seguida, já que o coração insuficiente tipicamente não consegue gerar
um débito cardíaco adequado a pressões de enchimento normais.
Nesse
momento evolutivo da insuficiência cardíaca (dita "latente") a
descarga simpática compensa adequadamente um débito cardíaco
diminuído, restaurando-o aos níveis normais pelo simultâneo aumento no
retorno venoso (por contração de veias), da força de contração do
miocárdio (por alteração na contratilidade), e da freqüência
cardíaca.
Entretanto,
se o débito cardíaco reduzido só pode ser mantido compensado através
de descargas simpáticas repetidas, a ativação do sistema
renina-angiotensina-aldosterona (S-RAA) torna-se imperiosa; conjuntamente
com a secreção de ADH (que induz retenção de sódio) determina aumento
do volume sangüíneo circulante (volemia).
O
aumento da volemia determina maior retorno venoso, garantindo um
enchimento ventricular mais satisfatório, maior estiramento da fibra
miocárdica e ativação do mecanismo Frank-Starling do coração. Em
outras palavras: a hipervolemia na insuficiência cardíaca serve para
otimizar a pré-carga imposta ao ventrículo e desse modo atua no sentido
de aumentar o débito cardíaco por elevação na contratilidade
miocárdica extrínseca.
O
sistema de controle da volemia trabalha no sentido de criar um valor de
pressão sangüínea no leito arterial capaz de manter a perfusão
tecidual em níveis adequados. Para tanto, lida com os determinantes
primários do enchimento do sistema arterial, que são o volume do débito
cardíaco (Dc) e a resistência periférica total (RPT), de acordo com a
adequação da estabilidade hemodinâmica:
TA
= DC . RPT
Como
apenas 15% do volume sangüíneo está contido na árvore arterial, nosso
organismo é capaz de reduzir o enchimento arterial de modo a manter
disparando os receptores de controle volêmico mesmo que o volume
sangüíneo total esteja acima do normal.
Essa
redução da plenitude arterial pode ocorrer tanto por decréscimo no
débito cardíaco, como se dá na insuficiência cardíaca, quanto por
vasodilatação periférica, como se dá na insuficiência hepática, por
exemplo.
A
pressão sangüínea no leito arterial, quando elevada, distende os
corpúsculos aórtico-carotídeos, gerando estímulos nervosos que atingem
o sistema nervoso central via glossofaríngeo e exercem efeito inibitório
sobre o sistema nervoso simpático.
A
hipotensão, resultando em menor distensão da parede arterial e do
corpúsculo, resulta em menor número de estímulos inibitórios;
conseqüentemente, aumenta o tônus simpático.
Na
insuficiência cardíaca, a queda no débito cardíaco se traduz por uma
tendência à hipotensão arterial. Quando a pressão sangüínea
diminuída é sentida pelos baroceptores arteriais dos corpúsculos
aórtico-carotídeos, se estabelece uma diminuição no efeito inibitório
que estas estruturas exercem, resultando em descarga simpática.
Estes
baroceptores aórtico-carotídeos detectam:
(1)
Queda na pressão de pulso (que é diferença entre as pressões
sistólica e diastólica)
(2)
Lentificação no ritmo de ascensão na pressão aórtica, e não
necessariamente o nível de PRESSÃO do sangue.
Ambos
os estímulos podem ser decorrentes de queda no volume sistólico, podendo
ocorrer mesmo quando não há hipotensão arterial. Persistente ativação
do sistema simpático pode estar relacionada à anaerobiose, com acúmulo
de ácido láctico na musculatura esquelética, onde quimioreceptores
podem deflagrar descarga simpática, mesmo na ausência de hipotensão
arterial.
Além
dos baroceptores de alta pressão localizados no arco aórtico e no seio
carotídeo, existem mecanorreceptores cardiopulmonares de baixa pressão
localizados no miocárdio ventricular e nos pulmões.
Estes
mecanorreceptores cardiopulmonares respondem à diminuição de retorno
venoso (que determina o grau de estiramento dos receptores do miocárdio
atrial e ventricular) e à queda no débito cardíaco direito (receptores
pulmonares), no sentido de ativar descarga vagal quando sofrem estiramento
e potencializar descarga simpática quando o retorno venoso é diminuído.
Assim,
a adoção da postura "de pé" resulta em descarga simpática (e
inibição do vago) porque simultaneamente são descarregados os
mecanorreceptores cardiopulmonares (que controlam o vago) e os
baroreceptores aórtico-carotídeos (que controlam o simpático)
A
disfunção desses receptores do sistema nervoso autônomo, vista na ICC,
explica a elevada freqüência de hipotensão postural; os níveis de
catecolaminas estão sempre elevados, mas deveriam aumentar no momento da
adoção da postura "de pé", e isso não se verifica. Na
verdade, o tônus simpático diminui paradoxalmente quando o portador de
ICC adota a posição "de pé". A manutenção de estabilidade
hemodinâmica às custas de descargas simpáticas receptivas resulta em:
(1) ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona; (2) liberação
não osmótica do ADH.
1.
A elevação da descarga neural simpática ao nível dos rins, juntamente
com a vasoconstricção renal, ativa o sistema
renina-angiotensina-aldosterona, com suas conseqüências (vide adiante).
2.
A descarga simpática sustentada determina a liberação não osmótica do
ADH, ou hormônio antidiurético, chamado "arginina-vasopressina"
pelos pesquisadores americanos.
Do
centro vasomotor simpático emergem fibras que atravessam o "tratus
solitárius" e terminam em neurônios produtores de ADH ao nível dos
núcleos supra-óptico e para-ventricular do hipotálamo; assim, numa
situação de descargas simpáticas persistentes, a liberação de ADH é
útil na medida em que aumenta a resistência periférica (por promover
vasoconstricção) e a volemia (ao promover a antidiurese, com retenção
hídrica).
Embora
a resposta mais rápida deste sistema a uma condição de estresse
circulatório (como a hipotensão arterial desencadeada pela queda do
débito cardíaco) seja a vasoconstricção sistêmica induzida pelo
simpático (que eleva a resistência periférica total), a manutenção da
estabilidade hemodinâmica a mais longo prazo envolve a retenção de
água (antidiurese induzida pelo ADH) e de sódio (induzida pela
aldosterona) ao nível dos rins.
Em
alguns dos pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, foi
demonstrado que a concentração plasmática de aldosterona está dentro
dos valores normais e isso foi interpretado por alguns de que nem sempre o
sistema renina-angiotensina-aldosterona está ativado na ICC. Entretanto,
uma análise mais aprofundada permite observar que o "normal"
numa situação de hipervolemia é queda do nível de aldosterona, e que
um valor "normal" na ICC implica quantidade "maior que o
normal" para a situação. Por outro lado, durante boa parte da
evolução da ICC compensada, o sistema S-RAA circulante é menos efetivo
que o S-RAA local.
Por
fim, cumpre informar que os efeitos sobre os vasos e sobre os rins dos
sistemas renina-angiotensina-aldosterona e simpático-adrenérgico
combinam uma queda na taxa de filtração glomerular (por
vasoconstricção da arteríola aferente) com aumento na reabsorção
tubular proximal; desse modo, o organismo previne a possibilidade de
ocorrência do fenômeno do "escape" do sódio à ação da
aldosterona (vide adiante), uma vez que ocorre decréscimo na oferta de
sódio e água ao túbulo distal.